sábado, 18 de julho de 2020

SEO OLIVEIRA DA FORTALEZA......




As amizades de verdade transcendem o tempo e ficam pra sempre.
Querido amigo Oliveira da Fortaleza.
Um Ser que se fez Luz.


FONTE.........Charles  Medeiros  via facebook

OS MARINHOS.........Lendas de Ubatuba..........



Barbaridade!
Há mais de três meses não chovia, numa estiada jamais verificada nestas redondezas. Aqui a chuva é uma constante no decorrer do ano e assim, uma seca como aquela exasperava a população, mormente a gente dos bairros que, se dependia da pesca, muito mais dependia da lavoura para garantir a própria sobrevivência. De chuva, nem sinal! O céu mantinha uma limpidez imaculada, um azul puríssimo, sem um mínimo resquício de nuvem que pudesse dar a esperança de um próximo aguaceiro! O ar, parado! Nem uma brisa, nem uma aragem para refrescar um pouco, fazendo balançar a ressequida galharia das árvores desnudas, murchas, desfolhadas…

Toda a região sofria por igual os efeitos daninhos da seca, mas os moradores da Praia das Toninhas, inconformados, afirmavam que lá era pior, que lá a areia da praia era mais quente que a das outras, chegando a tostar-lhes as plantas dos pés se não a evitassem, precisando caminhar por cima, por sobre o emaranhado dos “jundus”. Lá, diziam, dava pena olhar as roças, onde a plantação amarelecia esturricada sob a ação escaldante dos raios solares! Até a cachoeirinha que, sempre farta descia murmurante a encosta pedregosa, estava agora reduzida a um minguado filete de água, torturando o mulherio que amanhecia aglomerado ao pé da bica, na angustiante espera de encher o vasilhame! Seca tirana aquela!

E a pesca? Também falhara. Se todo santo dia, logo cedo, os pescadores saiam mar afora em busca do básico alimento para o seu sustento, retomavam alto dia, desanimados, com rebotalhos, trazendo aquilo que até há pouco desprezavam na praia à acirrada disputa dos famintos urubus.
– “É, dizia Tonico Honorato, patriarca da Toninhas, por isso mesmo acatado e respeitado, isso aí é castigo, e pelos pecadores pagam os inocentes… Já não há mais respeito, não há mais recato!
Ninguém mais tem palavra! As igrejas vazias… Pra essa gente parece que Deus já não existe e seus mandamentos não valem mais nada. .. Isso é castigo!”

Na Toninhas o que Tonico Honorato dizia era sagrado. Se ele disse que aquela provação era castigo, outra coisa não cabia senão rezar. Enquanto os crédulos rezavam, aguardando o milagre da chuva redentora, Júlio e Camilo, dois inseparáveis rapazes do bairro passaram a observar o procedimento estranho de Marino, também amigo e companheiro, mas agora arredio, evitando-os com desculpas descabidas e alegações inconcebíveis.

A princípio não deram importância, mas num dado momento, como que acordando, ficaram intrigados com tal procedimento. Ainda mais porque, se a pesca fracassava para todos, por que para Marino era diferente? Ele não saía com os outros pela madrugada, mar afora, singrando as ondas. Ficava em casa entretendo-se em pequenos afazeres ou indo à roça em desnecessária vistoria às ressequidas plantas que teimavam vegetar nos aceiros. A tarde, porém, viam-no caminhar pela costeira com petrechos de pesca, saltando de pedra em pedra, indo ponta afora, para o Costão do Itapecericuçu, onde se demorava até o fim do dia, quando regressava com o balaio transbordando de peixes, bastante para o consumo da família e com sobras até para mimosear generosamente a vizinhança carente.

Para Júlio e Camilo – pensaram – desvendava-se o mistério: o bom pesqueiro estava para o lado do Itapecericuçu, portanto, bastaria ir lá. Mas, não querendo melindrar o arredio amigo, para lá se dirigiram várias vezes, cautelosos, a fim de não serem percebidos: umas, pela manhã, bem cedo, outras, alta noite, bem tarde. Interessante, se lá permaneciam horas inteiras, o resultado era sempre o mesmo: apenas dois ou três peixinhos de pouco mais de um palmo, daqueles sem condições de serem postejados…

Por quê? – indagavam-se – por que eles também bons pescadores, pescando no mesmo ponto, não conseguiam resultado igual ao de seu esquivo amigo? Convencidos de que um segredo maior havia e que era preciso desvendar, certa noite foram mais cedo e ocultaram-se entre moitas de samambaias, aguardando a chegada de Marino.

Após longa espera, viram-no chegar e encaminhar-se ao declive de extensa laje, quase plana, que descia em rampa suave aprofundando-se no mar. Viram-no, depois de acomodar seus petrechos de pesca, descer vagarosamente o declive e parar, absorto, olhando o mar, cujas ondas subiam mansamente, uma a uma, beijando-lhe os pés, para voltarem depois, borbulhantes e alvacentas, rendilhadas de espumas.

Os Marinhos

Num dado momento um farfalhar mais forte agitou as águas próximas e dali emergiu uma encantadora mulher, inteiramente nua, que, com desembaraço galgou a penedia, mal disfarçando a total nudez com basta cabeleira entremeada de algas e de espumas!

Surpresos, viram Marino correr ao seu encontro, enlaçando-a nos braços, e ali permanecerem em doce e prolongado idílio! Que mulher era aquela, indagavam-se, jovem, encantadoramente bela, que emergia das águas, gesticulando como se fosse muda e vinha entregar-se em arroubos de amor a uma criatura humana? Não era por certo uma sereia, misto de peixe e de mulher que, com o enlevo de seus cânticos, em noites enluaradas atraía traiçoeiramente incautos navegantes a pélagos profundos, para a satisfação de voluptuosos desígnios de amor! Não! Aquela era mulher perfeita, de corpo escultural e beleza fascinante que ali permaneceu por longo tempo em arroubos de amor até que, vencendo a relutância de Marino, que tentava retê-la junto a ele, desgarrou-se dele e, rápida, solerte, atirou-se ao mar, desaparecendo no verde esmeraldino das águas.

Marino, então, pôs-se a pescar e em poucos momentos, como fazia todos os dias, regressou com farta provisão de peixes de grande porte – garoupas, sargos e badejos. Júlio e Camilo, atônitos com o que viram, voltaram outras vezes aquele pesqueiro, na esperança de desvendar o mistério de que eram testemunhas. Um dia a enamorada tardou a aparecer. O crepúsculo já se aproximava quando, emergindo airosa e bela, subiu apressadamente a inclinação da laje para entregar-se aos braços de Marino. Entretanto, ao contrário das outras vezes, demonstrava ansiedade em voltar ao mar e fazendo entender o seu intento, encontrava oposição de seu amante, que a prendia nos braços sem querer desgarrar-se dela. Parecia resolvido a mantê-la para sempre junto dele.

Compreendendo a situação em que se achava, a jovem passou a debater-se desesperadamente, querendo gritar mas sem conseguir desprender a voz, nem emitir um gemido sequer!

Na luta que se desenvolvia Marino percebeu-lhe, na boca exageradamente aberta, a garganta obstruída por enorme guelra vermelha, que nos peixes funciona como órgão respiratório. Instintivamente, sem vacilar um instante, introduziu-lhe dois dedos na boca e num gesto rápido, volteando-os, estirpou, esponjosa e sanguinolenta, a guelra que a impedia de falar, mas que lhe dava condições de viver mergulhada nas águas do oceano.

Foi então que de seu esconderijo os dois rapazes ouviram a jovem falar e perceberam que, trocando juras de amor, perfeito entendimento se estabeleceu entre eles: ela seria Ondina, filha das ondas e, casada com Marino, formariam, os dois, o venturoso lar dos Marinhos.

Logo mais, protegidos pela sombra da noite que descia alcoviteiramente, o jovem par encaminhou-se à Toninhas, à casinha nova coberta de sapé com beirais rendilhados de róseas trepadeiras – que Marino havia construído há pouco, e lá, como em todas as estórias, a família Marinho cresceu, multiplicou-se e viveu muitos e muitos anos, alegre e feliz. Não posso afirmar, mas dizem que ainda há muito Marinho por aí…

Fonte: Narração de Washington de Oliveira (“Seu Filhinho”), extraída do  livro “Ubatuba, lendas e outras histórias”

GREMIO ESTUDANTIL DO GRUPO ESCOLAR DR. ESTEVES DA SILVA 1953