sábado, 3 de dezembro de 2011

FALA CAIÇARA JOSE RONALDO...



Dez anos depois


Nesta semana, em 1º de dezembro, foi o aniversário do nosso caiçara Mané Hilário. Fui visitá-lo por volta das onze horas, perto da hora do almoço, pensando que o encontraria acordado, mas... só pude contemplá-lo no seu pesado sono. A comadre me informou que agora ele está ficando menos tempo na cadeira, está dormindo mais, mas tem muitos momentos de lucidez. Até pediu uma festinha de aniversário, com cantoria de reis se possível. 

ESPECIAL " UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA "... PARTE 52





Nas obras completas de Oswald de Andrade, vol. VI: Do Pau – Brasil à Antropofagia e às Utopias – manifestos, teses de concursos e ensaios ([1890 -1954] 1978), o modernista afirma que as vanguardas no início do século XX fizeram do primitivismo um conceito polêmico, no sentido de interpretar veementemente o afastamento da arte nova em relação às tradições e convenções do passado, aliás, parece ser esta uma marca registrada de qualquer movimento vanguardista. Portanto, o modernismo representou a tendência de buscar os elementos originários da arte no sentimento e na emoção condicionados às necessidades de caráter instintivo ou às fraquezas da visão, na sua simplicidade formal. Efetivamente, o movimento modernista brasileiro, ancorou-se no chamado “sobressalto étnico” que atingiu de cheio o século XX, onde a cultura européia descobre o “pensamento selvagem” – pensamento mito – poético que participa do imaginário de uma forma incontinente, e que é selvagem por oposição ao pensamento culto, utilitário e simbólico do conquistador.



O manifesto Pau – Brasil situa-se nestas duas perspectivas estéticas: o primitivismo definido como o estado puro da alma e o coletivismo na depuração da originalidade nativa. A síntese modernista desenha os casebres de açafrão e de ocre nos verdes das favelas; o carnaval; toda a história dos bandeirantes e a rica formação étnica, buscando a originalidade nativa nestes fatos. A perspectiva definida por este manifesto é sentimental e intelectual; crônica e ingênua, ao mesmo tempo, é um modo de sentir e conceber a realidade, depurando e simplificando os fatos da cultura brasileira (De Andrade, 1978: xxii).

O ideal modernista era conciliar a cultura nativa e a cultura intelectual renovada pelo sentimento de pertencimento a terra, pródiga em vegetação e riquezas naturais. Neste sentido, pontuamos a complementaridade dessas culturas diferentes, cujo fator humano é crucial na hora de pensar o lado do nativo e do estrangeiro que fazem desta obra um verdadeiro manifesto do olhar, metáfora pós-moderna por excelência da atividade artística e intelectual. Mas, o manifesto antropofágico condensa uma proposição teórica cuja intuição pode parecer atrevida, uma vez que o modernismo consagra a imagem canibal na qual nós depositamos nosso interesse, justamente por concentrar todo e qualquer interesse étnico, social, político e, sobretudo, religioso.

O ritual antropofágico é símbolo de sacrilégio, um flagrante das imagens do Brasil colonial, da sociedade patriarcal com seus padrões de conduta e expensas messiânicas, a retórica de sua intelectualidade que imitou a metrópole e se curvou ao estrangeiro. O indigenismo é uma sublimação das frustrações do colonizado, que imitou atitudes do colonizador diz Oswald de Andrade (De Andrade, op.cit: xxv).

Desta forma, a antropofagia é uma metáfora orgânica, inspirada no cerimonial guerreiro dos Tupinambá, um ato de valentia sem precedentes, um traço original da nação brasileira. Essa empresa é salientada no manifesto a respeito de tudo aquilo que se deve repudiar para conquistar a autonomia intelectual. O diagnóstico da sociedade brasileira, feito pelos modernistas é de uma sociedade traumatizada pela repressão colonizadora que obstaculizou seu crescimento. Tal modelo repressivo ,jesuíta , se concentra no próprio ritual antropofágico. Assim, os mecanismos: sociais, políticos, hábitos intelectuais; manifestações literárias e artísticas fizeram deste trauma repressivo uma marca importante da censura, da repressão e do esvaziamento da cultura brasileira. A sátira e a crítica utilizaram – segundo os modernistas -, o mesmo princípio antropofágico liberado pelo ataque verbal, uma catarse imaginária do espírito nacional. 

O dilema de Hamlet, parodiado pelo modernismo resulta inquestionável: Tupy or not tupy – that is the question, é a célula originária do manifesto Antropófago que resolve a rebelião permanente do brasileiro. A palavra antropofagia, portanto sai de seu contexto antropológico e abre horizontes de sentido: emocional, exortativo e referencial. Nestes três tipos de linguagens situamos o nosso ponto de vista sobre o espaço de Ubatuba, sobre a sociedade Tamoia que a habitou e os seus interditos do mito e do rito. Entretanto, é na reivindicação da comunidade caiçara, herdeira direta desses ancestrais que vislumbramos o futuro de uma cidade com tradições e memória adormecidas. Se outrora era missão da Igreja salvar a alma de seus fieis, são hoje as instituições públicas ou privadas responsáveis pelo resgate do passado, no sentido de projetar um futuro digno para aqueles que encarnam o caráter mais original do povo brasileiro.

Muitos foram aqueles que vieram pela primeira vez a terras brasileiras: viajantes, religiosos ou aventureiros, com diversos intuitos, uns com o desejo de conquistar terras e de fazer riquezas, outros com o afã de conquistar almas para Deus. Seja qual for o motivo da travessia, todos eles contribuíram para desenhar uma imagem do Brasil e de seus habitantes nos primórdios desta nação. Veremos como Hans Staden vive a experiência do cativeiro feliz e como o padre José de Anchieta forja a saga de Iperoig, colocando Ubatuba em um lugar privilegiado na celebração do primeiro Tratado de Paz das Américas.




Hans Staden

Hans Staden , um viajante vindo ao Brasil em tempos da conquista, nos oferece a imagem Tupinambá enriquecida de anedotas, que marcaram sua aventura em terras brasilis. A contribuição deste alemão é significativa, pois o motivo de sua viagem está circunscrito no seu espírito de explorador e navegador, e não às empresas missionárias dos capuchinhos franceses ou dos jesuítas da companhia de Jesus.

Desta forma a primeira viagem de Hans Staden ao Brasil é relatada em: Hans Staden – Primeiros registros escritos e ilustrados sobre o Brasil e seus habitantes (1999).

As aventuras de viagem de Hans Staden dividem-se em duas longas travessias pelo mar. A primeira aventura deste jovem artilheiro alemão, da cidade de Hessen, foi por acaso. O objetivo real era conhecer as Índias, o desejo aquecido no imaginário de todo e qualquer navegante europeu. Staden chegou tarde demais ao ponto de partida, localizado na cidade de Lisboa, então capital da navegação européia. Tais navios com destino às Índias já haviam zarpado frustrando seu desejo de aventura por ultramar. Leuhr, um conterrâneo de Staden, conseguiu lugar em um outro navio  cujo destino  eram as terras desconhecidas que viriam a ser chamada de Brasil. O capitão do navio ,de nome Penteado , era um comerciante dos mares com licença para capturar navios de piratas e  de franceses que negociavam e exploravam selvagens no Brasil.

 Esse navio , do qual Hans Staden se tornou tripulante zarpou de Lisboa com destino ao Brasil no ano de 1548, e o decorrer de sua travessia pelo oceano Atlântico foi marcada por emocionantes aventuras. Atingidos por fortes tempestades em alto mar e conduzidos por ventos violentos, a tripulação se afastou inusitadamente da costa Marroquina. Em uma dessas críticas noites, os “camaradas” portugueses, assim chamados pelo artilheiro germânico, avistaram no céu, um fenômeno de luzes azuis[1]. Para eles era um prenúncio de tempo bom enviado por Deus .  Unidos em uma  prece coletiva haviam solicitado fervorosamente a melhora nas condições do tempo e as luzes  rapidamente avistadas pareciam ter vindo confirmar esse momento de fé e religiosidade. Os lusitanos chamaram estas luzes de fogo de “Santelmo” ou “Corpo Santo”. No dia seguinte, o céu estava limpo, o mar calmo e sopravam ventos favoráveis na direção assinalada pelos instrumentos de navegação. Hans Staden descreve nas suas crônicas o ocorrido nessa noite, destacando que só poderia ser um milagre do qual, todos foram partícipes.

Aos 28 dias do mês de Janeiro de 1549, os navegantes avistaram o morro do Cabo de Santo Agostinho, aportando em Pernambuco um povoado português em Olinda. Descarregaram mercadorias e prisioneiros, entregando-os ao comandante do lugar Dom Duarte Coelho, pretendiam seguir viagem rapidamente , mas a revolta dos Caetés, selvagens da região de Igaraçu,  fez com que  a partida fosse adiada. A tripulação atendendo ao apelo do capitão envolveu-se no combate contra os supostos selvagens, tornando-se este o primeiro confronto de Hans Staden com os índios do Brasil, em uma batalha que durou trinta dias, e ao final da qual os Caetés se retiraram da área invadida.


[1] A palavra camarada aparece no relato de viagens de Hans Staden como uma forma de referir-se aos companheiros de viagens com os quais compartilhava conhecimentos de navegação, sentimentos religiosos e infortúnios próprios da aventura.


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Confira  no dia  08 de dezembro a  publicação da pagina  166....