FONTE :
COISAS DE CAIÇARA: AQUELA CASA (coisasdecaicara.blogspot.com)
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Amanhecer - Arquivo Clóvis |
Quando criança, nas ocasiões
em que fui à cidade com o vovô Zé Armiro, eu ficava muito feliz. Além de
tantas novidades, eu também ganhava guloseimas (que não imaginava vivendo na
praia da Fortaleza, onde só tinha as vendas do Cáindo e do Jorge, além do tio
Maneco Mesquita); via pessoas diferentes, casas com vidraças e bastante carros.
Quase sempre a gente passava numa loja de tecidos. “A sua avó encomendou um
corte de fazenda azul, de preferência tergal que não precisa passar e seca mais
depressa. Vamos procurar na Casa Anchieta, depois na Macedônia ou na Dina.
Haveremos de encontrar, em último caso, na alfaiataria do Isaías Mendes, ali
perto do Bananinha”.
Eu sempre gostei de prestar atenção nas
pessoas. Que paraíso são as cidades para isso! Na Ubatuba daquele tempo, por
volta de 1970, vivia uma dessas pessoas singulares, amigo do vovô desde os
tempos em que viveu em Santos. Era o Seo Mané Apolinário. Eles, nas primeiras
décadas do século passado, ainda adolescentes, trabalharam juntos nos bananais
daquela região, mais precisamente na localidade denominada de Itapema (hoje
cidade de Vicente de Carvalho), na famosa Baixada Santista. Sim, a minha gente
também precisou migrar em busca de melhores condições de vida! Nossos parentes
viveram em outras terras “comendo o pão que o diabo amassou”, como dizem por
aí.
O Seo Mané sempre me chamou a atenção porque
ele usava uma espécie de farda, com quepe e tudo. Quem o visse de longe podia
confundir com um policial. Até apito ele trazia ao pescoço. Vovô dizia que ele
andava assim porque era funcionário da prefeitura, trabalhava de vigia noturno.
Naquele tempo eu não entendia bem porque precisava de gente para olhar,
proteger as coisas nas noites, quando o certo era estar todos dormindo. “Mas
ele é da polícia, vovô?”. “Não. Ele é guarda noturno. Só que gosta tanto da
farda que não larga dela. Desde que a gente trabalhava juntos, naquele tempo lá
em Santos, ele sonhava em andar fardado. Creio que, vendo tantos soldados se
tecendo por lá, ele se encantou pelas vestimentas, quis ser parecido com os
militares. Deu sorte. Depois de voltar para cá arranjou esse emprego de vigia
noturno que, pelo visto, parece até precisar usar farda. Aí, então, juntou a
fome com a vontade de comer. Veja como ele tá feliz. Agora só anda assim,
fardado o tempo todo”.
Passou o tempo, fui morar mais perto da
cidade. As derradeiras imagens que eu guardo do Seo Mané Apolinário continuam
com ele fardado, mas em cores desbotadas, costuras feitas à mão em algumas
partes e quepe em ruínas, mas se mostrando orgulhoso como “militar”. Engraçado,
né?
Postado por José Ronaldo