quarta-feira, 24 de novembro de 2021

MIGRANTE DE PERTO

 

Árvores na praia - (Arquivo JRS)


    Luiz Monteiro de Oliveira era o seu nome, mas para nós era Seo Lica. Ainda hoje, no bairro da Estufa, os mais velhos saberão lhe dizer onde era o Sertão do Lica.


   O saudoso Seo Lica era avô da amiga Fátima Albado, do Ostinho e de tanta gente boa. Com ele escutei boas histórias. Grande orgulho dele era dizer que se aposentara com funcionário da prefeitura de Ubatuba, sendo seu grande trabalho a preparação do terreno para o Campo de Aviação (aeroporto). Também se orgulhava de ter plantado a maioria das árvores antigas da cidade. "Daquelas que estão nas praças e pelas ruas, muitas fui eu quem plantou. Sabe aquelas magnólias, da Praça Nóbrega? Pois é, coube a mim e ao Modesto cavar e colocar cada uma em seu lugar. Na outra praça [13 de maio], onde era o campinho da rapaziada, outro tanto de mudas deixamos ali onde era só areia e capim".


  Seo Lica não era caiçara. "Eu sou caipira de Catuçaba. Nasci na Cachoeirinha, perto do Morro do Chapéu, onde está até hoje a capela de Nossa Senhora do Alto. Todo ano tinha uma festa muito bonita lá, com padre indo de São Luiz para celebrar a missa com o povo. Havia muita dança e comedoria nessa ocasião Era por onde passava a antiga estrada que descia para Ubatuba. Eu vi muitas tropas de burros levando e trazendo coisas por ali. Havia um entrocamento onde é Catuçaba, lugar que mora ainda bastante gente. Lá a estrada tinha três braços: o que acompanhava o ribeirão do Chapéu, indo para a cidade de São Luiz; outro seguindo na direção da Lagoinha, de Guaratinguetá, o caminho mais antigo, que ligava ao sertão de Minas Gerais. O terceiro descia até Ubatuba. Eu era rapaz novo quando começou a passar carro depois de melhorarem a serra. A tal de jardineira [uma espécie de ônibus] passava sempre, duas vezes por dia, entre Ubatuba e Taubaté. Foi por onde eu vim com a mulher e as crianças ainda pequenas. Aqui tinha trabalho garantido; lá dependia da roça e de quem comprava as nossas coisas. Por isso, assim que soubemos que havia a possibilidade de trabalhar e viver no litoral, eu e a mulher decidimos fazer isso. Embarcamos as poucas coisas nos jacás e descemos a serra. Assim que cheguei, fui contratado pela prefeitura e de lá só saí depois da aposentadoria. Desde aquela época eu moro aqui, neste lugarzinho da Estufa. Eu e o Sérgio Lucindo somos os mais velhos daqui. Pois é. Por isso eu digo a essa gente que veio de mais longe: eu sou migrante de perto, não precisei andar muito, nem usar carro ou ônibus".


JOSE  RONALDO BLOG  COISAS DE CAIÇARAS

www.coisasdecaicara.blogspot.com

ATRÁS DE MELHORES DIAS.....

 

O Divino segue em frente...    (Arquivo JRS)

     Encontrei um texto mais antigo com uns versos mais antigos ainda, desses que os foliões e fandangueiros continuam repassando às novas gerações. Daí pensei em escrevê-los aqui, principalmente porque se apresenta, nas proximidades das datas, mais uma Festa do Fandango Caiçara permitindo melhores dias.

    A cultura caiçara se fez mantendo muito  -  mas muito mesmo!  -  da alma artística do povo Tupinambá, da diversidade de expressões dos negros escravizados e da vontade de sobreviver em terras de Além-Mar por parte dos pobres lusitanos deportados, na finalidade de assegurar a posse da terra que, finalmente, foi sacramentada como Brasil. Hoje, nos muitos aspectos dessa cultura  -  da nossa cultura!  - vemos uma continuidade, ainda que contando com um reduzido grupo de pessoas, desses traços fundantes. A musicalidade é o principal destes. Ela transmite a religiosidade popular, alimenta os bailados e  as animações das prosas, dos encontros que alimentam nossas criatividades. Prova disso são os versos seguintes. Espero que mais gente se anime e faça bom proveito dessas devoções, desses festejos da terra ubatubana. Que venha com intensidade a próxima Festa do Fandango Caiçara de Ubatuba!


1- Periquito tá falando/ De onde ele fala eu escuto/ Ele quer ir com o Divino/ Mas tem medo do Macuco.

2- Tanto peixinho nadando em volta/ Tanta mocinha bonita por perto do lago/ Tanto rapaz bom sem coragem/ Só ficando parado, olhando de lado.

3- Você disse que canta, canta.../ Que cantem quem amores tem/ Eu, como não tenho amores/ Não canto pra mais ninguém.

4- As mocinhas da Enseada/ São bonitas, não são feias/ Tem nariz de meia-légua/ E boca de légua e meia.

5- Essa casa tá bem feita/ Com uma cruz na cumeeira/ Salvando a dona da casa/ Com sua família inteira.

6- Essa casa tá bem feita/ Por dentro, por fora não/ Por dentro cravos e rosas/ Por fora, manjericão.

7- O Divino, assim que viu/ Ele logo cobiçou/ Aquele lindo passarinho/ Que do caminho avoou.



O MERO QUE VIROU PILÃO...............Causo caiçara de Julinho Mendes

 

CAUSOS CAIÇARA de Julinho Mendes

Como de costume, antes de ir trabalhar nas empreitadas que fazia, ainda no escuro, levantava e ia até a praia do Itaguá ajudar na puxada do arrastão. Um dia levou o filho.
–Vamos filho que hoje eu vou te ensinar a pesca de arrastão. O menino todo remelento, barrigudinho e meio amarelado calçou seu tamanquinho de madeira e seguiu o mestre pai.
Na praia já estavam lá os companheiros de pesca com a rede n’água; cinco num lado e mais cinco no outro, puxavam os cabos do arrastão.
–Ta vendo filho, é assim a pesca de arrastão, lança-se a rede ao mar e vem puxando pelos cabos.
–O Sr. não vai ajudar puxar papai? Perguntou o menino.
–Não filho, eu sou o mestre, meu trabalho é de levantar o pano da rede quando chegar no lagamá e isso não é qualquer um que sabe fazer, pois tem que ser conhecedor de peixe e saber a hora de levantar, para os peixes não saltarem por cima da rede!
O menino ia aprendendo com o velho pai.
O clarão do sol já se fazia no horizonte e, parecia aquele dia, ser um dia de sorte, pois a rede vinha lenta e pesada, se não fosse limo mingau seria um grande cardume de peixe.
A rede chegou no lagamá e o grande mestre correu para exercer sua função, e assim falou para o filho barrigudinho:
-Agora João, você vai ver o grande mestre conhecedor de peixes que é seu pai, fique aí observando. E saiu correndo.
Com água pela cintura agarrou a tralha de boias da rede e levantou; observou então algo escuro e grande dentro da rede e caiu de berro:
-Ai, ai,ai! –É um mero! É um mero! Devagar que é um grande mero! Anunciou o grande mestre.
A euforia entre os pescadores foi grande, pois o mero é peixe pra mais de 250 kg, daria um bom dinheiro. Mais cautelosos os pescadores puxaram a rede bem devagarzinho para não espantar o grande peixe. E o mestre Rita gritava:
-O bicho não se mexe, tá com ova! Tá com ova!
O menino lá em terra, orgulhoso falava:
-Papai é largo mesmo, sabe até que o peixe está com ova!
A rede se aproximava do lagamá e, vendo que o bicho era grande, velho Rita gritou:
-Ajudem aqui, vamos agarrar o bicho e enrolar no pano da rede, se não ele vai fugir!
Obedecendo a ordem o grande mestre, oito pescadores atarracaram com o grande peixe e o levaram para a praia. Vendo que o peixe não se mexia, começou o falatório:
– O peixe não se mexe! O bicho tá morto! Ta ovado! Ta dormindo! É um toco!...
Já com o dia mais claro, foram ter certeza da espécie de peixe que o velho Rita tinha anunciado. Aí a farra foi grande na praia do Itaguá. Aquilo que o grande mestre velho Rita tinha anunciado era, na verdade, um pilão de toco de urucurana, com o fundo furado; dentro, ainda tinha um guaiazinho meio desbotado, mais para cor-de-rosa do que para roxo.
Enquanto a caiçarada tirava sarro do “grande mestre” velho Rita, o menino João, orgulhoso de seu pai, saiu correndo e gritando pelas ruas do bairro do Itaguá:
-Mamãe, mamãe, mamãe,... papai pescou um pilão, papai pescou um pilão...
Dona Zefa respondeu ao menino: -Deve ser o nosso pilão que estava nos fundos do quintal, na beira do rio Acaraú e que naquela tempestade, de cinco anos atrás, foi levado pela enchente. Tomara que ainda sirva pra socar um pixé. -----------------------

JORNAL ECHO UBATUBENSE , EDIÇÃO 26, DE 04 DE ABRIL DE 1897

 


Nascia em Ubatuba SP  em 1896  o  primeiro jornal  impresso  e distribuído em nossa  cidade, o ECHO UBATUBENSE, o qual teve infelizmente curta duração  , durou apenas 01  ano, mas marcou a história jornalística de  nossa cidade, o material ou os exemplares que compartilho aqui no Blog  UBATUBENSE  , na verdade são cópias das  edições originais, são de propriedade do meu mano Jorge Otavio Fonseca, o qual cedeu gentilmente esse  material para que eu pudesse aqui dividir com vocês. Segue   em 4 paginas  a edição  26,  de  04  de Abril   de  1897.










PRAIA DA LAGOINHA NA RICA HISTÓRIA DE UBATUBA.

 




A praia da Lagoinha esconde muitas histórias do desenvolvimento do país em cima do sangue alheio. O lugar abrigou a primeira fabrica de vidros da América Latina
Em 1818, dez anos depois da vinda da família real as terras brasileiras, a Vila de Ubatuba, grandes áreas adquiridas por estes estrangeiros logo se transformaram em grandes cultivos de café, chamados na época de ouro verde ou ouro negro.
Ubatuba foi um dos primeiros a cultivar o café no Estado de São Paulo.
A fazenda foi um exemplo de fazenda colonial próspera, na época a de maior esplendor econômico da cidade que aproveitava o bom porto de escoamento de produção Valeparaibana e Ubatubana de aguardente, açúcar mascavo, milho.
Lagoinha antiga, antiga roda de moinho.
Como havia a demora e um valor muito alto para embarcar e engarrafar aguardente, o barão resolveu buscar um especialista para montar uma fábrica de vidros, a princípio garrafas.
A Fazenda era dividida em duas atividades: produção-beneficiamento e fábrica.
Tudo leva a crer que a referida fazenda era dividida em três subsedes: a frente era chamada de Bom Retiro, os fundos que fazem divisa com a Fazenda Corcovado era chamada de Bom Descanso e o outro lado e ao fundo que fazia divisa com a Fazenda Brejamirinduba era chamada de Fazenda Poço dos Bagres. No Sertão da Quina, no Sitio Santa Cruz, existem marcas da antiga fazenda, como os de uma roda d’água, um terreiro de café e um local onde foi enterrado um “benzedeiro”.
O Barão fez fortuna primeiro com o tráfico negreiro e depois com o cultivo das terras. No local desembarcavam negros e voltavam carregados com café, que eram plantados em toda a encosta.
Uma pequena estrada de terra ligava por entre a mata virgem a Bom Retiro a Fazenda Poço dos Bagres, antigo trecho compreendido hoje os bairros do Ingá e Sertão da Quina. O trecho compreendia na subida íngreme de um morro, tentou-se então cavar um túnel para transpor este obstáculo, como o tinha muito Granito Verde Ubatuba, desistiram. Muitos pés de café podem ser ainda encontrados na mata e em propriedades rurais ao sopé de nossas montanhas.
Fonte: Detectoristas LN