segunda-feira, 29 de abril de 2024

HOUVE UM TEMPO....

 

 Houve um tempo em que grande parte da riqueza produzida nas cercanias, desde o Sul de Minas até o Vale do Paraíba e adjacências, saiam pelo porto desta cidade (Ubatuba), sobretudo aquela relacionada ao contexto da mineração e da cafeicultura. O governo provincial garantia um controle fiscalizador para evitar evasão de taxas. Na rotatória da referida cidade, onde atualmente se encontra a estátua do pescador, estava localizado o primeiro posto de controle; subindo a serra, quase chegando em Taubaté, no atual Bairro do Registro, ficava outro. No acesso para Passa Quatro, indo para os sertões das Minas Gerais, controle maior se fazia necessário. Para isso, a via (que passava por São Luiz do Paraitinga e ganhava o interior) precisava estar sempre recebendo melhorias para não perder a devida movimentação portuária na localidade litorânea. No livro de Registro de Correspondência da Câmara Municipal de Ubatuba aparece a reclamação dos vereadores contra o município vizinho que não cumpre com a obrigação de cuidar da via em seu território. Isto no ano de 1838. Era notório que os interessados (fazendeiros e comerciantes que utilizavam o acesso à saída marítima) não podiam ter outra saída, deixarem de garantir os lucros que movimentavam a vida da sociedade ubatubense. Mas...segundo a farta documentação, a coisa desandou. A movimentação foi se dirigindo a outros acessos. Exemplos: Paraibuna e Paraty. Tem um trecho documentado que deixa bem claro a afirmação da Estrada Real no território fluminense: 

"Pouco a pouco derivando as tropas que se dirigem a este já florescente porto vai se encaminhando para Parati, que como é sabido, vantajosamente seus habitantes sob a proteção do Governo, vão pondo suas estradas no maior grau de perfeição, enfraquecendo e diminuindo por consequência o produto das Rendas Nacionais..."

PUXADA DE REDE

 



              


Baixei uma foto excelente - "Puxada de Rede" -, em preto e branco, do site Litoral Virtual. Cinco pescadores na praia do Itaguá, puxando a rede do fundo do mar, de um mar de poucas

ondas, soturno. Entre ele e os homens, cercando a rede que vem surgindo das águas, um bando de gaivotas e pequenas garças brancas. Todas estão atentas, ignorando a presença dos pescadores, de olhos fixos na rede de pesca que aos poucos surge, na expectativa de que algum peixe possa ser surrupiado.

Para quem conheceu este mar nesta mesma baía há trinta, quarenta anos, o cenário desta foto é deprimente. Sabemos que os peixes, se apanhados, talvez mal dêem para encher um samburá. Mas os pescadores insistem, talvez porque não saibam fazer outra coisa, ou porque não haja outra coisa a fazer para ganhar o sustento. E as aves estão ali, atentas, esperançosas, dependentes desses homens para matar a fome. Além dos pescadores, é melancólica também a presença das pequenas garças brancas que estão se tornando aves marinhas por força das circunstâncias. É a luta pela sobrevivência.

Esta foto, se tirada no mesmo local nos tempos de minha infância, a rede seria bem maior, não estaria tão vazia, muito mais pescadores estariam envolvidos, e não haveria as garças brancas. Essas pequenas garças eram então aves silvestres, raramente se aproximavam das pessoas, de vez em quando as víamos no alto das árvores às margens do rio Grande. Os rios, todos eles piscosos, davam de comer a essas espécies de animais e também ao homem. Praia era para gaivotas e urubus, e estes eram ariscos, não se aproximavam tanto assim como as aves da fotografia. As gaivotas, se a foto fosse tirada naquela época, estariam sobrevoando o local, mais por curiosidade do que para saciar a fome. Quem conheceu, nos velhos tempos, as pescarias de arrasto na praia do Cruzeiro e na do Itaguá sabe do que estou falando, e lembro-me de que, depois do festim dos urubus com os peixes menores, abandonados na areia, espécies que hoje se venderia facilmente no mercado, vinham os funcionários da Prefeitura para enterrar o que restava. Os camarões graúdos, os peixes nobres e os de porte eram dos pescadores - robalo, corvina, pescada, linguado, pampo etc.

A foto é bem a Ubatuba de hoje: homens desanimados pescando no incerto mar do futuro com a puída rede da esperança. Mas esse mar tem de ser fecundado e, para isso, será preciso a imaginação de todos. A questão não se reduz à eleição deste ou daquele político, é preciso imaginar a Ubatuba que queremos viver e que esta Ubatuba do futuro dite as nossas condutas no presente.

"La democracia significa la intervención de las personas como tales en la vida colectiva [...] El ciudadano, en una democracia, es ’autor’ del mundo futuro, y por conseguinte responsable de él. Tiene que representarse dónde y cómo desea vivir, qué figura puede adoptar su circunstancia inmediata, cuáles van a ser sus posibilidades, su horizonte, sus deberes. [...] Hay que imaginar, no solo como va a ser mi vida, sino también la de los demás. Esto obliga a un ejercicio serio de la imaginación. Hay que tener presente el pasado, sobre todo el cercano, hay que lograr una anticipación de lo que se va a intentar conseguir. Hay que hacer el recuento de lo que se tiene, de lo que falta, de lo que se ha ganado o perdido y sobre todo de lo que se puede ganar o perder." (Democracia e imaginación - Julián Marías)


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.

FONTE  :   https://www.ubaweb.com/revista/g_mascara.php?grc=2634