domingo, 28 de abril de 2024

DOCUMENTOS A SEREM MOSTRADOS ....

 

  Neste blog eu já escrevi a respeito de diversas ruínas de fazendas que tive oportunidade de conhecer em Ubatuba, desde a mais famosa (do capitão Romualdo/Estevené, na Lagoinha) até a desaparecida dos Antunes de Sá na Caçandoca. Porém, tenho consciência de que  outras ainda nem foram tiradas do mato. Pressinto que, nessa onda de invasões de posses antigas e até mesmo de destruição da mata nativa, corre-se o risco de mais documentos desse município sejam destruídos.

   Eu tenho as ruínas como documentos, como provas de um outro tempo. Dias desses, passando pela Estação Experimental, na rodovia Oswaldo Cruz, pensei na capela na beira da estrada, onde outrora abrigava um cemitério de escravizados. Isso mesmo! Antigamente, as pessoas brancas eram sepultadas na cidade, mas os negros que produziam as riquezas jaziam em terrenos reservados nas fazendas. Na mata da Raposa, no morro da Lagoinha e em outros sítios, trabalhadores e trabalhadoras tinham o seu descanso eterno.

   Se tinha escravizados, tinha fazendas, era produzida riqueza. Prova disso era o casario no centro da cidade que, infelizmente, somente os mais idosos podem se recordar, pois não houve preservação para a posteridade. A cana, no século XVIII, foi intensamente  cultivada, principalmente para a produção de aguardente. Um golpe à economia local veio por uma medida governamental, do governador Bernardo José de Lorena, obrigando os produtos serem negociados apenas no porto de Santos. Mais tarde, na fase cafeeira, um ressurgimento econômico anima a população. Pelo porto dessa cidade, grandes carregamentos garantem patamares extraordinários. No biênio 1835/1836, Ubatuba desponta como maior exportador de café do país, conforme os dados fornecidos por Afonso Taunay. É, sobretudo nessa época, que  despontam as grandes fazendas. As ruínas são as provas. Portanto, deveria ser de interesse histórico e econômico (turístico) o mapeamento desses vestígios, os tombamentos dessas áreas e um redirecionamento, inclusive na área da educação escolar. Somente tais medidas preservariam esses tesouros tão destratados até então. São documentos a serem mostrados.

A cultura que resiste na alimentação

 



O estilo de vida caiçara, que sofreu intenso impacto do turismo em regiões costeiras, encontrou na culinária uma forma de valorização e resistência social

CRÉDITO: FOTO DIVULGAÇÃO

A zona costeira brasileira está em permanente transformação. Prova disso são as interferências sofridas pelas populações caiçaras ao longo de sua história. Os caiçaras são um povo tradicional das regiões costeiras dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina,  que habitam espaços entre a mata e o mar e utilizam diferentes ambientes da zona costeira – como estuários, manguezais, praias, restingas e lagunas – para sustentar seu modo de vida.

A cultura caiçara está representada nos mais diversos saberes e costumes tradicionais, impressa em sua forma de moradia, linguagem, música, dança e alimentação. Tudo em conexão com a natureza, numa construção que se deu ao longo do tempo e tem se propagado através das gerações.

Mas é fato que esse estilo de vida integrado à natureza e dela dependente sofreu intenso impacto em meados do século 20, quando o turismo em regiões costeiras aumentou e a demanda por casas de veraneio levou à expropriação das terras caiçaras. Em paralelo a esse processo, uma nova política governamental estabeleceu a proibição da ocupação e dos usos tradicionalmente realizados pelos caiçaras nos parques que foram criados a partir da década de 1970. Assim, a vida caiçara foi, pouco a pouco, transformada.

A retirada de seu território tradicional acarretou diversos problemas para as comunidades. Uma das consequências foi a inserção forçada dos caiçaras a um novo território – o centro das cidades –, o que provocou mudanças em seus costumes tradicionais. O distanciamento do mar, da pesca e da floresta somado à dificuldade de praticar o roçado e construir suas canoas teve reflexos na alimentação do caiçara.

Essas novas condições também acarretaram em uma separação dos jovens com relação ao viver tradicional nas comunidades, uma vez que os conhecimentos e costumes passaram a ter pouca repercussão em suas práticas, incluindo a culinária.

Além dos fatores sociais, mudanças ambientais, como a diminuição da abundância de peixes e a degradação da qualidade do meio ambiente, foram determinantes para a perda da cultura alimentar caiçara. Além disso, a conveniência com a vida moderna ampliou o acesso a produtos industrializados, como alimentos processados, que modificaram a dieta tradicional.

Recentemente, porém, por meio da articulação das comunidades e do renascer das atividades de dança e folclore, que fortalecem os saberes tradicionais e reconstroem um espaço de coletividade, a cultura caiçara tem sido resgatada e valorizada. Um exemplo está nas iniciativas de turismo de base comunitária, que têm a tradição alimentar como elemento central. É o que acontece na reserva extrativista do Mandira, no litoral sul do estado de São Paulo, onde os mais velhos cultivam em seus quintais produtos tradicionalmente utilizados na culinária caiçara – mandioca, batata-doce, cará, cará-moela, cará-espinho, inhame, banana, cambuci e gabiroba – e mantêm entre seus costumes atividades relacionadas à pesca, como a salga e a defumação.

O fortalecimento da identidade cultural caiçara a partir da sua culinária é, portanto, uma forma de valorização e resistência social. A culinária caiçara constrói uma ponte entre o passado e o presente, conectando o futuro com a riqueza singular dos povos do mar.


Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, Rede Ressoa Oceano
Instituto Oceanográfico
Universidade de São Paulo
Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano
Rede Ressoa Oceano










Azul-Marinho Oficial

 



 Imagem meramente ilustrativa (da internet) não faz parte da matéria oficial

 
 

Quem diria, hein? O nosso Azul-Marinho, o nosso consuetudinário peixe-com-banana-verde, o nosso escaldado agora é lei. Não que andasse na ilegalidade, não, não é isso. É que, por força de lei municipal, tornou-se um patrimônio histórico e cultural. O que isso quer dizer exatamente não sei, mas que deu um certo status à bóia caiçara, lá isso deu. A receita, inclusive, tá lá no texto da lei para que ninguém se meta a contraventor, invente ingrediente ou ponha no prato uma pitada a mais do que quer que seja. Torço para que seja regulamentada por decreto e que se estabeleça multas para quem sair fora dos trilhos, digo, da receita. Sugiro ainda que a receita das multas por infração à receita vá para um fundo social, do tipo caiçara prato limpo. Imagino o Azul-Marinho, em breve, incluído na merenda escolar. Além de cidadã, é uma proposta pedagógica salutar. Agora, cá entre nós, sabe que eu até ouso sonhar com o dia em que a FAU da ONU haverá de declará-lo patrimônio cultural e gastronômico da humanidade?

Alguém poderá dizer que estou ficando doido; mas, meu leviano leitor, pare para pensar um pouquinho. Para que o Azul-Marinho não fique só no texto da lei é preciso que haja alguma intervenção internacional, não só para a preservação das espécies marinhas adequadas à receita, já que o Brasil é relapso quanto às suas águas litorâneas, mas também da banana, que, segundo certos cientistas, tende, como espécie, a desaparecer da natureza. Se o peixe já anda escasso, extinta a banana, neca de Azul-Marinho. Mas é preciso mais, com o pescado a custar os olhos da cara, tem de haver uma intervenção estatal no mercado.Tabelamento de preços. Onde já se viu, R$ 12,00 o preço do quilo da garoupa?!

Ah, e tem mais, o dia 28 de junho, tá lá na lei, será consagrado ao Azul-Marinho. Poder-se-ia declará-lo feriado municipal. Quem sabe meio expediente, pelo menos. Folga do meio dia pra tarde. Quem é que agüentaria atravessar a rua, depois de um opíparo escaldado de peixe com banana verde regado com molho de pimenta malagueta? E veja que estou deixando de fora a caipirinha. O sujeito quer mais é rede na sombra para uma madornazinha, que ninguém é de ferro.

De tão locupletada, chega me dar arrotos, a imaginação. Já antevejo, na referida data cívica, numa tradicional casa caiçara, na cozinha ou na sala de jantar, a família reunida, todo mundo em pé, em torno de uma mesa posta, onde, no centro, solenemente disposta, uma travessa fumegante de Azul-Marinho, recendendo coentro. Aí então, todos os comensais, compenetrados e perfilados diante do homenageado, entoam o Ubatuba yes, yes, yes. Chego a ter um orgasmo por esse resgate da cidadania caiçara.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.

FONTE  >  
O Guaruçá - Azul-Marinho Oficial (ubaweb.com)

EC Beira Mar 1951-1952 , Campeão ubatubense

 

EC Beira Mar 1951-1952 , Campeão da Cidade de Ubatuba . Time :Almeida , Antônio do Hotel ,Rochinha ,Zezito, Zeca Marques , Tavinho , João Coutinho , Walter Carpinetti, Evaristo , Orlando Carneiro , Joaquim Tavares .Agachados : Guilherme Tavares , Bidico , Antônio Barbosa , Nego Chieus e Nezinho .

BRASILIA A C - BAC - Ano 1984

 


DISCURSOS E COMPROMISSOS


      Ubatuba, tal como quase todas as cidades litorâneas estabelecidas pelos “descobridores” portugueses no início da colonização, passou por várias crises econômicas. Os motivos foram diversos: esgotamento do pau brasil, clima inadequada para o cultivo da cana, solo empobrecido pelo cultivo intenso de café, invasão de terras no interior do país (novas áreas agrícolas), descoberta do ouro nos sertões, falta de vias adequadas para acesso ao porto marítimo, decisões arbitrárias de governantes etc. Por consequência, uma população pobre precisou se agarrar firmemente nas tradições básicas de sobrevivência, tal como caça e pesca, cultivo da mandioca, banana etc.

     Já aprendemos que, na história do Brasil, neste contexto acima, não havia educação básica. A catequese dos padres até podia alfabetizar, mas a intenção maior era “conquistar almas para Deus”, expandir a religião católica, tornar as pessoas conformadas aos ditames dos poderosos políticos, dos que detinham o poder econômico. Os filhos destes (“senhores da terra”  que se aproveitavam do suor dos indígenas, negros e brancos marginalizados) tinham a chance de irem morar em cidades grandes e até na Europa para prosseguirem nos estudos. Dá para imaginar, então, quais eram as perspectivas dos trabalhadores e suas famílias que apenas tinham o trabalho, a preocupação com a sobrevivência? Nenhuma! Aqui, nem os padres, primeiros professores deste território imenso, se atreveram a pensar na educação da população. Pelas leituras, eu pude concluir que apenas no final do século XIX apareceu gente que se voltou para essa questão da educação escolar. Foi o médico Esteves da Silva e outras pessoas instruídas da cidade que se debruçaram sobre a preocupação da falta de escolarização e fundaram o Ateneu Ubatubense.        

       No livro do Seo Filhinho, Ubatuba Documentário, tem uma passagem interessante, ocorrida em 1881, quando pouco mais de doze lampiões de querosene foram instalados no centro da cidade, nas esquinas principais, para iluminarem as noites. Eles duraram décadas. Era a iluminação pública que fazia sucesso. À querosene! Mas escolhi o referido evento porque os vereadores produziram um texto na ocasião da inauguração, cujo último capítulo é o seguinte: 

Esta Câmara saúda a Associação do Ateneu Ubatubense à frente da qual se acha o seu mui digno e ilustrado Presidente Dr. João Diogo Esteves da Silva, pelo projeto da criação da aula noturna para adultos, melhoramento intelectual de grande alcance, pois que esta Câmara está convicta de que a maior riqueza das nações e assim das frações desta é a instrução derramada pelo povo e os melhoramentos materiais para o bem-estar do mesmo povo.

       Posso inferir que o jeito foi começar alfabetizando adultos, sensibilizá-los para, no futuro, incluir a educação às crianças. Caso contrário, somente quem pudesse pagar por aulas particulares seria alfabetizado. Certamente o médico, proveniente da cidade do Rio de Janeiro, trouxe uma bagagem repleta de livros e aqui encontrou outros homens - pouquíssimos! - influentes com farto material enfeitando estantes. Se entrosaram e fundaram o Ateneu. Pronto! O saber lançou raízes, se expandiu!

      Quisera eu que não fosse esquecida  a última parte do texto inaugural: “...esta Câmara está convicta de que a maior riqueza das nações e assim das frações desta é a instrução derramada pelo povo e os melhoramentos materiais para o bem-estar do mesmo povo”. Ubatuba é uma fração desta nação. Os legisladores atuais da cidade pensam assim ou seus discursos são apenas palavras ao vento, sem comprometimento ?