As amendoeiras, plantas originárias do Oriente há quase dois séculos, foram trazidas para Ubatuba, adquiridas pela Câmara Municipal. Desde 1876, já possuímos documentação que comprovam a compra das mesmas para o embelezamento da cidade.
A já centenária do Cruzeiro comemora hoje (09/06/2017) 120 anos que foi plantada naquele local.
Carioca de nascimento, foi adquirida no Rio de Janeiro para comemorar os festejos do Tricentenário da morte do Padre José de Anchieta em 1897.
João Diogo Esteves da Silva, médico, vereador e Intendente Municipal (espécie de Prefeito) que conduzia os destinos da cidade naquela oportunidade fora o protagonista do grandioso evento. Cabe lembrar que a República, ainda jovem, carecia de consolidação e estimular a criação de um herói local com visibilidade nacional era deveras necessário. Anchieta sintetizava essa vontade cívica e política.
Um velho Cruzeiro existente naquele local, desnudo de vegetação e de porte diminuto, fora substituído. As festividades de junho de 1897 exigiam uma grandiosa comemoração e uma nova roupagem naquele local se fazia necessária. Um novo Cruzeiro ainda em madeira, porém em tamanho bem superior fora implantado; e duas jovens amendoeiras, atrás do mesmo, adornaram o ambiente sem tirar o foco principal: a Exaltação da Santa Cruz. Esta simbolizava a Padroeira da cidade bem como o fato histórico de 14 de setembro de 1563, que é a partida de Anchieta refém dos Tupinambás de Ubatuba para Bertioga.
O local preparado para esse ambiente fora defronte à antiga Rua Direita (atual Condessa de Vimieiro e Cel. Ernesto) para que o cidadão Ubatubense que marchasse do centro da cidade em direção à praia tivesse como visual o símbolo maior da cristandade (a Cruz) sendo sua visão ampliada na medida em que se aproximasse da praia e configurasse um altar aos olhos da população.
Em 9 de junho de 1897, após uma sessão magna na Câmara Municipal, a população em passeata e precisamente às 12horas se dirigiu ao Cruzeiro para sua coroação (jornal Echo Ubatubense de 9 de junho de 1897).
As duas jovens amendoeiras plantadas naquele local para essa comemoração presenciaram esse fato em conjunto com diversas autoridades da época, desde o Intendente João Diogo Esteves da Silva, bem como todos os vereadores, o Pároco local e a população da cidade que prestigiava o evento. Cabe, ainda, registrar a presença da Banda de Música do Atheneu Ubatubense apresentando o Hino Nacional, o Hino da República e músicas religiosas. Nesses 120 anos, de sua estratégica localização as mesmas presenciaram uma grande parte de nossa história. Desde os finais do século XIX assistiram à decadência econômica de Ubatuba que perdurara até a década de 30 do século XX.
Acompanhavam de longe e de perto a desconstrução e construção de novas edificações. Com visão privilegiada, conheceram a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, a Igreja Presbiteriana que durante algum tempo funcionara no atual prédio da Sucolândia. Assistiram a todo o movimento de carga e descarga, na então Prainha da Vila (atual Prainha do Matarazzo) cujas embarcações atendiam o comércio local.
Observou à distância a movimentação da Câmara Municipal, até mesmo a fraude eleitoral dos anos 10, cuja urna fora lançada daquele edifício em direção à rua.
O local denominado Cruzeiro fora palco de grandes comemorações como o Tricentenário de Ubatuba em 1937 e o Quarto Centenário da Paz de Iperoig em 1963, além de inúmeras missas campais comemorativas.
De longe, apreciavam novas construções como a residência de verão do Ex Governador de São Paulo Adhemar Pereira de Barros, e de André Broca Filho; Primeiro Ministro durante o Parlamentarismo no Brasil, bem como a edificação da nova Casa Paroquial (atual sorveteria) pelo Padre João Beil além de toda urbanização da atual Avenida Iperoig.
Serviu sempre de palco para descanso, apreciação da beleza da Baía de Ubatuba, das piruetas dos visitantes botos (golfinhos), além de servir de amparo aos pássaros locais e migrantes durante o inverno.
Presenciaram novos amores, desentendimentos e reconciliações, assistiu a grandes jogos nas quadras esportivas do antigo Itaguá Praia Clube que ficava ao seu lado. Recebeu visitas de autoridades, artistas e escritores como Nara Leão e Lígia Fagundes Teles.
Infelizmente, no início dos anos 10 do século XXI, ceifaram a vida de uma delas, descaracterizando completamente o objetivo inicial daquele monumento. Devemos ter consciência da necessidade de resgatar esse patrimônio.
A velha amendoeira - aniversariante nesta data - tem muita história para contar. Preservá-la é garantir a presença viva de nosso patrimônio. Parabéns e obrigado, velha Amendoeira, por tantos cartões postais que postergou, garantindo na alma do nosso povo saudades eternas.
Zizinho Vigneron
Ubatuba, 09 de junho de 2017