quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Memórias do Genésio Gambá





Por  Herbert Marques




Quem lembra do Genésio Gambá? Certamente muito poucas pessoas, porque
 ele teve seu apogeu pelos idos do final de 1940 para início de 50, em plena guerra, 
na escuridão de uma cidade que somente fazia dormir.


Genésio era filho de Maria Chanda e pai nunca encontrado, embora Laurentino
 de vez em quando aparecesse em casa passando a mão na sua cabeça com ar de
 cumplicidade. Assim foi sua infância, na beira do rio Grande, palhoça de pouca
 palha, luz de pouca luz, comida de muita sorte.

Quando chuva batia forte, a água entrava pela porta adentro molhando o pouco
que tinha, apagando o fogo das poucas achas retiradas de logo ali, na barranca do rio.

Já taludo, sem escola mas com sabedoria do mato, certa tarde achou por bem subir
no Cambucá para espreitar melhor a região. Coisa da idade. Curiosidade com pouco
limite. Já bem lá em cima, dando pra ver a casa da Bézinha, o telhado da escola em
reforma há mais de cinco anos, o mato sem fim, descuidou-se e despencou-se.
 Ficou inerte no chão sabe-se lá por quanto tempo. Pelo menos até o dia seguinte,
pois acordou molhado que não era de chuva.

Tratado por Maria Chanda, logo se pôs de pé com vigor e esquisitice, daquelas
 que nunca teve. Das brabas.

Mais algum tempo e Maria Chanda respondeu chamado do além, bateu com as
 dez. Ficou Genésio triste, caído mesmo, disposto a mudar de lugar, ir mais pra cidade,
ver mais gente. O impulso de fazer alguma coisa começou a ocupar sua cabeça, não
 demorando muito para juntar uma camisa já com buraco, uma calça também com o
 mesmo sintoma, e nada mais. Se foi para a cidade, encontrando logo de cara,
 bem perto da Santa Casa, uma casa vazia, com a porta semi aberta e os cômodos
completamente desnudos. Lugar ideal para se instalar. Ficar. Assim fez Genésio
 começando uma nova sina de sua vida que iria torna-lo notícia por toda a região.

Depois do tombo Genésio passou a ter arrepios quando entrava n'água. O rio Grande
 passou a ser um martírio somente olhá-lo, quanto mais  ficar  dentro  dele, como era de
  seu costume. Era um arrupio com tremedeira que somente amainava com algum tempo
 de secura. Esse provavelmente foi o motivo de querer mudar daquele lugar. Ir para
 onde a água não fosse seu algoz.

Algum tempo depois de estar instalado na rua Conceição, certa noite sentiu uma vontade
incontrolável de ir até sua antiga palhoça. Era noite avançada, embora iluminada por
uma cheia de luz azulada. Bonita de se ver.

Já na barranca do rio, bem perto do Cambucá, Genésio sentou no costado da raiz,
encostou a cabeça no gigante e adormeceu quase que instantaneamente.
Acordou com sol quente, corpo doído, boca seca, fome de respeito. Deu as costas
 para o rio e se foi para seu casebre tratar da carcaça.

Ao passar pelo chafariz notou logo que as crianças que faziam roda de pião se
 debandaram em tresloucada carreira. O mesmo na encruzilhada da Jordão Homem
da Costa com a Conceição, perto de sua casa.

Lá, seu Manequinho estava a sua espera. Se foi para a prisão local. Trancado entre
grades aguardou no canto resposta do sucedido.

Genésio na noite anterior tinha se transformado em lobisomem, sendo encontrado
vagando pelos arredores da caixa d'água por dois notívagos embriagados que seguiam
 para suas casas após merecida esbórnia.

Chamados para confirmar a notícia espalhada, tudo foi negado, ficando para sempre,
 além da pecha de não tomar banho, a de se transformar em lobisomem pelos lados
do rio Grande, em noite de lua cheia

Ubatuba, sim, sim, sim...







Por Eduardo Antonio de Souza Neto -
Original do site :
http://www.ubaweb.com/ubaweb/n18/18_art3.html#ubatuba



"Todavia, tudo quanto naquele reino santo a minha mente pôde entesourar será, agora, objeto de meu canto."
(Canto I, 10 - Paraíso - A Divina Comédia - Dante Alighieri)

Quanto à nossa velha Ubatuba, meu caro Aládio, comparo-a a Helena, prisioneira dos troianos dentro de muralhas inexpugnáveis, e às vezes me sinto como se fora um insignificante soldado aqueu cansado, depois de tantos anos de duras e sangrentas batalhas, que em determinado momento já não sabe mais porque e por quem esta lutando e se vale mesmo a pena lutar. Fica em dúvidas se há mesmo uma Helena prisioneira a ser resgatada, se tudo não passa de um sonho e, quem sabe se, existindo Helena, queira ela realmente ser salva das mãos de seus novos senhores. Talvez Helena seja apenas um símbolo que inventamos, uma bandeira que elegemos para não sucumbirmos, para não nos insularmos como ascetas ou internarmo-nos de vez num mosteiro, tamanho é o tédio e os absurdos de hoje em dia. Será que a Ubatuba de que sentimos saudade existiu mesmo? Não estaria a memória a nos pregar uma peça? Será que essa Ubatuba foi tão esplêndida assim, para que nos engajemos na tentativa de ao menos resgatar o que nela entendemos ter havido de bom e que hoje, com raríssimas exceções, nem sequer vestígios existem mais.
 

BAGRE DE GARRAFÃO........

Por. Fatima Aparecida Carlos de Souza


Leovegildo Dias Vieira era donatário de terras no bairro do Itaguá. Conhecido como Vivi, possuía muitos empregados que trabalhavam em seu alambique.
Não era difícil encontrar as carroças e carros de bois carregados de garrafões de vidro para serem lavados no rio Acaraú, no portinho do Bastião Rita. Com muitos desses vasilhames, acontecia de se quebrarem ou sofrer um trincamento. Quando isso acontecia, eram deixados de lado nas barranceiras do rio.
 
 
 

MIGUEL AGEU 100% UBATUBENSE....

Caiçara da  gema, o saudoso Miguel Ageu comandou durante muitos anos inúmeros blocos de rua, vivenciou uma época de ouro do nosso carnaval, foi sem duvida um grande estadista do Carnaval Ubatubense...Miguel Argeu, que todos os anos colocava na rua seu bloco, com os componentes garbosamente vestidos de coloridas fantasias de lamê, alegrando a cidade inteira com inesquecíveis marchinhas tais como: Me dá um dinheiro ai / Estrela Dalva / Alalaô... / Amélia... que são ainda, cantadas até hoje...

No carnaval que passou estrelavam: Zéca Pão, Biscoito, Veiga, Miguel Argeu...


    Aládio Teixeira Leite Filho
    articulista@ubaweb.com


Dança do Boi de Ubatuba - 1951

Muitas histórias, algumas engraçadas, outras recheadas de um lirismo comovente e alguns raríssimos fatos permeados de algumas pitadas de tristeza, como é normal em qualquer lugar, formavam o cotidiano de nossa chuvosa, madorrenta e feliz cidade, nos tempos inocentes em que vivíamos aqui, quase que totalmente isolados de outras terras, não nos valessem ligações marítimas com locais como Santos, Paraty...

Desta forma, quase que todas as coisas dependiam de soluções caseiras, fosse na saúde, economia, lazer... No que se refere à área da saúde o mais comum era recorrer-se a benzedores e fazedores de remédios a base de ervas, que na época proliferavam e atuavam quase que em todos os bairros e mesmo na parte considerada mais central de nossa minúscula Ubatuba.
 

MEMÓRIAS PRECIOSAS


Dona Gertrudes: caiçara de prosa maravilhosa! (Arquivo JRS)

               “Você está com doze anos? Então deve ter nascido em 1919, certo? Vinte e sete de dezembro, né? Pronto! Agora você já tem registro e pode viajar para Santos!”. Foi assim que eu imaginei o tabelião resolvendo a questão de Gertrudes Francisca do Nascimento, caiçara da Praia das Toninhas, filha de Cristóvão Cabral Barbosa e de Benedita Francisca do Nascimento. “Nesse tempo eu ainda era Nascimento. Não trazia o nome da família do pai porque, naquela época, os filhos só eram registrados tendo o nome da descendência materna. O nome que tenho hoje – Gertrudes Francisca Lopes – vem de quando eu me casei com Benedito Lopes”. Neste dia (15/10/2014) passei uma tarde inesquecível, numa prosa maravilhosa com Dona Gertrudes e outras pessoas da nossa terra, da nossa cultura. Desde já agradeço ao Rogério Estevenel pela articulação do encontro. Valeu mesmo!