Nas obras completas de Oswald de
Andrade, vol. VI: Do Pau – Brasil à
Antropofagia e às Utopias – manifestos, teses de concursos e ensaios ([1890
-1954] 1978), o modernista afirma que as vanguardas no início do século XX
fizeram do primitivismo um conceito polêmico, no sentido de interpretar
veementemente o afastamento da arte nova em relação às tradições e convenções
do passado, aliás, parece ser esta uma marca registrada de qualquer movimento
vanguardista. Portanto, o modernismo representou a tendência de buscar os
elementos originários da arte no sentimento e na emoção condicionados às
necessidades de caráter instintivo ou às fraquezas da visão, na sua
simplicidade formal. Efetivamente, o movimento modernista brasileiro,
ancorou-se no chamado “sobressalto étnico” que atingiu de cheio o século XX,
onde a cultura européia descobre o “pensamento selvagem” – pensamento mito –
poético que participa do imaginário de uma forma incontinente, e que é selvagem
por oposição ao pensamento culto, utilitário e simbólico do conquistador.
O manifesto Pau – Brasil situa-se
nestas duas perspectivas estéticas: o primitivismo definido como o estado puro
da alma e o coletivismo na depuração da originalidade nativa. A síntese
modernista desenha os casebres de açafrão e de ocre nos verdes das favelas; o
carnaval; toda a história dos bandeirantes e a rica formação étnica, buscando a
originalidade nativa nestes fatos. A perspectiva definida por este manifesto é
sentimental e intelectual; crônica e ingênua, ao mesmo tempo, é um modo de
sentir e conceber a realidade, depurando e simplificando os fatos da cultura
brasileira (De Andrade, 1978: xxii).
O ideal modernista era conciliar a
cultura nativa e a cultura intelectual renovada pelo sentimento de pertencimento a terra, pródiga em
vegetação e riquezas naturais. Neste sentido, pontuamos a complementaridade
dessas culturas diferentes, cujo fator humano é crucial na hora de pensar o
lado do nativo e do estrangeiro que fazem desta obra um verdadeiro manifesto do
olhar, metáfora pós-moderna por excelência da atividade artística e
intelectual. Mas, o manifesto antropofágico condensa uma proposição teórica
cuja intuição pode parecer atrevida, uma vez que o modernismo consagra a imagem
canibal na qual nós depositamos nosso interesse, justamente por concentrar todo
e qualquer interesse étnico, social, político e, sobretudo, religioso.
O ritual antropofágico é símbolo de
sacrilégio, um flagrante das imagens do Brasil colonial, da sociedade
patriarcal com seus padrões de conduta e expensas messiânicas, a retórica de
sua intelectualidade que imitou a metrópole e se curvou ao estrangeiro. O indigenismo
é uma sublimação das frustrações do colonizado, que imitou atitudes do
colonizador diz Oswald de Andrade (De Andrade, op.cit: xxv).
Desta forma, a antropofagia é uma
metáfora orgânica, inspirada no cerimonial guerreiro dos Tupinambá, um ato de
valentia sem precedentes, um traço original da nação brasileira. Essa empresa é
salientada no manifesto a respeito de tudo aquilo que se deve repudiar para
conquistar a autonomia intelectual. O diagnóstico da sociedade brasileira,
feito pelos modernistas é de uma sociedade traumatizada pela repressão
colonizadora que obstaculizou seu crescimento. Tal modelo repressivo ,jesuíta ,
se concentra no próprio ritual antropofágico. Assim, os mecanismos: sociais,
políticos, hábitos intelectuais; manifestações literárias e artísticas fizeram
deste trauma repressivo uma marca importante da censura, da repressão e do
esvaziamento da cultura brasileira. A sátira e a crítica utilizaram – segundo
os modernistas -, o mesmo princípio antropofágico liberado pelo ataque verbal,
uma catarse imaginária do espírito nacional.
O dilema de Hamlet, parodiado pelo
modernismo resulta inquestionável: Tupy or
not tupy – that is the question, é a célula originária do manifesto Antropófago que resolve
a rebelião permanente do brasileiro. A palavra antropofagia, portanto sai de
seu contexto antropológico e abre horizontes de sentido: emocional, exortativo
e referencial. Nestes três tipos de linguagens situamos o nosso ponto de vista
sobre o espaço de Ubatuba, sobre a sociedade Tamoia que a habitou e os seus interditos do mito e do rito.
Entretanto, é na reivindicação da comunidade caiçara, herdeira direta desses
ancestrais que vislumbramos o futuro de uma cidade com tradições e memória
adormecidas. Se outrora era missão da Igreja salvar a alma de seus fieis, são
hoje as instituições públicas ou privadas responsáveis pelo resgate do passado,
no sentido de projetar um futuro digno para aqueles que encarnam o caráter mais
original do povo brasileiro.
Muitos foram aqueles que vieram pela
primeira vez a terras brasileiras: viajantes, religiosos ou aventureiros, com
diversos intuitos, uns com o desejo de conquistar terras e de fazer riquezas,
outros com o afã de conquistar almas para Deus. Seja qual for o motivo da
travessia, todos eles contribuíram
para desenhar uma imagem do Brasil e de seus habitantes nos primórdios desta
nação. Veremos como Hans Staden vive a experiência do cativeiro feliz e como o
padre José de Anchieta forja a saga de Iperoig, colocando Ubatuba em um lugar
privilegiado na celebração do primeiro Tratado de Paz das Américas.
Hans
Staden
Hans Staden , um viajante vindo ao Brasil em tempos
da conquista, nos oferece a imagem Tupinambá enriquecida de anedotas, que
marcaram sua aventura em terras brasilis. A contribuição deste alemão é significativa, pois
o motivo de sua viagem está circunscrito no seu espírito de explorador e
navegador, e não às empresas missionárias dos capuchinhos franceses ou dos
jesuítas da companhia de Jesus.
Desta forma a primeira viagem de Hans Staden ao
Brasil é relatada em: Hans Staden –
Primeiros registros escritos e ilustrados sobre o Brasil e seus habitantes (1999).
As aventuras de viagem de Hans Staden dividem-se em
duas longas travessias pelo mar. A primeira aventura deste jovem artilheiro
alemão, da cidade de Hessen, foi por acaso. O objetivo real era conhecer as
Índias, o desejo aquecido no imaginário de todo e qualquer navegante europeu. Staden
chegou tarde demais ao ponto de partida, localizado na cidade de Lisboa, então
capital da navegação européia. Tais navios com destino às Índias já haviam
zarpado frustrando seu desejo de aventura por ultramar. Leuhr, um conterrâneo
de Staden, conseguiu lugar em um outro navio
cujo destino eram as terras
desconhecidas que viriam a ser chamada de Brasil. O capitão do navio ,de nome
Penteado , era um comerciante dos mares com licença para capturar navios de piratas
e de franceses que negociavam e exploravam
selvagens no Brasil.
Esse navio ,
do qual Hans Staden se tornou tripulante zarpou de Lisboa com destino ao Brasil
no ano de 1548, e o decorrer de sua
travessia pelo oceano Atlântico foi marcada por emocionantes aventuras. Atingidos
por fortes tempestades em alto mar e
conduzidos por ventos violentos, a tripulação se afastou inusitadamente da
costa Marroquina. Em uma dessas críticas noites, os “camaradas” portugueses,
assim chamados pelo artilheiro germânico, avistaram no céu, um fenômeno de
luzes azuis.
Para eles era um prenúncio de tempo bom enviado por Deus . Unidos em uma
prece coletiva haviam solicitado fervorosamente a melhora nas condições
do tempo e as luzes rapidamente
avistadas pareciam ter vindo confirmar esse momento de fé e religiosidade. Os
lusitanos chamaram estas luzes de fogo de “Santelmo” ou “Corpo Santo”. No dia
seguinte, o céu estava limpo, o mar calmo e sopravam ventos favoráveis na
direção assinalada pelos instrumentos de navegação. Hans Staden descreve nas
suas crônicas o ocorrido nessa noite, destacando que só poderia ser um milagre
do qual, todos foram partícipes.
Aos 28 dias do mês de Janeiro de 1549, os
navegantes avistaram o morro do Cabo de Santo Agostinho, aportando em
Pernambuco um povoado português em Olinda. Descarregaram mercadorias e
prisioneiros, entregando-os ao comandante do lugar Dom Duarte Coelho, pretendiam
seguir viagem rapidamente , mas a revolta dos Caetés, selvagens da região de Igaraçu,
fez com que a partida fosse adiada. A tripulação
atendendo ao apelo do capitão envolveu-se no combate contra os supostos
selvagens, tornando-se este o primeiro confronto de Hans Staden com os índios
do Brasil, em uma batalha que durou trinta dias, e ao final da qual os Caetés
se retiraram da área invadida.