terça-feira, 28 de julho de 2020

O cambucá e a cultura caiçara







            A   Imagem acima é apenas ilustrativa e faz parte do arquivo deste blog, já o texto na integra é do site  ubaweb.com


 

Quem aí já comeu cambucá levanta a mão! Como é? Que gosto tem? Como falar do cambucá se no mundo semelhante coisa não há? O cambucazeiro é árvore silvestre, nativa, esguia de porte, de tronco liso e a ramagem fica lá no bem alto onde frutificam.

Lembro-me de que arrancávamos a estilingadas os cambucás dos três pés que havia na beira do rio Grande, perto do grupo escolar Dr. Esteves da Silva. Sim, usávamos o estilingue, uma espécie de videogame da minha infância. Todo moleque tinha um.

Na mesma margem do rio Grande, no quintal da casa de dona Madalena, já falecida, a segunda mãe da criançada que estudava naquele grupo escolar, onde ela era funcionária, ainda há um velho cambucazeiro, talvez um parente daqueles outros três. O filho de dona Madalena, o Laci (mentiroooooso!), com quem compartilhei bons momentos da infância, prometeu-me uma muda há trocentos anos. Tô esperando. Pela demora, ele deve estar tentando algum tipo moderno de enxerto ou quem sabe esperando a vinda de algum técnico da EMBRAPA para resolver o caso.

A boca fica cheia d’água quando se pega a falar do cambucá. Fruta igual não há. Mas não é só do cambucá que vive o pomar da minha memória, há outras coisas da infância caiçara, desse modo de ser praiano que, aos que têm menos de quarenta e não nasceram em Ubatuba, torna-se difícil descrever ou explicar.

Quando alguém hoje em dia me fala emocionado em resgatar a cultura caiçara, fico com o pé atrás. Sempre me pergunto se esta palavra - resgatar - tem para esse alguém o sentido de tirar do esquecimento e se é clara a finalidade que motiva esse intento. Fico ensimesmado, duvidando de que esse lidar com o folclore não passe de mero hobby que, para alguns, acabe por servir de ganha pão em algum órgão público ou noutra organização.

Não vejo como resgatar alguns desses bens da cultura caiçara se não se tiver por meta integrá-los à atividade econômica, atrelá-los ao turismo. Isso porque aos ubatubenses de hoje, a cultura caiçara não tem mais sentido, não lhes é vital. E sei também que tudo aquilo que for resgatado não será mais do que um espelho embaciado do que foi um dia. Hoje, uma apresentação de, por exemplo, um grupo de dançadores de xiba ou de São Gonçalo, mesmo que dentre eles haja um ou outro remanescente dessa cultura, acaba sendo algo deprimente. Pelo fato de serem pessoas pobres e de não haver nenhuma forma de recompensa material por essas apresentações, por esse "resgate". Nem mesmo têm a possibilidade de transmitirem essas tradições às novas gerações, porque estas vivem outra realidade social. Estão noutra.

A cultura é a expressão viva do modo de ser de um povo, a expressão espiritual de uma comunidade. O caiçara era o amálgama dos modos de ser do português e do índio, alinhavados e bem costurados pelo catolicismo. O espaço vital, o contexto em que se realizou a cultura caiçara não existe mais. O município, ao longo de algumas décadas, foi submetido a um processo radical de aculturação devido ao turismo e às ondas de migrantes que aqui se espraiaram. Para complicar, ocorreu aqui, e creio que em tudo quanto é lugar do mundo, uma fabulosa proliferação de seitas religiosas sem nenhum vínculo com a tradição, despidas de rituais e de símbolos que fazem das grandes religiões essa incomensurável ponte entre o mundano e o divino.

Há coisas da minha infância praiana que, assim como o sabor do cambucá, são inexplicáveis e quase incomunicáveis a quem não as vivenciou e que hoje não têm mais sentido. Falei acima da dança de São Gonçalo porque era comum, na exígua sala da casa de minha avó materna, presenciar essas manifestações do sincretismo religioso que, no passado, tão bem serviram à fé, à aproximação, à fraternidade entre os habitantes desta terra. Pois é, como o sabor do cambucá, que dá água na boca, há também outras coisas, modos de ser caiçara que ao bailarem na memória, acabam por encher os olhos d’água. Para finalizar, aproveitando o ensejo, ô Laci, mentirooooso! cadê a minha muda?!


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.

FONTE.............UBAWEB.COM

Biblioteca, livros e leituras




Imagem do arquivo do Blog Ubatubense, aqui compartilhada para ilustrar essa matéria, a mesma não faz parte da fonte original da matéria abaixo





Certa ocasião, entrando na adolescência, ganhei um livro de presente: A volta ao mundo por dois garotos, de Henri de La Vaux e Arnald Galopin. Li-o todinho. Umas trocentas páginas. Foi o meu primeiro livro. Comecei e não consegui parar. Até então, era um devorador de gibis. Depois li o Cazuza, do Viriato Correia. Em seguida, tudo o que me foi possível ler do Monteiro Lobato. Em 1967, qual não foi a minha alegria de saber que a prefeitura havia criado - na administração do Ciccillo Matarazzo, através do decreto nº 52, em 06/07/1967 - e estava montando uma biblioteca, numa sala do prédio da Câmara Municipal, pertinho da casa de meus pais! Corri até lá.

Havia livros espalhados por todo canto, e duas senhoras empenhadíssimas em cadastrá-los e organizá-los nas prateleiras: dona Jenny Bueno dos Santos Aguiar e dona Jorgina Rocha. Ofereci-me a ajudá-las. Um prazer indizível, tocar naqueles livros, sentir-lhes o cheiro, manuseá-los. Até hoje tenho essas mesmas sensações. Tornei-me rato da Ateneu Ubatubense. Minha ficha de usuário: nº 8. Outros adolescentes de então - como o webmaster da revista O Guaruçá, Luiz Moura -, também colaboraram na organização da nossa biblioteca. Lembro-me de dona Jenny nos corrigindo, ensinando como segurar e folhear um livro para que se evitasse estragos na encadernação. Tenho um enorme carinho pela Biblioteca Municipal Ateneu Ubatubense. Dei minha contribuição quando de sua criação, na minha adolescência e, mais tarde, quando assessor administrativo da Fundart (Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba), na gestão da professora Silvia T. Issa, conseguimos ampliar o acervo em 5.000 volumes, além de adquirirmos mesas, cadeiras, estantes e pintarmos o prédio. Só não informatizamos porque faltou grana.

A partir da inauguração, li um bocado de livros. A esmo, sem método, sem orientação. Porém, li os clássicos. A Ateneu Ubatubense tinha-os quase todos. Os nacionais e os portugueses. Machado de Assis seduziu-me. Até hoje, volta e meia, estamos em colóquios íntimos. Mas não é só literatura não. Na biblioteca municipal você encontra bons livros de filosofia, psicologia, história, sociologia etc.

Tenho a impressão de que naqueles tempos lia-se mais livros do que hoje. Os professores de português, no ginásio, exigiam leitura e interpretação de autores nacionais e portugueses consagrados. Senão, levávamos pau. Alguns liam por prazer, outros, por medo. Tenho cá minhas dúvidas se um adolescente de agora seria capaz de ler e entender o Dom Casmurro, do Machado de Assis. Em 1968, na quarta série do ginásio, por exigência do professor de português - o saudoso Fernando Costa Carvalho -, fiz um trabalho escolar, manuscrito, sobre esse livro. Um calhamaço de papel pautado. Tirei dez. Fechei o segundo semestre e não precisei fazer exame dessa matéria no final do ano. Dom Casmurro é, até hoje, das obras do mulato de Cosme Velho, o meu preferido.

Ler, ler, ler. Saber ler. Gostar de ler. Em simbologia, o livro é o símbolo do Universo: o Universo é um imenso livro. Afonso Romano de Sant’anna diz que quem lê está interpretando o mundo, que somos solicitados o tempo todo a ler o universo. Saint-Exupery, a respeito dessa leitura, do compromisso do saber com o ser, diz: "Vem alguém à minha propriedade e fala: ’lá é muito pobre. Só tem algumas pedras, algumas árvores e algumas cabras’. Ele não viu a minha propriedade. Aquilo era só o território. O principal estava invisível. O que faz a minha propriedade é aquilo que não se vê e que liga as pedras, as árvores e as cabras e me liga a tudo". Assim, a primeira leitura, a que só vê o território, tem um nível funcional, a leitura que faria, por exemplo, um agrimensor ou um advogado. Já a segunda, tem um nível significativo - é um diálogo, uma comunhão com as coisas.

"No princípio era o Verbo" - são as primeiras palavras do Evangelho de São João. "O Verbo, o Logos, é, ao mesmo tempo - segundo René Guénon -, Pensamento e Palavra. Em si, Ele é o Intelecto divino, o ’lugar dos possíveis’. Em relação a nós, Ele se manifesta e se exprime pela Criação, na qual se realizam, na existência atual, alguns desses possíveis que, enquanto essências, estão contidas Nele desde toda a eternidade. A criação é obra do Verbo. Ela é também, por isso mesmo, sua manifestação, sua afirmação exterior. Por isso, o mundo é como uma linguagem divina àqueles que sabem compreendê-la". Nestes tempos de ideologias materialistas e coletivistas, de mediocrização e de estupidificação, saber ler e pensar por conta própria ainda é um excelente remédio para não se perder a individualidade, a autenticidade.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.

FONTE...........SITE.......UBAWEB.COM

Memórias de um ubatubano


Década de  70  alunos  do EE Cap. Deolindo no Cine Iperoig 
Imagem de arquivo Blog Ubatubense



 

Cine Iperoig. Quando inaugurou, não me lembro direito a data, não pude entrar. Não pude assistir a soirée. Não tinha idade suficiente. Mas, na primeira matinée de domingo, eu estava lá, sentadinho nas primeiras fileiras defronte àquela tela enorme. Acho que foi Tarzan, o filme a que assistimos. Com o Johnny Weismüller? Ou seria com o Gordon Scott?...

O velho cinema-teatro, na Praça Nóbrega, havia sido desativado. A televisão ainda não chegara a Ubatuba. Imagina a expectativa da garotada com a estréia do Cine Iperoig. Todos de banho tomado, arrumadinhos, com nossas melhores roupas domingueiras. Um evento... inesquecível. Do lado de fora, os carrinhos de pipoca, os vendedores de pirulito em tabuleiros, de amendoim torrado e de pinhão cozido. Na bilheteria, a Vilma Xavier. O Zé Diniz de porteiro. No saguão do cinema, uma bonbonnière chiquérrima. Tudo cheirando a novo, tudo bem asseado: as poltronas, as cortinas com listas coloridas em dégradée e os banheiros. Um luxo! Nas paredes laterais da sala de exibição, pinturas com motivos indígenas estilizados para fazer jus ao nome do cinema.

Enquanto se aguardava o início da sessão, música ambiente. Músicas inesquecíveis. Uma de que me lembro neste instante: Lisboa Antiga, com a orquestra do Nelson Ridle. Dalvo, o gerente, tinha, para a época, um bom gosto danado. De repente, fechavam-se as cortinas da entrada, suspendia-se a música, apagavam-se as luzes e... O sujeito que operava o projetor, o cinematógrafo, era o inesquecível e insubstituível Dito Cambito. Figurinha carimbada, um personagem pitoresco que ficou na história não oficial de Ubatuba, justamente a história mais intensa, mais fecunda. O cinema e os gibis fizeram minha cabeça, meu imaginário.

Não perdia uma matinée de domingo. Depois das sessões, aproveitávamos o restante do dia para encenar nas ruas e terrenos baldios o que víamos na tela. Improvisávamos revólveres e espingardas com raízes de ciosa, arcos e flechas de bambu e espadas de cabos de vassouras inservíveis. O Toninho Sidônio gostava de imitar os trejeitos do Randolph Scott e os do Audie Murphy. O jeito de andar, a rapidez em sacar o revólver (o de ciosa, é claro) – Mãos ao alto! E tome tiro para todo lado. Sorteava-se com pedrinhas para saber quem seria mocinho ou bandido naquelas aventuras sem roteirista. Escolhíamos um determinado lugar para servir de prisão. Depois a garotada se espalhava e começava a brincadeira. Naquela época, o sonho de cada moleque era ganhar de presente um revólver de brinquedo, parecido com aqueles dos cowboys. Quando ganhei o meu primeiro Colt, fiquei bacana do pedaço. Nada de querer ser bandido. Uma inveja danada dos amigos. Gozado, não me lembro de que alguém tivesse sido influenciado a ponto de ter se tornado um marginal, um bandido pelo uso, na infância, de revólveres e outras armas de brinquedo. Bons tempos aqueles em que as ruas eram extensões das casas e não havia tantos sociólogos e pedagogos querendo mudar o mundo como hoje em dia.

Quando assisti, mais recentemente, ao Cinema Paradiso, senti-me na pele daquele menino, protagonista do filme. Na verdade, lembrei-me dele quando soube que demoliram o nosso Cine Iperoig – um símbolo para várias gerações de ubatubanos. Doeu. Mas é preciso resignar-se, mesmo porque os nossos ubatubanistas e mentores da caiçaraneidade não discordaram desse feito. Gostaria de lembrar Joaquim Nabuco, falando do espírito de aperfeiçoamento e de progresso: “... o que resulta é que as reformas, as modificações serão governadas por algumas regras elementares: conservar do existente tudo o que não seja obstáculo invencível ao melhoramento indispensável; outra, que o melhoramento justifique – e para justificar não basta só compensar – o sacrifício da tradição, ou mesmo do preconceito que o embarga; outra regra é respeitar o inútil que tenha o cunho de uma época, só demolir o prejudicial...” (in Minha Formação - Joaquim Nabuco)


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.

FONTE..........SITE............UBAWEB.COM

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Jovens da Escola Tancredo de Ubatuba constroem Satélite..........2011




 Por Alexandre Scussel |(Fonte Portal Mundo Geo)

Estudantes da quinta série de uma escola municipal de Ubatuba, no litoral paulista, formam o grupo mais jovem do mundo a construir e lançar um satélite. Com o apoio de engenheiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 108 meninos e meninas de 11 anos de idade estão empolgados com a perspectiva de montar o UbatubaSat, um pequeno satélite de aproximadamente 750 gramas que orbitará a Terra numa altitude de 310 quilômetros. O lançamento está previsto para novembro.


Professores de várias disciplinas da Escola Municipal Tancredo Almeida Neves se envolveram no projeto, liderado pelo professor de matemática Cândido Oswaldo de Moura, que no início do ano passado teve a ideia ao ler numa revista de divulgação científica sobre a empresa americana que desenvolveu os chamados TubeSats.

“Procurei a empresa e logo soube que precisaria de suporte técnico especializado”, conta o professor, que encontrou apoio na Coordenação de Engenharia e Tecnologia Espacial (ETE) do INPE.

“É uma iniciativa fantástica, um incentivo e tanto para a formação de novos profissionais para a área, algo que precisamos muito”, elogia Mário Quintino, coordenador da ETE/INPE.

Os professores de Ubatuba estiveram nesta semana no Instituto, em São José dos Campos, aprendendo a montar peças do satélite para depois ensinar aos alunos. Por meio de convênio entre o INPE e a Secretaria Municipal de Educação, está prevista também a ida de engenheiros à escola para palestras e orientação aos estudantes.

Picosatélite

O UbatubaSat, um Tubesat fornecido como kit de montagem pela empresa Interorbital Systems, está na categoria dos picosatélites por ter massa menor do que 1 kg. O TubeSat é capaz de realizar experimentos científicos e funções de comunicação em órbita.

O kit de TubeSat custou cerca de 8 mil dólares, obtidos com comerciantes de Ubatuba, que proporcionarão ainda aos alunos que mais se destacarem na tarefa de construir o UbatubaSat a oportunidade de ir aos Estados Unidos para acompanhar seu lançamento.

domingo, 19 de julho de 2020

AEROPORTO MUNICIPAL DE UBATUBA 1973




1973... Cláudio DESSIMONE, administrador do Aeroporto de Ubatuba, recebendo então Coronel MÁRIO ANDREAZZA ministro dos Transportes do GOVERNO MILITAR. CMTE Cláudio o Senhor me ensinou muito e minha trajetória profissional de vida...!

FONTE...............Marco Antonio Guimaraes Leite via Facebook



sábado, 18 de julho de 2020

SEO OLIVEIRA DA FORTALEZA......




As amizades de verdade transcendem o tempo e ficam pra sempre.
Querido amigo Oliveira da Fortaleza.
Um Ser que se fez Luz.


FONTE.........Charles  Medeiros  via facebook

OS MARINHOS.........Lendas de Ubatuba..........



Barbaridade!
Há mais de três meses não chovia, numa estiada jamais verificada nestas redondezas. Aqui a chuva é uma constante no decorrer do ano e assim, uma seca como aquela exasperava a população, mormente a gente dos bairros que, se dependia da pesca, muito mais dependia da lavoura para garantir a própria sobrevivência. De chuva, nem sinal! O céu mantinha uma limpidez imaculada, um azul puríssimo, sem um mínimo resquício de nuvem que pudesse dar a esperança de um próximo aguaceiro! O ar, parado! Nem uma brisa, nem uma aragem para refrescar um pouco, fazendo balançar a ressequida galharia das árvores desnudas, murchas, desfolhadas…

Toda a região sofria por igual os efeitos daninhos da seca, mas os moradores da Praia das Toninhas, inconformados, afirmavam que lá era pior, que lá a areia da praia era mais quente que a das outras, chegando a tostar-lhes as plantas dos pés se não a evitassem, precisando caminhar por cima, por sobre o emaranhado dos “jundus”. Lá, diziam, dava pena olhar as roças, onde a plantação amarelecia esturricada sob a ação escaldante dos raios solares! Até a cachoeirinha que, sempre farta descia murmurante a encosta pedregosa, estava agora reduzida a um minguado filete de água, torturando o mulherio que amanhecia aglomerado ao pé da bica, na angustiante espera de encher o vasilhame! Seca tirana aquela!

E a pesca? Também falhara. Se todo santo dia, logo cedo, os pescadores saiam mar afora em busca do básico alimento para o seu sustento, retomavam alto dia, desanimados, com rebotalhos, trazendo aquilo que até há pouco desprezavam na praia à acirrada disputa dos famintos urubus.
– “É, dizia Tonico Honorato, patriarca da Toninhas, por isso mesmo acatado e respeitado, isso aí é castigo, e pelos pecadores pagam os inocentes… Já não há mais respeito, não há mais recato!
Ninguém mais tem palavra! As igrejas vazias… Pra essa gente parece que Deus já não existe e seus mandamentos não valem mais nada. .. Isso é castigo!”

Na Toninhas o que Tonico Honorato dizia era sagrado. Se ele disse que aquela provação era castigo, outra coisa não cabia senão rezar. Enquanto os crédulos rezavam, aguardando o milagre da chuva redentora, Júlio e Camilo, dois inseparáveis rapazes do bairro passaram a observar o procedimento estranho de Marino, também amigo e companheiro, mas agora arredio, evitando-os com desculpas descabidas e alegações inconcebíveis.

A princípio não deram importância, mas num dado momento, como que acordando, ficaram intrigados com tal procedimento. Ainda mais porque, se a pesca fracassava para todos, por que para Marino era diferente? Ele não saía com os outros pela madrugada, mar afora, singrando as ondas. Ficava em casa entretendo-se em pequenos afazeres ou indo à roça em desnecessária vistoria às ressequidas plantas que teimavam vegetar nos aceiros. A tarde, porém, viam-no caminhar pela costeira com petrechos de pesca, saltando de pedra em pedra, indo ponta afora, para o Costão do Itapecericuçu, onde se demorava até o fim do dia, quando regressava com o balaio transbordando de peixes, bastante para o consumo da família e com sobras até para mimosear generosamente a vizinhança carente.

Para Júlio e Camilo – pensaram – desvendava-se o mistério: o bom pesqueiro estava para o lado do Itapecericuçu, portanto, bastaria ir lá. Mas, não querendo melindrar o arredio amigo, para lá se dirigiram várias vezes, cautelosos, a fim de não serem percebidos: umas, pela manhã, bem cedo, outras, alta noite, bem tarde. Interessante, se lá permaneciam horas inteiras, o resultado era sempre o mesmo: apenas dois ou três peixinhos de pouco mais de um palmo, daqueles sem condições de serem postejados…

Por quê? – indagavam-se – por que eles também bons pescadores, pescando no mesmo ponto, não conseguiam resultado igual ao de seu esquivo amigo? Convencidos de que um segredo maior havia e que era preciso desvendar, certa noite foram mais cedo e ocultaram-se entre moitas de samambaias, aguardando a chegada de Marino.

Após longa espera, viram-no chegar e encaminhar-se ao declive de extensa laje, quase plana, que descia em rampa suave aprofundando-se no mar. Viram-no, depois de acomodar seus petrechos de pesca, descer vagarosamente o declive e parar, absorto, olhando o mar, cujas ondas subiam mansamente, uma a uma, beijando-lhe os pés, para voltarem depois, borbulhantes e alvacentas, rendilhadas de espumas.

Os Marinhos

Num dado momento um farfalhar mais forte agitou as águas próximas e dali emergiu uma encantadora mulher, inteiramente nua, que, com desembaraço galgou a penedia, mal disfarçando a total nudez com basta cabeleira entremeada de algas e de espumas!

Surpresos, viram Marino correr ao seu encontro, enlaçando-a nos braços, e ali permanecerem em doce e prolongado idílio! Que mulher era aquela, indagavam-se, jovem, encantadoramente bela, que emergia das águas, gesticulando como se fosse muda e vinha entregar-se em arroubos de amor a uma criatura humana? Não era por certo uma sereia, misto de peixe e de mulher que, com o enlevo de seus cânticos, em noites enluaradas atraía traiçoeiramente incautos navegantes a pélagos profundos, para a satisfação de voluptuosos desígnios de amor! Não! Aquela era mulher perfeita, de corpo escultural e beleza fascinante que ali permaneceu por longo tempo em arroubos de amor até que, vencendo a relutância de Marino, que tentava retê-la junto a ele, desgarrou-se dele e, rápida, solerte, atirou-se ao mar, desaparecendo no verde esmeraldino das águas.

Marino, então, pôs-se a pescar e em poucos momentos, como fazia todos os dias, regressou com farta provisão de peixes de grande porte – garoupas, sargos e badejos. Júlio e Camilo, atônitos com o que viram, voltaram outras vezes aquele pesqueiro, na esperança de desvendar o mistério de que eram testemunhas. Um dia a enamorada tardou a aparecer. O crepúsculo já se aproximava quando, emergindo airosa e bela, subiu apressadamente a inclinação da laje para entregar-se aos braços de Marino. Entretanto, ao contrário das outras vezes, demonstrava ansiedade em voltar ao mar e fazendo entender o seu intento, encontrava oposição de seu amante, que a prendia nos braços sem querer desgarrar-se dela. Parecia resolvido a mantê-la para sempre junto dele.

Compreendendo a situação em que se achava, a jovem passou a debater-se desesperadamente, querendo gritar mas sem conseguir desprender a voz, nem emitir um gemido sequer!

Na luta que se desenvolvia Marino percebeu-lhe, na boca exageradamente aberta, a garganta obstruída por enorme guelra vermelha, que nos peixes funciona como órgão respiratório. Instintivamente, sem vacilar um instante, introduziu-lhe dois dedos na boca e num gesto rápido, volteando-os, estirpou, esponjosa e sanguinolenta, a guelra que a impedia de falar, mas que lhe dava condições de viver mergulhada nas águas do oceano.

Foi então que de seu esconderijo os dois rapazes ouviram a jovem falar e perceberam que, trocando juras de amor, perfeito entendimento se estabeleceu entre eles: ela seria Ondina, filha das ondas e, casada com Marino, formariam, os dois, o venturoso lar dos Marinhos.

Logo mais, protegidos pela sombra da noite que descia alcoviteiramente, o jovem par encaminhou-se à Toninhas, à casinha nova coberta de sapé com beirais rendilhados de róseas trepadeiras – que Marino havia construído há pouco, e lá, como em todas as estórias, a família Marinho cresceu, multiplicou-se e viveu muitos e muitos anos, alegre e feliz. Não posso afirmar, mas dizem que ainda há muito Marinho por aí…

Fonte: Narração de Washington de Oliveira (“Seu Filhinho”), extraída do  livro “Ubatuba, lendas e outras histórias”

GREMIO ESTUDANTIL DO GRUPO ESCOLAR DR. ESTEVES DA SILVA 1953


quarta-feira, 15 de julho de 2020

JOÃO ALEGRE CANTA E ENCANTA.............



Com muita emoção relembrando um homem do bem que amou nossa cidade. Aqui nasceu construiu sua história de vida. Na infância fomos as dançarinas nas noites quentes e enluaradas nas serestas....muitas histórias temos com o tio João Alegre.

CAISÃO DO PORTO .....DECADAS DE 40 E 50.




  Cais do Porto ou o popular " Caisão"  lugar de diversão , mergulhos , nadar,pescar, buscar peixes, fotos decada de 40 e 50.....Paulo Purcino - Pagina Memoria Paulista - Via facebook






PARTIU UBATUBA SP..............1960





Ano 1960.......No  Antigo Terminal Rodoviário do Glicério , em São paulo SP, passageiros juntamente com funcionários da Empresa Rodoviário Atlântico SA   posam para foto, enquanto aguardam a partida da viagem com destino a Ubatuba SP.
Foto de Gerson Sarak  via Facebook

segunda-feira, 13 de julho de 2020

CRUZEIRO DE UBATUBA DA DÉCADA DE 20.



Cruzeiro finais dos anos 20 do século XX. Observar que a Cruz já possui iluminação por ser um dos primeiros locais a receber a grande novidade de Ubatuba daquele momento.
As Amendoeiras da foto já estão com 30 anos.
Se ampliarmos o retrato veremos que atrás da Cruz há uma embarcação. Texto de Zizinho Vigneron via facebook.

Foto arquivo Thomaz De Carle Gottheiner.

terça-feira, 7 de julho de 2020

154ª Festa do Divino acontece a partir do dia 9, em Ubatuba






Não será como em anos anteriores, mas a paróquia Exaltação da Santa Cruz não vai deixar passar em branco o que já é tradição no mês de julho, em Ubatuba: a Festa do Divino Espírito Santo.

Em sua 154ª edição, a festa, que terá como tema O Espírito descerá sobre vós e o lema “E sereis minhas testemunhas” (At, 1,8), acontecerá neste ano  de 9 a 19 de julho, em um formato um pouco diferente: Novena na Igreja Matriz e a tradicional tainha na brasa no salão da capela São Francisco.

Abertura

A abertura oficial da festa acontecerá no dia 9, às 19h, com a apresentação do grupo de Folia do Divino e, em seguida, com a santa missa.

Já no último dia, a Missa Solene, que será presidida pelo pároco, Frei Wilmar Villalba Ortiz, acontecerá às 19h30, após uma carreata em homenagem ao Divino Espírito Santo.

Tainha

Para atender as normas sanitárias e de segurança, dispostas no Decreto Municipal n° 7364, de 15 de junho, a tainha assada será vendida com reservas antecipadas e hora marcada para consumo no Salão da capela São Francisco, somente de segunda a sexta-feira. Já nos finais de semana, o prato poderá ser pedido nos sistemas delivery e drive thru.

Outros produtos que marcam presença todos os anos na festa também estarão à venda, como o famoso merengue, o bolinho caipirinha e o pão com linguiça.

“Diferente dos outros anos, este ano a festa foi preparada de acordo com realidade de pandemia do Covid-19, por isso, ela será menor, mas não menos acolhedora e rica em espiritualidade e senso de comunidade”, disse Frei Wilmar.

O pároco também reforçou que toda a estrutura da festa, embora compacta, está sendo pensada de acordo com as medidas de proteção. “Estamos observando o distanciamento social, os equipamentos de higiene, a aferição de temperatura de todos os voluntários e demais medidas”.

Toda a programação e demais informações sobre a festa estão nas redes sociais da Paróquia Exaltação da Santa Cruz.

História

Embora a celebração ao Espírito Santo ocorra no calendário litúrgico no dia de Pentecostes, a “Festa do Divino” é realizada em Ubatuba sempre no mês de julho. Isto porque os antigos tinham por tradição festejar a terceira pessoa da Santíssima Trindade em comunidade, partilhando de comes e bebes da culinária local. Então, para confraternizar, eles aguardavam a chegada das tainhas, que migravam da região Sul nesta época do ano, para então pescá-las e assá-las na brasa, como é feito até hoje.

 

Serviços:

Paróquia Exaltação da Santa Cruz

Endereço: Praça Exaltação da Santa Cruz – Centro

Instagram: @paroquiaexaltacao

Facebook: /par.exaltacaodasantacruz

Tainha:

Valor: R$ 65,00

Reservas: Pelos whatsapp (12) 99162-4835 ou 99186-1436

Delivery: (12) 99149-5724 ou 99114-2562

 

Fonte: Paróquia Exaltação da Santa Cruz – Ubatuba/SP

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Quilombo em Ubatuba conta um pouco da história do Brasil







A cidade de Ubatuba é um dos principais destinos turísticos do paulistano, o motivo é, na maioria das vezes, o mesmo: suas lindas praias.

Poucos sabem que ali, em meio a sua mata preservada, aldeias indígenas e quilombos contam um pouco da história do Brasil.

Exemplo disso é o Quilombo da Fazenda, onde há venda de artesanato, almoço (sob encomenda) e diversas atividades culturais, entre elas, a mais famosa é a roda de conversa com o Sr. Zé Pedro, um dos mais antigos membros da comunidade, com mais de 80 anos.

Outro importante ponto de visitação desse quilombo é a Casa da Farinha, onde a farinha de mandioca é feita artesanalmente como no século passado.

O Quilombo integra a “Rota da Liberdade” reconhecida pela Unesco por sua importância histórica, o circuito engloba cidades do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira, para o turismo de memória da diáspora negra.

Almoço com comidas típicas

Quer visitar?

Ele está localizado na estrada de terra no km 14 da estrada Rio-Santos, sertão da Praia da Fazenda, região da Picinguaba, costa norte de Ubatuba.

Artesanatos feitos pela comunidade do quilombo

FONTE.................SITE........CATRATALIVRE.COMBR

LENDA DA GRUTA QUE CHORA





A segunda lenda da Serpente Sununga



Graciosa jovem de tez suavemente morena, olhos cinza esverdeados, farta cabeleira negra e ondulada, porte esbelto e curvas caprichosamente delineadas, Marcelina, até então alegre, forte e viva, de repente pareceu aniquilar-se, alimentando-se mal, perdendo as cores, visivelmente tímida, quase sem ânimo para as tarefas costumeiras e, de modo sumamente estranho, muitas vezes permanecia acomodada até alto dia, necessitando que alguém fosse alerta-la para que deixasse o leito.

Remédios já os havia tomado em grande quantidade, desde "vinho-composto" a chás de várias ervas, e até banhos de cozimento de folhas e flores já Lhe haviam sido ministrados, mas nada resolvia. Sinhá Anália confidenciava seus temores às amigas mais íntimas e estas procuravam afastar-lhe as preocupações:

- Ah, não é nada... é da idade... quantos anos ela tem? Quinze? Então tá aí, é da idade! Mas isso não tranqüilizava a apreensiva mãe que, interpelando a filha, revelando seus temores e fazendo indagações, recebia sempre respostas como esta:

- Que é isso, mãe? Estou boa, não sinto nada. A senhora está com medo só porque eu estou levantando um pouco mais tarde? Só porque ando com pouca fome? - e fingindo um sorriso - Se eu comesse muito aí a senhora ia achar ruim, é ou não é?

Dias se passaram, tristes e apreensivos, até que certa madrugada, ao raiar do dia, Sinhá Anália, que passava noites inteiras quase em vigília, ouvindo soluços provindos do quarto da filha para lá se dirigiu, encontrando-a abraçada ao travesseiro, abafando o pranto e murmurando palavras desconexas que pareciam ser:

- Não! Não vá... não quero... espere...

A desolada mãe, atordoada com aquelas palavras sem sentido algum, não alertou a filha. Acomodou-se aos pés da cama e se pôs a rezar, pedindo a Deus que Lhe desvendasse o mistério que aniquilava a filha.

De repente Marcelina começou a mover-se. Mui lentamente levou as mãos aos olhos como que procurando dissipar uma lágrima e depois, vendo a mãe ali postada, com voz entrecortada começou a falar:

- Que é isso, mãe? A senhora está ai? Está chorando? Ah, me perdoe... Eu sei... Eu estou fazendo a senhora sofrer... Mas... Não chore... Não se desespere... Eu sei que a senhora quer saber tudo, não é? Então escute... Eu vou contar o que tá se passando comigo! A senhora sabe a estória daquele bicho, daquele dragão que mora na Toca da Sununga, não é? Sabe, sim, porque todo mundo sabe. Por que é que toda gente deixou de passar por lá? Porque basta alguém chegar lá perto para o mar ficar bravo, chegando a jogar as ondas até na boca da toca, arrastando tudo, seja lá o que for que estiver por perto! Pescador, esse então nem se fala, esse navega lá de longe, pra mais de duzentas braças da praia e ai dele se chegar mais pra perto! Somem ele, a canoa, os apetrechos, some tudo, como já tem acontecido, é ou não é? Todo mundo sabe disso, todo mundo fala, mas até hoje ninguém disse que viu o tal dragão.

Isto é, ninguém disse, não, porque o "seu" Antero viu, viu e me contou. Ele me disse que numa noite tava chegando de viagem e como era muito tarde pra chegar na casa dele, na Praia das Sete Fontes, resolveu cortar caminho. Então foi andando por cima do morro, por trás daquela bruta pedra da toca. Mas aí, quando foi chegando perto, ouviu um rugido tão grande que se arrepiou todo! Quis correr mas não pôde, parecia que estava grudado no chão! Aí foi que ele viu o bicho que estava saindo da toca e andando pro lado dele! Era um bicho horroroso! De meio corpo pra cima era que nem aquele dragão que a gente vê nos quadros de São Jorge, onde o santo está fisgando ele com uma lança! O resto do corpo era que nem cobra, roliço, sem pernas, se arrastando no chão! Aí, a lua que tava clara, limpa, iluminando tudo, se escondeu por trás de uma nuvem deixando tudo escuro que nem breu! "Pronto, vou morrer!" - pensou ele. Fez o sinal da cruz, ajoelhou-se e começou a rezar o "Crendos Padre". O bicho parou e foi se encolhendo devagarinho, devagarinho, que nem cobra quando vai dar o bote, mas não fez isso, não. Ao contrário, fez a volta e foi sumindo no meio das árvores, pros lados da toca. Aí "seu" Antero me disse que pôde se desgarrar do chão e deu pra correr até chegar em casa, mais morto do que vivo! Lembra-se, mãe, daquele dia que o "seu" Antero me levou até a Maranduba pra assistir o casamento da Justina? Pois foi naquele dia, no caminho - conversa vai, conversa vem -,que ele me contou essa estória do dragão da Sununga.
O Dragão da Sununga é o responsável por deixar o mar tão agitado

Mas não sei, mãe, não sei porque aquele homem me contou isso. Não sei... Desde aquele dia nunca mais me esqueci do tal dragão, me parecendo estar vendo ele em toda parte, grande, gosmento, se arrastando no chão... Pra mim me parecia que ele tava na bica onde a gente lava roupa... no caminho que vai pra venda do "seu" Gardino... no acero da roça... até no rancho de guardar as canoas, me parecia que ele tava lá! Mas não tava, não! Era bobagem, mãe... Mas sabe que eu não tinha medo? Sabe que eu até tinha vontade de ver o tal dragão? Tinha mesmo... Juro que tinha... Pois uma noite - não foi sonho - eu tava acordada, tava acordada e vi quando ele veio sem fazer barulho, sem abrir a porta e entrou devagarinho aqui no meu quarto. Era o dragão, igualzinho, do mesmo jeito como o "seu" Antero me contou. Ai eu quis gritar pra senhora me acudir, mas quem diz que eu podia falar? Quem diz que eu podia me mexer? Aí o bicho foi chegando, chegando e ficando pequeno, tão pequeno que coube ali naquele canto perto da janela. Não demorou ele foi se enrolando, foi ficando do jeito de um tipiti bem grande e daí a pouco, mãe, aquilo foi virando gente e ficou do jeito de um moço, mas um moço bonito que Deus me perdoe - perdi o medo.

O moço ficou bastante tempo ali, de pé, me olhando com uns olhos azuis da cor do céu! E se riu pra mim... Aí eu me ri pra ele e ele veio vindo, veio vindo, chegou perto de mim, passou a mão nos meus cabelos... Depois sentou-se aqui na cama... Depois... Depois ficou comigo! Oi, mãe, ele foi embora só de manhãzinha, depois que o galo cantou três vezes... E eu fiquei com tanta pena... Tive até vontade de chorar... E chorei, não tenho vergonha de contar, chorei mesmo! Agora, mãe, não tenho vontade de trabalhar, nem de comer, nem de conversar, nem de nada. Minha vontade é de ficar aqui no quarto, de porta fechada esperando que a noite chegue e que o bicho venha e se vire no moço bonito, pra ficar comigo até de manhãzinha. Ainda há pouco, mãe, eu tava chorando. Tava chorando porque ele tava indo embora sem querer me ouvir. Eu tava pedindo pra ele ficar, mas ele nem ligou... Toda vez que vem aqui, vai embora antes do dia clarear. Não adianta pedir, não adianta chorar, ele não liga e vai embora. Então, é como já disse, eu fico aqui sozinha, pensando nele, até que volte outra vez pra ficar comigo...

* * *
Esta revelação Sinhá Anália ouviu-a no auge do desespero, quase arrastada às raias da loucura. Mas, que fazer? A quem apelar? Nada mais Lhe restava senão rezar e pedir a parentes e amigos que fizessem o mesmo, a fim de que um milagre a livrasse de tão iníqua provação.



* * *
Passava o tempo, quando certo dia bateu-lhe à porta um trôpego velhinho - talvez um monge, envolvido num manto andrajoso - que, com voz sumida e rouca pediu-lhe alguma coisa para comer, bastava um pedaço de pão com que pudesse mitigar a fome que lhe corroía as entranhas. Sinhá Anália, amargurada mãe que sofria tanto, ainda encontrou fibras sensíveis em seu coração para se compadecer do mísero viandante, faminto, maltrapilho e exausto. Fazendo-o entrar, agasalhou-o, deu-lhe de comer e depois de reanimá-lo, atendendo às suas indagações, relatou-lhe todo o infortúnio, toda a razão da tristeza que consternava aquela casa.

O velhinho ouviu-a, imoto, impassível, como em prece, como que absorto em pensamentos distantes. Finda a narrativa, fez Sinhá Anália sentar-se junto dele e revelou-lhe que, de há muito, bem longe dali, em sua peregrinação, já ouvira falar do monstro satânico que atormentava a população daquele bairro. Justamente por isso é que ali. viera, por inspiração divina, a fim de libertá-la da opressão que lhe infringia o Espírito do Mal.

Essa revelação correu célere pela redondeza, reunindo conside-rável multidão que, certo dia, sem temor, acompanhou o venerável ancião na caminhada que fez em direção á toca que abrigava o dragão da Sununga.

Caminhavam todos trôpegos, arfando, escalando a encosta pedregosa até atingir o cimo do íngreme penedo que recobre a desmedida gruta. Ali chegando, o monge ergueu os braços num largo e lento gesto do sinal da cruz, e ao murmúrio de piedosa prece, espargiu por sobre a pedra a água que levara num pequenino púcaro.

Naquele instante um trovão violento fez estremecer a terra, atordoando a multidão em prece! O mar, rugindo em doidas convulsões, projetou-se violento contra a impassibilidade das rochas, para retroceder, abrindo-se ao meio, bem em frente à toca, dando passagem ao monstro apocalítico que por ali avançou rugindo, sumindo ao longe, na profundeza das águas!

* * * 

Nunca mais se teve notícia do dragão da Sununga. De Marcelina, sabemos que embora arredia, taciturna, ainda viveu por longo tempo, conservando traços da rapariga que fora "de tez suavemente morena e olhos cinza esverdeados, farta cabeleira negra e ondulada", e mantendo o "por-te esbelto e curvas caprichosamente delineadas"!

Hoje, quem se postar no interior da lendária gruta, perceberá cair lá de cima, das ranhuras da pedra, uma seqüência de pequeninas gotas que se infiltram na areia branca e fina que alcatifa o chão.

Dizem, alguns, que são remanescentes gotas da água benta espargida pelo monge, que ainda caem, a fim de que o dragão jamais possa voltar.

Outros, porém, afirmam que são lágrimas de Marcelina, que lá voltou muitas vezes, na esperança de que o dragão, feito moço bonito, ainda voltasse, para ficar com ela a noite inteira, até os primeiros albores da manhã!