terça-feira, 13 de junho de 2023

A LAVOURA

 

Bito Madalena (Arquivo JRS)

             Escrever sobre lavoura no chão caiçara é enxergar ainda os espaços cultivados. Era assim na minha infância, quando a especulação imobiliária engatinhava no litoral paulista. Em época desta, quando chegava a primavera, as roças novas recebiam as primeiras atenções, sobretudo no controle do mato que sempre vinha com muita força. As saúvas também exigiam vigilância constante. Na  várzea do Sapê, vovô Estevan plantava arroz e milho entremeados com as bananeiras. No morro da Fortaleza se cultivava muita mandioca nas posses do vovô Armiro.  Me lembro sempre de uma prosa em outro tempo com o estimado Bito Madalena, no alto do morro do Saco dos Morcegos, quando ele me explicava: 

         "Todo esse mato daí, por esses morros todos, na metade do ano era preparado para novos plantios. Tudo era descultivado nessa época. Só ficavam livres as capoeiras que descansavam anos até chegar outro tempo para mexer nelas. Era chão de pousio. 

       Todos precisavam da lavoura. Quem vivia sem farinha? Quem passava sem banana, cará, batata, cana e outras coisas mais? Eu, meus parentes... todos tinham de fazer isso para garantir uma parte do sustento da família. A outra parte vinha da pesca e da caça. Todo mundo vivia dessa maneira. Sinto dó da gente de hoje porque quase tudo precisa ser comprado na cidade. De uns tempos para cá o nosso pessoal foi se acomodando em outras formas de viver, de ganhar dinheiro. Veja tudo isso! Naquele tempo quase não se avistava mata fechada assim; era plantação disso, plantação daquilo. E quantas casas desapareceram  engolidas pelo mato!? Os mais novos se foram e os velhos que ainda vivem não têm forças para enfrentar a lida da roça, dos bananais. Agora, repare bem, veja a quantidade de casas surgindo pelos morros e badejas. Tudo isso já foi chão descultivado, teve posseante zelando, cultivando de tudo um pouco. Logo ali em frente, do Teófilo para baixo, até alcançar a cachoeira, o Rio do Inhame, foi o pessoal de casa - meu finado pai e nós, os filhos - que descultivamos. Tudo virou um bananal só. Os barcos saíam carregados de cachos, levavam para Santos. É por isso que este lugar adiante, até a virada de lá, tem o nome de Saco das Bananas. Antes era só Prainha do Frade".

DONA RITA MARIA DA CRUZ

 

O Sol (Arquivo JRS)

                Chico Cruz era irmão do Antônio Julião e da Chica, gente nativa da praia da Santa Rita. Rita Maria da Cruz, natural da praia das Toninhas, irmã do Argemiro, foi casada com Chico Cruz, funcionário do presídio da Ilha Anchieta, onde passaram os piores momentos em 1952, por ocasião do levante. Argemiro terminou seus dias casado com a Chica, no Perequê-mirim. Nilséa e Nilson amavam seus pais (Argemiro e Chica, que tanta estima tinham por mim).  Segundo os depoimentos deles e de tantos outros, junto com a Revolução de 32 e a Guerra dos Tamoios, foram os únicos momentos  sangrentos da nossa terra. “Ninguém dormia sossegado de tanto medo”. Dona Rita disse um dia que, “quando estourou a revolta dos presos, na parte da manhã, as minhas duas filhas mais velhas estavam na escola, ao lado do presídio”.

                Rita Maria da Cruz tinha 80 anos. Acho que era o ano de 2003 quando, bem próximo ao portão da casa dela, debaixo de uma pequena sombra de um pé de lichia, no centro da cidade, a viúva me concedeu um dedo de prosa. Não me demorei muito para não cansá-la demais. Mas valeu a pena! O comentário que faço questão de transcrever hoje é a respeito do turismo na nossa cidade.

                “No meu tempo de menina a gente vivia isolada. Só as canoas se teciam por esse mar de Deus. As  grandes canoas [de voga] faziam as viagens mais longas. Só depois começaram a vir os barcos de Santos. Levavam e traziam de tudo. Acho que era uma vez por mês que eles apareciam. Ainda não tinha estrada de carro por aqui. A gente, que morava nas Toninhas, saía logo depois da grande cantoria dos galos [por volta das três horas] na madrugada para vir estudar na cidade, na escola Doutor Esteves da Silva. Só quando era quase serão a gente chegava de volta lá em casa. Todo mundo andava pelos jundus e praias; sempre tinha alguém indo ou vindo pelo trajeto”.

                Pois é. É notório que a cidade de Ubatuba vivia praticamente isolada do resto do mundo. A estrada para Taubaté é do começo da década de 1930. A ligação rodoviária para Caraguatatuba se completou em 1957. Justo Arouca escreveu a respeito dela: 

                “A picareta que em 1948, rompeu o chão para robustecer aquele fio de sonho, abriu a marcha incessante em busca das lendárias praias de Iperoig, 54 quilômetros depois [...] Fatigado de desilusões  e de tanto esperar, o novo dia chegou, finalmente. Chegou ao Acaraú, sem pedra fundamental, sem foguetório, sem discurso, sem feriado escolar. Era o ano da graça de 1957, setembro [...] O sonho, agora, passa para a realidade. A nova estrada rompe o silêncio de mais de meio século, abrindo as portas da cidade para um novo tempo de reconstrução”.

             Vinte anos depois, em 1977, a última via de acesso (BR-101) nos liga, ao norte, à cidade de Paraty. O turismo é a principal atividade econômica. O Sol é para todos. O desafio maior hoje é saber amar toda essa natureza exuberante que temos, vencer a poluição que avança sobre tudo e derrubar as barreiras do ódio que tenta prevalecer sobre todos.

             Como eu gostaria de ter chances de outras tantas boas prosas!

7° Festival de Culturas do Cambury - Ubatuba

 

7° Festival de Culturas do Cambury - Ubatuba
Dias: 7, 8 e 9 de julho
Local: Cambury - Ubatuba/SP
Uma das festas mais bonitas de Ubatuba, para todos os públicos e idades.
Traga sua canga e cadeira de praia, traga a família e as crianças. Opção de hospedagem em campings e pousadas dos moradores locais.
Um festival de Cultura de Paz, com toda a programação gratuita.

Felipe Scapino via facebook