A piedade católica do século XVI,
século da Contra – Reforma explorou de modo intenso a imaginação material do
céu e do inferno como vimos no Poema à Virgem Maria mediadora da alma de José
de Anchieta, tocado incondicionalmente nessa viagem mística. Como já
mencionamos, Anchieta e todos os jesuítas de sua época eram discípulos de
Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus, cujos Exercícios
espirituais induzem a alma do praticante a visões metodicamente aterradoras do
Além, assim como a preparam para sentir arroubos de contrição e adoração (Bosi,
op. cit: 84).
Os processos de sublimação sofridos por
Anchieta em Iperoig são diferentes dos rituais Tamoio. Os espíritos dos ancestrais
Tupinambá que habitam a selva e as praias baixam na tribo que os invoca,
inspirando visões violentas e a perda da identidade anterior, a cada ritual
antropofágico havia uma re-nomeação dos seus participantes. O itinerário
cristão e ortodoxo de Anchieta busca a chamada visão beatífica onde a
contemplação é uma experiência de provação no deserto da solidão, uma conquista
propiciada pela ascese das potencias afetivas e imaginárias da alma.
Em um outro close
up da história, ainda se tratando
da Paz de Iperoig, Antônio Torres reproduz um diálogo entre Anchieta e Nóbrega
cativos, referente ao destino de suas vidas no meio dos Tamoio. Este último
aceitando as condições impostas pelos índios como um modo de protelar a ação de
ambas as partes. Neste dilatamento das negociações, Pindabuçu chegou disposto a
matar os padres aos quais atirou, estes fugiram pelo aviso de outros índios e
se refugiaram em uma igreja de palha. Com o tacape na mão, o líder enfrentou o
olhar de Anchieta que o tocando nos ombros lhe falou das tradições da tribo, de
suas glórias no combate, da nobreza dos seus gestos ante o perigo, pois o
religioso reconhecia a braveza dos Tamoio, mas a missão dele e de Nóbrega era a
pacificação, rogar o perdão da Confederação dos portugueses. Assim, o embaixador
da paz consegue com tom manso que Pindabuçu cedesse ao apelo de Anchieta.
Anchieta aguarda por uma nova
assembléia e Aimberé retorna para sua aldeia em Uruçumirim, pois sua filha
Potira tinha acabado de dar à luz um neto para ele. Aimberé aproveitou a
proximidade com os franceses para consultá-los sobre a proposta dos padres.
Munido de diversas informações, Aimberé parte à frente de 40 canoas repletas de
índios para a nova assembléia e com alguns franceses inseridos na vida tribal.
Nessa nova assembléia voltam a surgir
divergências. Araraí, da tribo dos guaianases, cuja aldeia ficava no planalto
de Piratininga, perto do colégio dos jesuítas era completamente a favor da
continuidade da guerra, por razões já mencionadas nestes relatos: a perda de seu
filho Jogoanharo, orgulho de sua velhice morto pelo seu irmão Tibiriçá, aliado
incondicional dos portugueses. Outros chefes também tinham motivos para recusar
a proposta de paz, mas queriam viver com a garantia de ser respeitados na sua terra. A dificuldade
maior era acreditar na palavra dos brancos. Assim, a assembléia não foi fácil.
Nóbrega e Anchieta ouviram as queixas costumeiras a respeito dos portugueses e
seu afã de dominação. Anchieta alçou a voz no meio da assembléia e com
persuasiva retórica falou da necessidade de paz, em nome de Deus e todo o
Conselho da Confederação dos Tamoio o ouviu, com o máximo de respeito. O
enunciado do jesuíta era que os Tamoio eram “os verdadeiros donos da terra” e
que os portugueses ao faltarem com a lei de Deus – a palavra empenhada no
Tratado - seriam punidos, mas o desafio de todos era trabalhar como irmãos, sem
ódio, colaborando uns com os outros. Os portugueses poderiam construir escolas,
ajudá-los com os doentes, ensiná-los no cultivo e no cuidado dos animais domésticos,
a usar métodos mais racionais de cultivo de cana de açúcar e outras plantas que
melhorariam as condições de vida das aldeias.
Aimberé cedeu ao desejo de pacificação,
entretanto, continuava a estabelecer as mesmas exigências de antes: a libertação
dos escravizados e a entrega aos Confederados dos traidores como Tibiriçá e
Caiuby. O impetuoso guerreiro Tupinambá recebeu o apoio de toda a assembléia o
que deixou os padres acuados ante tal impasse. Anchieta reforça a causa dos
Confederados dizendo que era justa, mas que ele e o padre Manuel da Nóbrega
precisavam consultar a administração do Governador de São Vicente, tratava-se
de uma estratégia combinada para ganhar tempo. Ante tal apelo, Aimberé
mostrou-se sagaz ao compreender a necessidade da viagem à Capitania, para
negociar a paz, portanto ele mesmo compareceria em representação dos Tamoio,
enquanto os jesuítas ficariam em Iperoig, como garantia de que nada lhes
aconteceria.
Aimberé enfrentou com bravura as
negociações ante os portugueses tanto em São Vicente como em Piratininga. A
veemência do líder dos Tamoio fez com que seus adversários o ouvissem e
concedessem a ele as exigências de
libertação dos escravos e a entrega dos traidores para serem devorados, impondo
a condição de que o acordo seria selado com a volta dos jesuítas que estavam em
Iperoig. Aimberé enfrenta receosos os perós, chamando-os de mentirosos e que não dava para
confiar em eles. O ambiente das negociações virou um caos, nesse instante,
Aimberé foi informado que Tibiriçá e Caiuby haviam sido mortos, portanto, só
lhe restava lutar pela libertação dos índios em cativeiro. Aí se levantou um
outro jesuíta, Luis da Grã, sugerindo que um dos padres fosse a Piratininga e o
outro continuasse refém, na aldeia de Iperoig. Desta forma Manuel da Nóbrega
foi escolhido para a última rodada de negociações. Nessa viagem, Aimberé se fez
acompanhar por seu jovem cunhado Parabuçú e Araken, um chefe aimoré muito
respeitado nas aldeias Tupinambá. Eles tinham a missão de descobrir o paradeiro
de Iguaçu, desaparecida na toma do Forte Coligny e vista pela última vez por
Jogoanharo, na oportunidade que este foi negociar com seu tio Tibiriçá,
conduzida por um colono de Piratininga e entregue ao cuidado dos padres. Ambas
negociações: o resgate de Iguaçu e o acordo de paz estavam sendo arquitetados
em distintos frentes. Aimberé mandou trazer Manuel da Nóbrega que voltou com o
aimoré Araken.