sexta-feira, 5 de junho de 2009

A música Caiçara






Ricardo Nunes Pereira à rabeca, com a criançada em volta. Praia de Ubatumirim, Ubatuba, 1978 (foto: Kilza Setti)


Concentrada em trabalhos preferencialmente dedicados à recuperação de repertórios de música sacra, nossa Musicologia Histórica não tem mostrado ainda uma literatura de dimensões notáveis acerca das raízes e gênese da música de tradição oral das populações caiçaras da costa sudeste do Brasil, embora, nesse campo, encontrem-se obras expressivas produzidas por etnomusicólogos.
Conveniente seria lançar um olhar atento às práticas musicais na Península Ibérica e regiões do Mediterrâneo e sua extensão nas Américas hispânica e portuguesa. Nesse sentido, a história oral e a iconografia seriam ótimos auxiliares como fontes de pesquisa.

A música dos povos caiçaras do litoral paulista, sul fluminense e paranaense apresenta extraordinária unidade, apenas salpicada de tênues nuanças segundo as particularidades de cada região, e aí reside o grande interesse para amplos estudos de etnomusicologia. As populações rurais do litoral norte de São Paulo, em especial, as de Ubatuba, tomadas como foco neste projeto, apesar das adversidades que têm enfrentado, mostram uma atividade musical viva e ativa, conscientes de que lidam com um patrimônio legado por seus antepassados. Apesar desse legado cultural de perfil europeu - visível pela presença de cancioneiro português, pelas formações instrumentais e procedimentos vocais para aqui transplantados - fica evidente também a tendência a uma reelaboração, processada por sucessivas gerações litorâneas no Brasil, resultando no que se poderia chamar de “estética caiçara”.

É preciso assinalar ainda, para além de evidentes traços luso-hispânicos, que, com o advento do regime escravista, povos de vários países e grupos africanos estiveram no litoral paulista, deixando importantes marcas culturais. Um exemplo disto é a presença de instrumentos lamelofones como as marimbas que, nas congadas, estão presentes em apenas alguns municípios litorâneos de São Paulo.

No bojo de um saber transmitido essencialmente pela oralidade, a música dos povos caiçaras, tanto em seus repertórios sagrados quanto profanos, revela evidentes tendências à conservação de matrizes rítmico-melódicas, poética tradicional, padrões vocais e instrumentais recebidos de gerações anteriores. Não são freqüentes novas criações musicais, sobretudo no tocante à construção de novas melodias, embora se registrem alguns casos. Uma renovação de repertório, no sentido em que a história da música ocidental conceitua essa idéia, não é prática usual em povos cujo conhecimento de saberes se dá pela oralidade.

O litoral norte paulista, notadamente Ubatuba, pela dificuldade de acesso até meados de 1970, permaneceu como depositário de tradições e arcaísmos no linguajar e na música. Até então, o rádio de pilha terá sido o único elemento portador de novidades musicais entre as populações das praias, costeiras e sertões, estas últimas, também com eventuais contatos com populações caipiras da serra e do interior. O convívio familiar cotidiano facilitou a transmissão de práticas e repertórios musicais. As crianças e jovens sempre estiveram presentes aos serões musicais, e isso se comprova ainda no início do século 21.


As constantes visitas aos núcleos musicais do município de Ubatuba mapeados nos anos de 1960 e 70 confirmam a continuidade dos repertórios de tradição oral. Ainda que os jovens desses núcleos tenham hoje acesso a novas informações e mesmo a cursos universitários, permanece a prática simultânea de novos e antigos repertórios, e há grande valorização e empenho da juventude no sentido de participar dos encontros musicais – tanto dos fandangos, quanto das festas religiosas. Houve, ao início do século 21, um renascimento da atividade musical tradicional, graças à adesão de parte da juventude caiçara, interessada em participar e dar continuidade a seu patrimônio musical.

As peças musicais caiçaras derivam, em geral, de matrizes inspiradas em suítes de danças européias: antigos músicos falam mesmo em xótis, mazurcas e valsas, mas há uma infinidade de danças caiçaras praticadas e já consolidadas, vigentes nos dias atuais. São as chamadas “danças do fandango”, muitas delas encontradas em Portugal insular. Entre outras, destacam-se cana-verde, ciranda, canoa, chamarrita, marrafa, caranguejo, tontinha, além da prestigiada dança do xiba ou batepé, sempre presente aos momentos musicais. A função do instrumental para acompanhamento das danças gerou uma série de formas musicais que enriquecem o repertório profano e que sobrevivem, independentemente de se realizarem ou não as formas coreográficas.

O repertório religioso é também encontrado em Portugal continental e ultramarino, e está presente no coletivo caiçara: orações cantadas, oração a Bom Jesus de Iguape, Oração a Santa Verônica, Benditos, Rosário de Maria, Martírio de Cristo, ladainhas cantadas, cantorias das Folias de Reis, Alvoradas e Despedidas do Divino, Folias de São Benedito, companhias de congadas, de moçambiques, Dança de São Gonçalo. No conjunto de música religiosa, os procedimentos vocais são idênticos aos usados na música profana, e, além das violas, com eventual violino ou rabeca, há obrigatoriedade de acompanhamento pela caixa, com toques e repiques adequados a cada momento do desempenho das vozes, e funcionam também como marcadores dos interlúdios instrumentais.



PARA SABER MAIS SOBRE ESTE ASSUNTO, ACESSE AGORA OU DEPOIS O SEGUINTE SITE :




www.memoriacaiçara.com.br