sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Primitivismo, a arte da lembrança


cenário, uma vez era o largo da Igreja Matriz, com suas casas e construções coloniais em que se destacava o hotel Felipe e o Ubatuba Hotel de dona Idalina Graça. Outra vez era o largo do Sobradão do Porto, de onde se deslumbra a barra do rio Grande e o prédio do colégio Dr. Esteves da Silva, e sempre, aos fundos a imagem esplendorosa e única do pico do Corcovado, onde o sol se põe.


Aconteciam ali as festas folclóricas que se estendiam durante o ano; era a religiosidade da festa do Divino, Folias de Reis, as Congadas, o difícil e belo bailar da Dança das Fitas e a alegre e espalhafatosa dança do Bumba-meu-boi; festividades estas que sempre eram acompanhadas pelos maravilhosos músicos e trovadores da cidade, que com suas admiráveis rabecas, violas, caixas e pandeiros, faziam a alegria do povo caiçara e turistas.

Um menino não perdia nenhum detalhe e ficava maravilhado com toda beleza daquelas festas, das quais, como se fossem cica de banana, nunca mais saíram de sua memória.

O menino era João, João Teixeira Leite, caiçara nato, filho de caiçaras. Já tinha o dom para as artes, e até então confeccionava amuletos de madeira, máscaras de papelão moldada em argila, efígies e totens. Daí por diante João passou a pintar quadros. Com madeira e saco de trigo confeccionava suas próprias telas, onde passou a retratar aquelas belíssimas construções antigas de Ubatuba, que ainda hoje algumas resistem ao tempo; também passou a retrata aquelas festas e danças. Assim então, sem que ele soubesse, ou até que de repente, nasceu a pintura primitiva de João Teixeira Leite, que toma como modelo à forma ingênua, retratando o sentimento da arte e pela arte do povo antigo. É um trabalho que merece muita atenção, pois preserva a memória cultural e histórica de nossa cidade.

Usando óleo ou esmalte, com combinação de cores fortes e vivas, suas obras fizeram-se presente em exposições por diversas cidades brasileiras, e já ultrapassaram as fronteiras do país, adquiridas por turistas e colecionadores de todo o mundo.

Com o intuito de também preservar a cultura e a história de nosso povo e de nossa cidade e de mostrar aos mais jovens a importância do que foi e do que é as construções antigas e as festas folclóricas e mostrar os valores de nossa cidade, escrevo essas linhas em homenagem a João Teixeira Leite. Viva sua arte !
 
FONTE :  Ubatuba em Revista
Por Julinho Mendes
 

DA OCARA AO BANCO DE PRAÇA


Uma cena comum entre os habitantes de Ubatuba é a de perceber índios da Aldeia Boa Vista circulando pelo centro comercial da cidade, entre supermercados, lojas e sacolas. Quem anda pelo calçadão e se vê diante dessa cena cotidiana, pode fazer um exercício de distanciamento histórico e cultural e pensar sobre como é imperativa a dinâmica constante da vida.


Exatamente onde, há menos de quatro séculos, talvez vivessem os ancestrais dos índios locais, em suas ocas e ocaras (espécie de praça central da tribo); onde faziam suas festas, comiam o produto da caça, pesca, colheita e pedaços moqueados dos inimigos; onde se sentavam para contar e ouvir histórias tão importantes para a preservação de seus elementos culturais, hoje sentam-se para descansar, em meio a sacos de papel e sacolas plásticas, os índios e índias que vêm ao centro da cidade, depois de terem “caçado e colhido” seus alimentos nos mercados modernizados e antes de pegarem um ônibus pra voltarem à Aldeia.

Podemos ter a impressão de que estão à margem, tanto da sociedade “caraíba”, quanto de sua própria cultura ancestral.

Por certo, não vivem tão tranquilos e senhores absolutos do espaço, como antes. Por certo têm problemas de ajuste e adaptação de valores próprios, frente às armadilhas consumistas que, suicidamente, desenvolvemos. Por certo, caem nas garras da sedução branca (religiosa, etílica e pecadora). E por tudo isso lhes devemos desculpas históricas e temos a obrigação de fazer o “mea culpa” (em latim para ficar mais jesuítico!).

Porém, sabemos do trabalho de preservação cultural que é feito por eles próprios, dentro da Aldeia Boa Vista e de sua importância frente às velozes descaracterizações culturais contemporâneas. E torcemos para que continuem ativos, esses preservadores dos valores indígenas.

As mudanças são imperativas e é impossível viver à margem delas. Porém, se saber quem é e de onde se vem é fundamental para escolher para onde se vai.

Escrito por Heyttor Barsalini

FONTE :  ubatuba em revista