terça-feira, 6 de junho de 2023

Que venha os causos....

 

Ontem, no CEEJA da praia do Massaguaçu, aconteceu mais um momento literário. Pelos informes, os nossos causos caiçaras registrados aqui serviram mais uma vez para dar a conhecer a nossa gente e vivências. Agradeço ao pessoal que nos estima e prestigia em promoções semelhantes. Forte abraço.

     No embalo dos causos, me recordei daquela vez que o Zé Vieira (eternizado em nossas memórias e na estátua do pescador na entrada da cidade de Ubatuba) foi pescar no cais do porto e lançou a linhada com tanta força que o anzol foi parar na praia do canto do Acaraú, onde passeavam patos e gansos do Velho Jaca. Era dia de muita cerração, não se via quase nada. Adivinha o que aconteceu? Pato e ganso são bichos gulosos. Um deles vendo aquilo cair na praia, logo engoliu. Aí começou a briga. Puxa que puxa, com o homem se esforçando até saltar as veias do pescoço. E aí a surpresa: o bicho bambeou na linhada, aboiou, bateu asas e voou. O que aconteceu? Isso ele percebeu: tinha ferrado o ganso do Jaca Vigneron. “Só podia estar mariscando na praia do Itaguá, indo na direção da barra do Acaraú. A linhada foi cair lá. Que força a minha!”. Ao ver aquele “peixe” nobre no anzol, ainda se debatendo, não pensou duas vezes. E deu no que deu. Naquele dia toda  a família se deliciou com o ganso ensopado.

    Alguns me disseram dos comentários tardios do velho pescador. Contava que nunca tinha saboreado uma carne de ganso com sabor de sapinhauá. Explico: naquele canto do Acaraú a areia, na maré baixa, ficava coalhada de sapinhauás. Era demais mesmo! O senhor Igawa até promovia a vinda de japoneses para coletas periódicas. Isto quem me contou foi o seu filho Nelson.

    Na mesma direção do causo do Zé Vieira, ontem a Fernanda, gente daquele pedaço de chão entre Perequê- açu e Barra Seca, nos contou o seguinte:

   “Você sabe, né Zé, que na Barra Seca, no meio do mato, tem lagoas? Pois é! E tem muitas traíras, acarás e outros bichos! Numa ocasião, eu e minha mãe fomos pescar num lago daqueles. A isca era minhoca, tava fácil demais: era só jogar, esperar um pouco e logo puxar os bitelos para o balaio. Foi quando o inesperado aconteceu: um bem-te-vi desceu rapidinho na minhoca do anzol e saiu voando. Coitado. Puxamos logo, mas não teve jeito. Ele morreu”. Coitadas. Já imaginou se fosse um pato, ganso ou ave semelhante? Mas, cá entre nós, conhecendo os velhos hábitos caiçaras, você acha que o passarinho foi desperdiçado?

   Enfim, considerando esses momentos de ontem, podemos afirmar que nos dias atuais essas rodas de causos agora acontecem de outros modos, em espaços que não são os jundus, ranchos de canoas, terreiros etc., mas acontecem!

(Em tempo: eu e Carol rimos bastante do causo da nossa amiga que nestes dias está se refestelando numa fartura de peixes-porco promovida pelos pescadores da Barra Seca).


NInguém me contou


 

Um toco da velha árvore - Arte: Estevan

         Um pescador vivia tranquilo, anos 70, 80...tinha seu rancho na praia, guardava sua canoa, suas redes. Aí veio a lei e a força fez com ele o que a força sempre faz, proibiu sua pesca, começo dos anos 90. Ele vendeu sua canoa,  seus petrechos. O filho perguntou porque não iam pescar mais. "A lei é como uma rede de pesca, pega os peixes pequenos, mas os grandes pulam ou rasgam a rede. Os peixes pequenos somos nós".

        Ele ficou construindo casas, grandes casas em condomínios, de turistas, trocou o remo pela enxada e cimento. Construiu muitas casas, mas nunca conseguiu construir a sua. Morava de caseiro, um dia o dono vendeu a casa com ele dentro, saiu sem indenização  ou compensação alguma. Conseguiu outra casinha, um quarto, para seguir de caseiro. Passaram mais uns anos, ele está velho, mais de oitenta anos. E veio o dono e pediu a casa também. Não tem para onde ir aqui, só tem uma mísera aposentadoria. Essa é a história que sempre acontece e está acontecendo agora!

      Escutei do meu amigo o relato acima. E o encerramento é com esta revelação: “Esse homem é meu pai”. Ou seja, a via sacra de tantos caiçaras continua. A cruz está mais pesada desde o advento do turismo, quando as terras da beira mar foram cobiçadas para empreendimentos imobiliários. Dela enxotaram os ranchos das canoas, as moradias que respeitavam os jundus,  os pequenos roçados cultivados em rotatividade conforme a herança tupinambá, os caminhos de servidão, as áreas destinadas aos passarinhos e pequenos animais (gambás, lagartos, ouriços, cotias, preás etc.), os mangues com sua infinitude de seres e de vegetação tão caras à nossa alimentação e à feitura de casa no pau a pique... Quem de nós nunca se alimentou de manacarus, goiabas, araçás, pitangas e mais frutas das restingas? Quem nunca se encantou com orquídeas, palmas e tantas outras flores que só se encontravam nesses espaços? Quem nunca recorreu à erva baleeira, ao saião, ao assa-peixe e outras plantas curativas que nos valiam nas enfermidades? Quem nunca ouviu histórias de assombração beirando esses lugares sombreados de outros tempos? Quem não reconhece, a partir do que o meu amigo contou, a assombração máxima a infernizar o nosso espaço, a cultura caiçara, os últimos roceiros e pescadores?

      Assombração existe sim! Ninguém me contou. Pelas grimpas dos morros, correndo riscos, se virando como pode está o povo empobrecido e tantos caiçaras. Esse idoso que foi extorquido de tudo no decorrer dos anos agora está sem casa. Uma mísera aposentadoria lhe garante apenas a sobrevivência. É... o peixe miúdo vai desaparecendo. Vai se confirmando a profecia do Velho Zacarias da Ponta (da Fortaleza): “Haverá um tempo em que não haverá mais peixes, obrigando os tubarões a se devorarem uns aos outros”. Triste realidade.

     Na Antiguidade escreveu o filósofo Platão: “Boas pessoas não precisam de leis para obrigá-las a agir responsavelmente, enquanto as pessoas ruins encontrarão um modo de contornar a as leis”. Eu acrescento: criarão as leis que lhes convém. Prova disto é o Marco Temporal contra os povos indígenas, a flexibilização da leis trabalhistas desfavorável à dignidade das pessoas trabalhadoras, as mansões nos antigos roçados da nossa terra, os empobrecidos catando migalhas para sustentar a vida etc. Enfim...  Quem teria um abrigo a esse peixe pequeno que envelheceu nessa labuta de sustentar a riqueza dos outros?

Festa de São Pedro Pescador acontece de 23 a 29 de junho

 



A 100ª edição da Festa de São Pedro Pescador de Ubatuba será realizada de 23 a 29 de junho na Praça de Eventos da cidade, localizada na Avenida Iperoig. A festa terá uma programação recheada de apresentações culturais, comidas típicas da culinária caiçara, shows musicais, corrida de canoas, procissão marítima e muitas outras atrações.

Logo no primeiro dia da comemoração, acontece o tradicional concurso “Rainha dos Pescadores”, que elegerá três representantes da cultura caiçara que levarão o título de Rainha, 1ª Princesa e 2ª Princesa dos Pescadores.

Organizada pela Prefeitura de Ubatuba, por meio da Fundação de Arte e Cultura (Fundart), a Festa de São Pedro é um evento que reúne tradição, fé, preservação e valorização dos costumes e do patrimônio cultural enraizado à vida pesqueira dos caiçaras.

A programação completa da 100ª Festa de São Pedro Pescador de Ubatuba será divulgada em breve.

PREFEITURA  DE   UBATUBA  SP