segunda-feira, 4 de abril de 2016

Festas não religiosas


 Iaiá e Ditinho apresentam o “Boi Canarinho” na Praia de Itamambuca, Ubatuba. 1989 (foto: Kilza Setti)

Iaiá e Ditinho apresentam o “Boi Canarinho” na Praia de Itamambuca, Ubatuba. 1989 
(foto: Kilza Setti)

Num país em que o catolicismo é definido como religião oficial, é natural que festas e situações de lazer sejam de inspiração religiosa. Estas se mostram predominantemente alimentadas pela tradição e iniciativas populares, ainda que com apoio de instituições como a Igreja e órgãos públicos.
Já em manifestações não religiosas, festivas e de entretenimento, as políticas públicas se fazem sentir na organização de festividades ligadas ao turismo, esporte, datas cívicas e em mostras de expressões artísticas em geral. As ações das secretarias de cultura, esporte e turismo, muitas vezes ligadas a interesses econômicos, são voltadas à promoção de eventos e situações festivas que se estendem ao longo do ano. 

Devoção e Festas religiosas


  Maneco Almiro e Otavio Batista, em festa do Divino, centro Ubatuba, 1983 (foto: Kilza Setti)

                                          Maneco Almiro e Otavio Batista, em festa do Divino, centro Ubatuba, 1983 (foto: Kilza Setti)



É curiosa e inspiradora a relação que os devotos católicos estabelecem com os santos de sua devoção. Antes da chegada das religiões protestantes ao litoral, toda casa caiçara mantinha seu oratório com santos, medalhas, fitas, flores coloridas, enfim, um mundo de fantasia, de parentesco e compadrio e de cumplicidade com as imagens dos santos preferidos. A prática de troca de favores entre humanos e santos se faz na relação: oração/graça obtida, ou dança sagrada/graça  a ser obtida, compra de velas e novenas em troca de favores dos santos. Isto em nada difere dos procedimentos de fiéis em grandes cidades. Mas, no mundo rural, essa relação entre devotos e santos é mais próxima. 

CULTURA CAIÇARA .......OS JOVENS E AS TRADIÇÕES...





Apesar do processo de mudança que vem enfrentando desde os anos 60, a população caiçara tem mostrado consciência da necessidade de preservar suas tradições. A partir dos anos 90, particularmente, essa tendência ganhou maior intensidade graças à ação de grupos de jovens que passaram a desenvolver iniciativas para reativar festas, músicas e danças de seus antepassados.
Verifica-se que a família é um importante fator na preservação das tradições culturais, seja de hábitos de linguagem, seja de práticas musicais. A família funciona como unidade de preservação, verdadeiro celeiro em que essas tradições são conservadas, repetidas num processo contínuo e transmitidas, naturalmente, aos jovens, nas casas ou por ocasião das festas e celebrações.


A espoliação do caiçara



O caiçara do litoral paulista, particularmente das regiões disputadas como áreas nobres para a implantação de núcleos balneários e empreendimentos turísticos, foi, desde meados dos anos 60, deixado à margem desses empreendimentos e empurrado para a periferia das cidades, muitas vezes na condição de favelado, ou foi obrigado, para viver ou sobreviver, a ocupar áreas de preservação ambiental. Com a perda de território, o caiçara passa de dono da terra a intruso e verifica-se o gradual esfacelamento social e cultural dos núcleos caiçaras, empalidecendo relações de parentesco e de solidariedade vicinal. Os fluxos intermitentes de turistas e novos moradores também contribuem para a alteração da fisionomia cultural dos povos nativos.

Visão de mundo





Catarina de Oliveira Prado em sua casa. Ubatuba, Centro, 2008 (foto: Kilza Setti)


Apesar do contato cada vez mais intenso com a urbanização e com os valores que lhe são estranhos, introduzidos pela cultura global, o caiçara tem seu próprio modo de ver e analisar o mundo; tem seus sistemas referenciais para sentir o espaço, o tempo, a natureza; estabelece sua ordem social e moral e seus padrões estéticos e tem seus próprios parâmetros para avaliação do mundo. Usa, por exemplo, para localizar endereços, referenciais da natureza, tais como rios, pedreiras e árvores (jaqueiras, mangueiras, taquarais, etc). Outros marcos expressivos dentro de seu universo são também tomados como referências espaciais, tais como ‘a bomba de gasolina’, ‘o matadouro’, ‘o Grupo velho’, etc. 

A CULTURA CAIÇARA.........


 


Caiçara é o termo usado genericamente para designar populações que nasceram e vivem em regiões litorâneas, sobretudo no sudeste do Brasil. Este Projeto refere-se especificamente à cultura dos povos caiçaras das áreas rurais do litoral paulista.
A circunstância de parcial isolamento geográfico da população caiçara, que, no litoral norte paulista, manteve-se até a abertura da BR101, e, no litoral sul, prolongou-se por mais tempo, possibilitou a manutenção de procedimentos musicais e de linguagem como que resguardados em nichos: expressões que evocam o português antigo, procedimentos vocais e instrumentais que fazem lembrar traços do barroco europeu, o gosto pelos ornamentos nos toques da rabeca e violino caiçaras, minúcias do instrumental europeu que convivem com as marimbas de possível origem angolana, indispensáveis nas congadas do litoral paulista. Estas unidades básicas do saber caiçara são interligadas e estão ainda em uso, num processo que se realimenta pela oralidade, e merecem ser conhecidas e estudadas.