Trazida de Portugal pela Rainha Isabel, nos fins do século XVII, a Festa do Divino Espírito Santo ou Festa de Pentecostes, é uma das mais antigas tradições profano-religiosas do Brasil. Pela atuação de vários fatores adversos, a Folia do Divino, em Ubatuba, não sai mais, ainda permanecendo viva na cidade vizinha de Paraty no Estado do Rio de Janeiro.
A Enseada era um bairro habitado exclusivamente por famílias de pescadores. As casas, de pau-a-pique, chão de barro batido, cobertas de sapé. Luz de lamparina, água de cachoeira carregada em pote para uso doméstico. Sobre tarimba de bambu, esteira de taboa completava a cama.Na pesca, a atividade principal dos homens. As mulheres davam conta da roça.Peixe, mandioca e banana eram a base da alimentação, enquanto danças como o Xiba, São Gonçalo, entre outras manifestações típicas, sustentavam as necessidades de entretenimento.A ausência acentuada do pároco era remediada pelo humilde e dedicado capelão que reunia a comunidade para rezar na capela de Santa Rita.Boitatá, saci-pererê, corpo-seco, mula-sem-cabeça, assombração, faziam parte do imaginário coletivo e podiam castigar criança desobediente e mesmo adultos.Mau olhado e quebranto eram afastados pela competência das benzedeiras. Uma delas, dona Sarafina, velhinha, pito no canto da boca, de cócoras, à beira do braseiro do fogão feito no chão, contava longas histórias de meter medo.Para chegar à cidade, hora e meia a pé, por trilhas e praias, sobre sempre pés descalços.Nesse cenário, criança, conheci e convivi com a Folia do Divino Espírito Santo, maior festa anual de toda a comunidade caiçara. Durante sua permanência no bairro, todos os dias, de manhã à noite, com a roupa melhor que tinham, todos participavam, casa em casa, da romaria do Divino. Era o grande ato de fé da comunidade.· OUTROS TEMPOSEm 1974 a Folia não saiu. "O trabalho da Igreja, atualmente, é mais o de evangelizar, e hoje não há a possibilidade dessas festas se realizarem, pois é um ato religioso que não é mais entendido pelo povo", justificou-se o Vigário da época.O interesse em resgatar essa importante tradição da cultura caiçara, reuniu algumas pessoas, como a Zenaide, dona Ofhélia e eu, que empenhamo-nos bastante para reviver o evento.Em 1975 conseguimos que a Zenaide fosse a Festeira e garantimos, não sem luta, a saída do grupo da Folia, e toda Ubatuba recebeu a visita do Divino. Em 1976 foi a minha vez. Vencemos a fase crítica e finalmente a resistência da Igreja. Com a vinda do novo pároco, Frei Sebastião, sensível às manifestações populares religiosas, a Folia se firmou de novo. Contudo, sem o antigo brilho, dentro de uma nova realidade, cada vez mais adversa.A influência crescente das religiões evangélicas, da atividade turística, da mídia eletrônica, determinaram profundas alterações no perfil de nossa população, hoje formada preponderantemente por migrantes aqui chegados em função da construção civil.Hoje a Folia do Divino não sai mais, a partir do ano passado, e a razão principal é a falta de foliões. Os que não morreram estão muito velhos e a renovação não encontrou ambiente propício para acontecer.Jaime Rodrigues em seu artigo "Observações Sobre a Cultura Popular" diz assim:" Uma conseqüência desse admirável mundo novo é a internacionalização do produto artístico-cultural. Isso quando não fortalecidas as culturas nacionais, a conduzem para o aniquilamento ou para a subversão, mediante a simbiose com manifestações alienígenas".
FONTE : UBAWEB- 1998