terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

UBATUBA ANTIGA..........Especial " Paz de Iperoig "




Foto antiga da Cruz de Iperoig , localizada na Praia de Iperoig, conhecida hoje como Praia do Cruzeiro , região central de Ubatuba-SP .
Acima também desenho que ilustra o Chefe Tamoio Aimberê


14 de setembro - Um Tratado de Paz para selar o Encontro


O conflito de interesses que marcou a chegada e o encontro entre portugueses e tupinambás no século XVI, teve uma trégua importante no cenário da conquista, graças à mediação diplomata do padre José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. O papel dos jesuítas foi crucial, mas não no sentido que aponta a história tradicional. Eles conseguiram promover o famoso Tratado de Paz, que segundo a tradição, selou-se no dia 14 de setembro de 1565, na antiga aldeia de Iperoig, hoje cidade de Ubatuba.

Entretanto, esse Tratado não redundou no propósito de convivência harmoniosa almejada pelos apóstolos da Companhia de Jesus. Os Tupinambás ou Tamoios da região - diz Anchieta nas suas Cartas - estavam dispostos a negociar porque a configuração das alianças estava mudando no contexto da guerra. A Confederação dos Tamoios era aliada aos conquistadores franceses que os proviam com a exuberância das armas e espadas; vestes e ferramentas podendo negociar estes utensílios pelo pau - brasil. Por outro lado, os portugueses eram aliados de seus arquiinimigos os tupiniquim, considerados traidores vicerais da causa tupi, isto é, da causa fiel aos ancestrais da tribo. A paz nesse sentido, era almejada pelos tamoios para continuar guerreando e poder comer esses velhos inimigos em um ato sagrado de sacrifício, estes haviam triunfado sobre os tupinambás mais de uma vez aliados aos dominadores portugueses.

Anchieta e Nóbrega chegaram de barco a Iperoig para as negociações, foram rodeados de canoas e deram de cara com Coaquira, chefe da aldeia que os hospedou como embaixadores de paz. Iperoig foi o sitio das assembléias que ouviu as queixas contra os portugueses: atrocidades, traições, incêndios, intrigas e capturas de índios tratados a ferro de escravos. No meio dessas discussões Anchieta se retira e escreve na areia da praia, o célebre poema à Virgem Maria, segundo conta a lenda. O relevante deste episódio são as circunstâncias em que o poema foi concebido, no ritmo bárbaro da luta entre a fé e o instinto, transparecendo a angústia do conflito que motiva o evangelizador.

Aimberé, o líder da Confederação, sucessor de Cunhambebe que havia morto por causa de uma epidemia, trazida pelos europeus e que dizimou grande parte dos índios, viaja para a Capitania de São Vicente, enquanto

Anchieta e Nóbrega ficam cativos em Iperoig. Mais tarde este último também viaja para o centro das negociações em Piratininga, onde sela o acordo de Paz com Aimberé e as autoridades portuguesas. A partir de então, iniciam-se expedições libertárias dos índios cativos em fazendas ou engenhos da época. De volta a Iperoig, Aimberé se depara com a figura de Anchieta engajada entre os seus, catequizando e ensinando ofícios aos habitantes da aldeia:agricultura, pecuária, alimentação e saúde, ganhando com isto o respeito de toda a taba de Coaquira. Assim, Anchieta após cumprir sua missão volta a São Vicente.

Um breve tempo de paz veio após a assinatura do Tratado de Iperoig. Os índios tornaram-se mais exigentes, na troca de produtos, dando inicio a um novo processo de importações e exportações, receberam teares e gado que ajudaram no progresso econômico das aldeias. No entanto, os portugueses romperam o acordo de pacificação que durou pouco mais de um ano, sujeitando novamente ao trabalho escravo os índios. A guerra começou justamente onde tinha terminado, em Iperoig com a invasão das duas aldeias de Coaquira, uma vez morto o velho guerreiro, levaram os sobreviventes ao cativeiro. Os tamoios não cederam a essa quebra do Tratado, mas Men de Sá entrou com todo o poder de fogo tingindo este episódio de sangue, daqueles que foram chamados pelo jesuíta missionário de "filhos da terra".

Este é o pano de fundo desse Tratado de Paz que se celebra o dia 14 de setembro em Ubatuba, uma saga que coloca o município como cenário do primeiro Tratado das Américas.
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Por Juan Droguett e Jorge Otávio Fonseca, autores do livro Ubatuba - espaço, memória e cultura (2005)

ACOMPANHE AGORA A 14 ª PARTE DO LIVRO " UBATUBA, ESPAÇO,MEMÓRIA E CULTURA"

2. ANCORA NOS PRINCIPAIS ATRATIVOS CULTURAIS DA CIDADE

Uma âncora é sinal de suspensão de uma trajetória ou travessia, este é o significado mais próximo do estado necessário para apreciar os chamados atrativos culturais de Ubatuba, como de qualquer outro destino turístico. Os atrativos naturais são uma dádiva da natureza sempre em movimento, daí o caráter itinerante da nossa viagem pelas praias da região escolhida. Em contrapartida, os atrativos culturais são frutos da intervenção humana ao longo do tempo, tudo aquilo que é da ordem da história e da cultura de um povo.

Portanto, um atrativo cultural se define pela capacidade humana de interferir no espaço natural. Américo Pellegrini define como elementos cruciais do patrimônio cultural: conjuntos e lugares. Conjuntos são agrupamentos de construções, isoladas ou reunidas, cuja arquitetura, unidade e integração na paisagem, lhes proporcionam um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte e das ciências. Lugares são obras do homem e da natureza, assim como zonas que incluem sítios arqueológicos que também possuem um valor excepcional do ponto de vista: histórico, estético, etnológico ou antropológico (Pellegrini, 1999: 98).

Certamente, estas definições de Pellegrini vêm de encontro com os lugares que escolhemos para ilustrar o patrimônio cultural de Ubatuba. Começando pela Igreja Matriz, marco de entrada da colonização portuguesa na aldeia de Iperoig e terminando no Corcovado, ponto de encontro entre a terra e o céu de Ubatuba, lugar excepcionalmente destacado por guardar o passado mítico de seus primeiros habitantes e as lendas que povoam o imaginário cultural da região. Os 8 atrativos culturais de Ubatuba selecionados para mostrar a sua relação com a história e a cultura da cidade serão: a Igreja Matriz, a Cadeia Velha, Ruínas da Lagoinha, a Casa da Farinha, o Aquário, o Projeto TAMAR e o Casarão do Porto – FUNDART e o Corcovado, entre a terra e o céu de Ubatuba.

1. A IGREJA MATRIZ

Localização

A Igreja Matriz encontra-se na praça situada bem no centro da cidade de Ubatuba com as ruas nas laterais: Dona Maria Alves e Condessa de Vimieiro, atrás a Rua Jordão Homem da Costa e à frente a Rua Dr. Félix Guisard.

Horário de Funcionamento

Missas durante a semana e sábado: às 7 h e 19:30 h.
Domingos: 7, 9, 18 e 19:30 h.
Escritório Paroquial: durante a semana das 13:30 às 17:30 h.

A Igreja Matriz de Ubatuba é um prédio histórico capaz de satisfazer o interesse do público pelo passado. A primeira construção da Igreja Matriz foi dedicada a Nossa Senhora da Conceição, segundo nos relata Washington de Oliveira, no seu livro Ubatuba – Documentário (1977), antes das ruas serem asfaltadas podiam ser vistas a olho nu, as lajens que serviam de alicerces à Igreja . Nas escavações feitas no lugar, acharam-se ossadas humanas, cadáveres que foram sepultados de acordo com a tradição eclesial, provavelmente sejam corpos pertencentes a clérigos ou nobres da época a quem correspondia tal privilégio.

O primeiro templo devia ser pequeno e em mal estado – observa o historiador -, por essa razão, providenciou-se a construção de uma nova Matriz que teve início na segunda metade do século XVIII. Por decisão da Câmara de São Sebastião, da então Província de São Paulo, que legislava a respeito da Vila de Ubatuba, determinou-se a construção de uma nova Igreja Matriz em vistas de que a existente estava em estado “deplorável”, e assim foram fixadas contribuições para este nobre propósito.

Muitos foram os empecilhos após a declaração da Câmara de São Sebastião (1798), que assombraram o projeto da Igreja Matriz. Problemas nos alicerces, madeiras corrompidas e irregularidades nas paredes constituíam um vexame para o Império que na Matriz de Ubatuba visualizava um emblema de seu poder temporário.

O dilatamento da burocracia em relação ao início das obras deixou-se ver até o ano de 1835, quando a Igreja Matriz ainda estava nos inícios de sua edificação. Por esta razão, os habitantes da cidade procuraram organizar uma loteria beneficente em prol das obras do empreendimento religioso . Documentos da época caracterizam um tipo de discurso persuasivo em função do louvor e das preces a Deus como primeiro e último beneficiário de tal elevação, vale a pena esclarecer que o destinatário direto de tais benefícios era o próprio Rei ou Imperador que, em última instância, mediava as leis que regiam a ordem celeste e terrena.

A grande contribuição para a Igreja veio do povo, principalmente, como reafirma o historiador anteriormente citado, “do suor derramado pela mão escrava”, desejosa de conciliar: os interesses públicos com os privados, em torno de um templo de arquitetura colonial no litoral paulista.

A morosidade da época e a grandiosidade da empresa Matriz arrastaram a obra até os alvores do século XX, momento a partir do qual Washington de Oliveira passa a ser testemunha ocular . O historiador, pesquisador e ex – prefeito de Ubatuba descreve por meio de fotogramas da cidade, o estado da Matriz no século XIX, uma Igreja totalmente erguida, mas sem torres, ostentando uma pequena água – furtada onde estariam os sinos. Nessas fotografias aparecem as atuais palmeiras plantadas pelo Intendente Municipal Francisco Pires Nobre e, segundo testemunhas, funcionava também um relógio visível à distância e que por muito tempo marcou as horas da cidade .

A Igreja Matriz hoje tem uma torre que lhe dá o aspecto de inacabada. Até 1904, relata “Seu Filhinho” não existiam bancos no interior da Igreja, as devotas ubatubenses assistiam a missa em pé ou ajoelhadas. Nesse mesmo ano, o Coronel Francisco Pereira foi o festeiro do Divino Espírito Santo que conseguiu que esta festa patrocinasse as despesas na melhoria da Igreja.

O Padre Paschoal Reale, reconhecido vigário na história de Ubatuba atendia esta cidade e a Ilha Bela, na sua gestão demoliu a Igreja do Rosário que ficava na atual Praça Nossa Senhora da Paz. Aproveitando o material e os auxílios angariados fizera rebocar, forrar e dotar o piso da Capela – Mor e transferiu para lá o Altar – Mor de Exaltação à Santa Cruz.

Em 1956, os Frades Franciscanos Conventuais: Frei Tarcísio Miotto, Frei Vittorio Valentini e Frei Vittorio Infantino tomaram conta da Igreja Matriz oferecendo todos os cuidados que ela precisava. Desde 1980, o vigário Frei Mangélico Maneti empreendeu a restauração do templo trocando a madeira, o decorado interior da nave principal restaurando os corredores e substituindo todo o reboco externo até a pintura total da fachada.

Este espaço de devoção é um dos principais atrativos culturais de Ubatuba, a memória viva da evangelização na configuração do contexto urbanístico do Novo Mundo. Além de a Igreja Matriz representar o esforço de sua população, ela é uma imagem fiel do sacrifício da Santa Cruz e do espírito de luta de São Pedro Pescador que hoje é um reflexo da identidade caiçara de Ubatuba.



FONTE : Livro Ubatuba, espaço, memória e cultura.
editado em 2005 - Ed. Arte e Letras

Autores : Juan Drouguet e Jorge Otávio Fonseca

Este livro pode ser encontrado na Biblioteca Municipal de Ubatuba, Praça 13 de Maio, 52 -Centro.