Meu repúdio - Julinho Mendes – Ubatuba, 15/02/2006
Esse texto, com permissão dos familiares, escrevi logo após o fato em 2006, de lá pra ca, outros iguais a esse, no mar ou na roça, continuaram acontecendo com os caiçaras.
Vai aqui a nossa lembrança ao saudoso Aládio Teixeira Leite.
"Tanto faz a chuva como o brilho da estrela Dalva. O galo cantou, o homem já está de pé, tomando seu cafezinho intirume e se preparando para mais um dia de rotina, rotina que o fez forte para suportar o sol, a chuva, o frio, o vento, o mar ressacado. Feito uma Batuira, andando rápido sem olhar pros lados, as vezes até sem responder bom dia, caminhava pelas ruas e praia até chegar a seu destino: O rancho de pesca na praia do Itaguá. Rola ao rolo a canoa, já com a rede e os cabos de dia anterior, ainda com o orvalho do sereno ou água da garoa. O pano da rede não tinha mais que dez metros de comprimento, os cabos não chegam a medir setenta metros de cada lado. Um companheiro na proa e dois em terra segurando a ponta do cabo. Em meia dúzia de remadas já estavam de volta. A rede feito arco de bodoque não distava setenta metros da praia. Quando jovem, com mais remadas e mais cabos, ia bem mais ao horizonte. Agora não! Agora ia ali pertinho só para cumprir seu instinto. De um lado puxava dois, e do outro, outros dois. Naquela imensidão de mar, seu pequenino arrastão era como uma gota d’água ou um mirim na areai daquela extensa praia do Itaguá. -O que pescava esse homem com tão pequenino pano de rede? Vou responder meus senhores! Esse homem, no cumprimento de seu instinto ofício, pescava sua dignidade, pesca seu direito de viver. Sua vida estava ali, entre dois cabos, uma canoa e um pano de rede. As vezes um robalinho, um punhadinho de camarão, meia dúzia de siri, e até poita das escunas que ali aportam, este homem já pescou, dando-lhe um enorme trabalho e prejuízo.
Neste mesmo momento, traineiras, atuneiros, aparelhas,... barcos equipados com os mais sofisticados e modernos equipamentos de pescas, fazem o mesmo trabalho; tiram do mar a mesma dignidade que o canoeiro de terra tira com seu pequeno arrastão. -Quem está desertando o mar? -O único e solitário pescador de arrastão da praia do Itaguá, ou as frotas das companhias pesqueiras dos grandes e gananciosos empresários espalhados pelo mar?
Pois é! Fácil de responder!
Este homem, caiçara no alto de seus oitenta anos de idade, com seu pedacinho de rede, o único e ultimo pescador de arrastão desses 92 km de litoral ubatubano, sofreu nesta semana a primeira maior humilhação de sua vida. Este homem foi levado preso pela policia florestal por exercer seu trabalho de arrastar seu pequeno pedaço de rede na beira da praia do Itaguá.
Não vamos discutir aqui a lei que valeu para esse humilde pescador caiçara! Vamos discutir a humilhação pela qual esse homem de oitenta anos sofreu. Foi levado preso e, ainda por parte dos filhos, teve que pagar uma fiança de novecentos reais para ter de volta sua liberdade. Me desculpem os senhores homens da lei que também fazem exercer suas dignidades e seus trabalhos, mas antes de qualquer lei e diante de um velho caiçara do mar, tem que ter o respeito, tem que ter sabedoria, tem que ter consciência para praticar tal ato de violência, uma violência que atingiu o infinito de sua dignidade, sua moral, sua vontade de viver. Sua Família está indignada. Nosso povo caiçara esta indignado com tal ação praticada contra esse quase centenário pescador caiçara.
Foi mais um ato de aniquilação da cultura caiçara!
Aládio Teixeira Leite, todo peixe do mar vai se acabar, mas não vai ser, por causa de seu pequenino pano de rede.
Aládio Teixeira Leite, nosso povo vai se acabar, nossa cultura vai sumir, mas pode ter certeza que sumiremos com dignidade, deixando história, sabedoria, cultura; e nesse sumiço iremos até o fim exigir o mínimo de respeito."
Tão logo esse ocorrido, seu Aládio entrou em depressão, adqueriu gravissímos problemas de saúde, vindo a amputar uma das pernas e faleceu em pouco tempo.
Fatos parecidos como esse, de aniquilação da cultura caiçara, vem acontecendo constantemente. Aniquilam a cultura caiçara para implantarem a real degradação e destruição do nosso patrimônio ambiental, cultural, paisagístico.
Tudo virando bosta!
Texto e foto de Julio Cesar Mendes via facebook