terça-feira, 30 de abril de 2024

O cambucá e a cultura caiçara



 
 

Quem aí já comeu cambucá levanta a mão! Como é? Que gosto tem? Como falar do cambucá se no mundo semelhante coisa não há? O cambucazeiro é árvore silvestre, nativa, esguia de porte, de tronco liso e a ramagem fica lá no bem alto onde frutificam.

Lembro-me de que arrancávamos a estilingadas os cambucás dos três pés que havia na beira do rio Grande, perto do grupo escolar Dr. Esteves da Silva. Sim, usávamos o estilingue, uma espécie de videogame da minha infância. Todo moleque tinha um.

Na mesma margem do rio Grande, no quintal da casa de dona Madalena, já falecida, a segunda mãe da criançada que estudava naquele grupo escolar, onde ela era funcionária, ainda há um velho cambucazeiro, talvez um parente daqueles outros três. O filho de dona Madalena, o Laci (mentiroooooso!), com quem compartilhei bons momentos da infância, prometeu-me uma muda há trocentos anos. Tô esperando. Pela demora, ele deve estar tentando algum tipo moderno de enxerto ou quem sabe esperando a vinda de algum técnico da EMBRAPA para resolver o caso.

A boca fica cheia d’água quando se pega a falar do cambucá. Fruta igual não há. Mas não é só do cambucá que vive o pomar da minha memória, há outras coisas da infância caiçara, desse modo de ser praiano que, aos que têm menos de quarenta e não nasceram em Ubatuba, torna-se difícil descrever ou explicar.

Quando alguém hoje em dia me fala emocionado em resgatar a cultura caiçara, fico com o pé atrás. Sempre me pergunto se esta palavra - resgatar - tem para esse alguém o sentido de tirar do esquecimento e se é clara a finalidade que motiva esse intento. Fico ensimesmado, duvidando de que esse lidar com o folclore não passe de mero hobby que, para alguns, acabe por servir de ganha pão em algum órgão público ou noutra organização.

Não vejo como resgatar alguns desses bens da cultura caiçara se não se tiver por meta integrá-los à atividade econômica, atrelá-los ao turismo. Isso porque aos ubatubenses de hoje, a cultura caiçara não tem mais sentido, não lhes é vital. E sei também que tudo aquilo que for resgatado não será mais do que um espelho embaciado do que foi um dia. Hoje, uma apresentação de, por exemplo, um grupo de dançadores de xiba ou de São Gonçalo, mesmo que dentre eles haja um ou outro remanescente dessa cultura, acaba sendo algo deprimente. Pelo fato de serem pessoas pobres e de não haver nenhuma forma de recompensa material por essas apresentações, por esse "resgate". Nem mesmo têm a possibilidade de transmitirem essas tradições às novas gerações, porque estas vivem outra realidade social. Estão noutra.

A cultura é a expressão viva do modo de ser de um povo, a expressão espiritual de uma comunidade. O caiçara era o amálgama dos modos de ser do português e do índio, alinhavados e bem costurados pelo catolicismo. O espaço vital, o contexto em que se realizou a cultura caiçara não existe mais. O município, ao longo de algumas décadas, foi submetido a um processo radical de aculturação devido ao turismo e às ondas de migrantes que aqui se espraiaram. Para complicar, ocorreu aqui, e creio que em tudo quanto é lugar do mundo, uma fabulosa proliferação de seitas religiosas sem nenhum vínculo com a tradição, despidas de rituais e de símbolos que fazem das grandes religiões essa incomensurável ponte entre o mundano e o divino.

Há coisas da minha infância praiana que, assim como o sabor do cambucá, são inexplicáveis e quase incomunicáveis a quem não as vivenciou e que hoje não têm mais sentido. Falei acima da dança de São Gonçalo porque era comum, na exígua sala da casa de minha avó materna, presenciar essas manifestações do sincretismo religioso que, no passado, tão bem serviram à fé, à aproximação, à fraternidade entre os habitantes desta terra. Pois é, como o sabor do cambucá, que dá água na boca, há também outras coisas, modos de ser caiçara que ao bailarem na memória, acabam por encher os olhos d’água. Para finalizar, aproveitando o ensejo, ô Laci, mentirooooso! cadê a minha muda?!


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.


FONTE   :  https://www.ubaweb.com/revista/g_mascara.php?grc=4932


segunda-feira, 29 de abril de 2024

HOUVE UM TEMPO....

 

 Houve um tempo em que grande parte da riqueza produzida nas cercanias, desde o Sul de Minas até o Vale do Paraíba e adjacências, saiam pelo porto desta cidade (Ubatuba), sobretudo aquela relacionada ao contexto da mineração e da cafeicultura. O governo provincial garantia um controle fiscalizador para evitar evasão de taxas. Na rotatória da referida cidade, onde atualmente se encontra a estátua do pescador, estava localizado o primeiro posto de controle; subindo a serra, quase chegando em Taubaté, no atual Bairro do Registro, ficava outro. No acesso para Passa Quatro, indo para os sertões das Minas Gerais, controle maior se fazia necessário. Para isso, a via (que passava por São Luiz do Paraitinga e ganhava o interior) precisava estar sempre recebendo melhorias para não perder a devida movimentação portuária na localidade litorânea. No livro de Registro de Correspondência da Câmara Municipal de Ubatuba aparece a reclamação dos vereadores contra o município vizinho que não cumpre com a obrigação de cuidar da via em seu território. Isto no ano de 1838. Era notório que os interessados (fazendeiros e comerciantes que utilizavam o acesso à saída marítima) não podiam ter outra saída, deixarem de garantir os lucros que movimentavam a vida da sociedade ubatubense. Mas...segundo a farta documentação, a coisa desandou. A movimentação foi se dirigindo a outros acessos. Exemplos: Paraibuna e Paraty. Tem um trecho documentado que deixa bem claro a afirmação da Estrada Real no território fluminense: 

"Pouco a pouco derivando as tropas que se dirigem a este já florescente porto vai se encaminhando para Parati, que como é sabido, vantajosamente seus habitantes sob a proteção do Governo, vão pondo suas estradas no maior grau de perfeição, enfraquecendo e diminuindo por consequência o produto das Rendas Nacionais..."

PUXADA DE REDE

 



              


Baixei uma foto excelente - "Puxada de Rede" -, em preto e branco, do site Litoral Virtual. Cinco pescadores na praia do Itaguá, puxando a rede do fundo do mar, de um mar de poucas

ondas, soturno. Entre ele e os homens, cercando a rede que vem surgindo das águas, um bando de gaivotas e pequenas garças brancas. Todas estão atentas, ignorando a presença dos pescadores, de olhos fixos na rede de pesca que aos poucos surge, na expectativa de que algum peixe possa ser surrupiado.

Para quem conheceu este mar nesta mesma baía há trinta, quarenta anos, o cenário desta foto é deprimente. Sabemos que os peixes, se apanhados, talvez mal dêem para encher um samburá. Mas os pescadores insistem, talvez porque não saibam fazer outra coisa, ou porque não haja outra coisa a fazer para ganhar o sustento. E as aves estão ali, atentas, esperançosas, dependentes desses homens para matar a fome. Além dos pescadores, é melancólica também a presença das pequenas garças brancas que estão se tornando aves marinhas por força das circunstâncias. É a luta pela sobrevivência.

Esta foto, se tirada no mesmo local nos tempos de minha infância, a rede seria bem maior, não estaria tão vazia, muito mais pescadores estariam envolvidos, e não haveria as garças brancas. Essas pequenas garças eram então aves silvestres, raramente se aproximavam das pessoas, de vez em quando as víamos no alto das árvores às margens do rio Grande. Os rios, todos eles piscosos, davam de comer a essas espécies de animais e também ao homem. Praia era para gaivotas e urubus, e estes eram ariscos, não se aproximavam tanto assim como as aves da fotografia. As gaivotas, se a foto fosse tirada naquela época, estariam sobrevoando o local, mais por curiosidade do que para saciar a fome. Quem conheceu, nos velhos tempos, as pescarias de arrasto na praia do Cruzeiro e na do Itaguá sabe do que estou falando, e lembro-me de que, depois do festim dos urubus com os peixes menores, abandonados na areia, espécies que hoje se venderia facilmente no mercado, vinham os funcionários da Prefeitura para enterrar o que restava. Os camarões graúdos, os peixes nobres e os de porte eram dos pescadores - robalo, corvina, pescada, linguado, pampo etc.

A foto é bem a Ubatuba de hoje: homens desanimados pescando no incerto mar do futuro com a puída rede da esperança. Mas esse mar tem de ser fecundado e, para isso, será preciso a imaginação de todos. A questão não se reduz à eleição deste ou daquele político, é preciso imaginar a Ubatuba que queremos viver e que esta Ubatuba do futuro dite as nossas condutas no presente.

"La democracia significa la intervención de las personas como tales en la vida colectiva [...] El ciudadano, en una democracia, es ’autor’ del mundo futuro, y por conseguinte responsable de él. Tiene que representarse dónde y cómo desea vivir, qué figura puede adoptar su circunstancia inmediata, cuáles van a ser sus posibilidades, su horizonte, sus deberes. [...] Hay que imaginar, no solo como va a ser mi vida, sino también la de los demás. Esto obliga a un ejercicio serio de la imaginación. Hay que tener presente el pasado, sobre todo el cercano, hay que lograr una anticipación de lo que se va a intentar conseguir. Hay que hacer el recuento de lo que se tiene, de lo que falta, de lo que se ha ganado o perdido y sobre todo de lo que se puede ganar o perder." (Democracia e imaginación - Julián Marías)


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.

FONTE  :   https://www.ubaweb.com/revista/g_mascara.php?grc=2634

domingo, 28 de abril de 2024

DOCUMENTOS A SEREM MOSTRADOS ....

 

  Neste blog eu já escrevi a respeito de diversas ruínas de fazendas que tive oportunidade de conhecer em Ubatuba, desde a mais famosa (do capitão Romualdo/Estevené, na Lagoinha) até a desaparecida dos Antunes de Sá na Caçandoca. Porém, tenho consciência de que  outras ainda nem foram tiradas do mato. Pressinto que, nessa onda de invasões de posses antigas e até mesmo de destruição da mata nativa, corre-se o risco de mais documentos desse município sejam destruídos.

   Eu tenho as ruínas como documentos, como provas de um outro tempo. Dias desses, passando pela Estação Experimental, na rodovia Oswaldo Cruz, pensei na capela na beira da estrada, onde outrora abrigava um cemitério de escravizados. Isso mesmo! Antigamente, as pessoas brancas eram sepultadas na cidade, mas os negros que produziam as riquezas jaziam em terrenos reservados nas fazendas. Na mata da Raposa, no morro da Lagoinha e em outros sítios, trabalhadores e trabalhadoras tinham o seu descanso eterno.

   Se tinha escravizados, tinha fazendas, era produzida riqueza. Prova disso era o casario no centro da cidade que, infelizmente, somente os mais idosos podem se recordar, pois não houve preservação para a posteridade. A cana, no século XVIII, foi intensamente  cultivada, principalmente para a produção de aguardente. Um golpe à economia local veio por uma medida governamental, do governador Bernardo José de Lorena, obrigando os produtos serem negociados apenas no porto de Santos. Mais tarde, na fase cafeeira, um ressurgimento econômico anima a população. Pelo porto dessa cidade, grandes carregamentos garantem patamares extraordinários. No biênio 1835/1836, Ubatuba desponta como maior exportador de café do país, conforme os dados fornecidos por Afonso Taunay. É, sobretudo nessa época, que  despontam as grandes fazendas. As ruínas são as provas. Portanto, deveria ser de interesse histórico e econômico (turístico) o mapeamento desses vestígios, os tombamentos dessas áreas e um redirecionamento, inclusive na área da educação escolar. Somente tais medidas preservariam esses tesouros tão destratados até então. São documentos a serem mostrados.

A cultura que resiste na alimentação

 



O estilo de vida caiçara, que sofreu intenso impacto do turismo em regiões costeiras, encontrou na culinária uma forma de valorização e resistência social

CRÉDITO: FOTO DIVULGAÇÃO

A zona costeira brasileira está em permanente transformação. Prova disso são as interferências sofridas pelas populações caiçaras ao longo de sua história. Os caiçaras são um povo tradicional das regiões costeiras dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina,  que habitam espaços entre a mata e o mar e utilizam diferentes ambientes da zona costeira – como estuários, manguezais, praias, restingas e lagunas – para sustentar seu modo de vida.

A cultura caiçara está representada nos mais diversos saberes e costumes tradicionais, impressa em sua forma de moradia, linguagem, música, dança e alimentação. Tudo em conexão com a natureza, numa construção que se deu ao longo do tempo e tem se propagado através das gerações.

Mas é fato que esse estilo de vida integrado à natureza e dela dependente sofreu intenso impacto em meados do século 20, quando o turismo em regiões costeiras aumentou e a demanda por casas de veraneio levou à expropriação das terras caiçaras. Em paralelo a esse processo, uma nova política governamental estabeleceu a proibição da ocupação e dos usos tradicionalmente realizados pelos caiçaras nos parques que foram criados a partir da década de 1970. Assim, a vida caiçara foi, pouco a pouco, transformada.

A retirada de seu território tradicional acarretou diversos problemas para as comunidades. Uma das consequências foi a inserção forçada dos caiçaras a um novo território – o centro das cidades –, o que provocou mudanças em seus costumes tradicionais. O distanciamento do mar, da pesca e da floresta somado à dificuldade de praticar o roçado e construir suas canoas teve reflexos na alimentação do caiçara.

Essas novas condições também acarretaram em uma separação dos jovens com relação ao viver tradicional nas comunidades, uma vez que os conhecimentos e costumes passaram a ter pouca repercussão em suas práticas, incluindo a culinária.

Além dos fatores sociais, mudanças ambientais, como a diminuição da abundância de peixes e a degradação da qualidade do meio ambiente, foram determinantes para a perda da cultura alimentar caiçara. Além disso, a conveniência com a vida moderna ampliou o acesso a produtos industrializados, como alimentos processados, que modificaram a dieta tradicional.

Recentemente, porém, por meio da articulação das comunidades e do renascer das atividades de dança e folclore, que fortalecem os saberes tradicionais e reconstroem um espaço de coletividade, a cultura caiçara tem sido resgatada e valorizada. Um exemplo está nas iniciativas de turismo de base comunitária, que têm a tradição alimentar como elemento central. É o que acontece na reserva extrativista do Mandira, no litoral sul do estado de São Paulo, onde os mais velhos cultivam em seus quintais produtos tradicionalmente utilizados na culinária caiçara – mandioca, batata-doce, cará, cará-moela, cará-espinho, inhame, banana, cambuci e gabiroba – e mantêm entre seus costumes atividades relacionadas à pesca, como a salga e a defumação.

O fortalecimento da identidade cultural caiçara a partir da sua culinária é, portanto, uma forma de valorização e resistência social. A culinária caiçara constrói uma ponte entre o passado e o presente, conectando o futuro com a riqueza singular dos povos do mar.


Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, Rede Ressoa Oceano
Instituto Oceanográfico
Universidade de São Paulo
Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano
Rede Ressoa Oceano










Azul-Marinho Oficial

 



 Imagem meramente ilustrativa (da internet) não faz parte da matéria oficial

 
 

Quem diria, hein? O nosso Azul-Marinho, o nosso consuetudinário peixe-com-banana-verde, o nosso escaldado agora é lei. Não que andasse na ilegalidade, não, não é isso. É que, por força de lei municipal, tornou-se um patrimônio histórico e cultural. O que isso quer dizer exatamente não sei, mas que deu um certo status à bóia caiçara, lá isso deu. A receita, inclusive, tá lá no texto da lei para que ninguém se meta a contraventor, invente ingrediente ou ponha no prato uma pitada a mais do que quer que seja. Torço para que seja regulamentada por decreto e que se estabeleça multas para quem sair fora dos trilhos, digo, da receita. Sugiro ainda que a receita das multas por infração à receita vá para um fundo social, do tipo caiçara prato limpo. Imagino o Azul-Marinho, em breve, incluído na merenda escolar. Além de cidadã, é uma proposta pedagógica salutar. Agora, cá entre nós, sabe que eu até ouso sonhar com o dia em que a FAU da ONU haverá de declará-lo patrimônio cultural e gastronômico da humanidade?

Alguém poderá dizer que estou ficando doido; mas, meu leviano leitor, pare para pensar um pouquinho. Para que o Azul-Marinho não fique só no texto da lei é preciso que haja alguma intervenção internacional, não só para a preservação das espécies marinhas adequadas à receita, já que o Brasil é relapso quanto às suas águas litorâneas, mas também da banana, que, segundo certos cientistas, tende, como espécie, a desaparecer da natureza. Se o peixe já anda escasso, extinta a banana, neca de Azul-Marinho. Mas é preciso mais, com o pescado a custar os olhos da cara, tem de haver uma intervenção estatal no mercado.Tabelamento de preços. Onde já se viu, R$ 12,00 o preço do quilo da garoupa?!

Ah, e tem mais, o dia 28 de junho, tá lá na lei, será consagrado ao Azul-Marinho. Poder-se-ia declará-lo feriado municipal. Quem sabe meio expediente, pelo menos. Folga do meio dia pra tarde. Quem é que agüentaria atravessar a rua, depois de um opíparo escaldado de peixe com banana verde regado com molho de pimenta malagueta? E veja que estou deixando de fora a caipirinha. O sujeito quer mais é rede na sombra para uma madornazinha, que ninguém é de ferro.

De tão locupletada, chega me dar arrotos, a imaginação. Já antevejo, na referida data cívica, numa tradicional casa caiçara, na cozinha ou na sala de jantar, a família reunida, todo mundo em pé, em torno de uma mesa posta, onde, no centro, solenemente disposta, uma travessa fumegante de Azul-Marinho, recendendo coentro. Aí então, todos os comensais, compenetrados e perfilados diante do homenageado, entoam o Ubatuba yes, yes, yes. Chego a ter um orgasmo por esse resgate da cidadania caiçara.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.

FONTE  >  
O Guaruçá - Azul-Marinho Oficial (ubaweb.com)

EC Beira Mar 1951-1952 , Campeão ubatubense

 

EC Beira Mar 1951-1952 , Campeão da Cidade de Ubatuba . Time :Almeida , Antônio do Hotel ,Rochinha ,Zezito, Zeca Marques , Tavinho , João Coutinho , Walter Carpinetti, Evaristo , Orlando Carneiro , Joaquim Tavares .Agachados : Guilherme Tavares , Bidico , Antônio Barbosa , Nego Chieus e Nezinho .

BRASILIA A C - BAC - Ano 1984

 


DISCURSOS E COMPROMISSOS


      Ubatuba, tal como quase todas as cidades litorâneas estabelecidas pelos “descobridores” portugueses no início da colonização, passou por várias crises econômicas. Os motivos foram diversos: esgotamento do pau brasil, clima inadequada para o cultivo da cana, solo empobrecido pelo cultivo intenso de café, invasão de terras no interior do país (novas áreas agrícolas), descoberta do ouro nos sertões, falta de vias adequadas para acesso ao porto marítimo, decisões arbitrárias de governantes etc. Por consequência, uma população pobre precisou se agarrar firmemente nas tradições básicas de sobrevivência, tal como caça e pesca, cultivo da mandioca, banana etc.

     Já aprendemos que, na história do Brasil, neste contexto acima, não havia educação básica. A catequese dos padres até podia alfabetizar, mas a intenção maior era “conquistar almas para Deus”, expandir a religião católica, tornar as pessoas conformadas aos ditames dos poderosos políticos, dos que detinham o poder econômico. Os filhos destes (“senhores da terra”  que se aproveitavam do suor dos indígenas, negros e brancos marginalizados) tinham a chance de irem morar em cidades grandes e até na Europa para prosseguirem nos estudos. Dá para imaginar, então, quais eram as perspectivas dos trabalhadores e suas famílias que apenas tinham o trabalho, a preocupação com a sobrevivência? Nenhuma! Aqui, nem os padres, primeiros professores deste território imenso, se atreveram a pensar na educação da população. Pelas leituras, eu pude concluir que apenas no final do século XIX apareceu gente que se voltou para essa questão da educação escolar. Foi o médico Esteves da Silva e outras pessoas instruídas da cidade que se debruçaram sobre a preocupação da falta de escolarização e fundaram o Ateneu Ubatubense.        

       No livro do Seo Filhinho, Ubatuba Documentário, tem uma passagem interessante, ocorrida em 1881, quando pouco mais de doze lampiões de querosene foram instalados no centro da cidade, nas esquinas principais, para iluminarem as noites. Eles duraram décadas. Era a iluminação pública que fazia sucesso. À querosene! Mas escolhi o referido evento porque os vereadores produziram um texto na ocasião da inauguração, cujo último capítulo é o seguinte: 

Esta Câmara saúda a Associação do Ateneu Ubatubense à frente da qual se acha o seu mui digno e ilustrado Presidente Dr. João Diogo Esteves da Silva, pelo projeto da criação da aula noturna para adultos, melhoramento intelectual de grande alcance, pois que esta Câmara está convicta de que a maior riqueza das nações e assim das frações desta é a instrução derramada pelo povo e os melhoramentos materiais para o bem-estar do mesmo povo.

       Posso inferir que o jeito foi começar alfabetizando adultos, sensibilizá-los para, no futuro, incluir a educação às crianças. Caso contrário, somente quem pudesse pagar por aulas particulares seria alfabetizado. Certamente o médico, proveniente da cidade do Rio de Janeiro, trouxe uma bagagem repleta de livros e aqui encontrou outros homens - pouquíssimos! - influentes com farto material enfeitando estantes. Se entrosaram e fundaram o Ateneu. Pronto! O saber lançou raízes, se expandiu!

      Quisera eu que não fosse esquecida  a última parte do texto inaugural: “...esta Câmara está convicta de que a maior riqueza das nações e assim das frações desta é a instrução derramada pelo povo e os melhoramentos materiais para o bem-estar do mesmo povo”. Ubatuba é uma fração desta nação. Os legisladores atuais da cidade pensam assim ou seus discursos são apenas palavras ao vento, sem comprometimento ?

sábado, 27 de abril de 2024

PEREQUE AÇU RECEBE EVENTO SOBRE A CULTURA DA CANOA CAIÇARA COM MUSICA, COMIDAS TIPICAS E CORTEJO MARÍTIMO

 

 

 

A Associação de Amigos e Remadores da Canoa Caiçara completa 10 anos em 2024. Para celebrar a data, no próximo domingo (28) o bairro Perequê-Açu recebe um evento sobre a cultura local. A festividade será no Rancho Caiçara Antônia dos Santos Mariano.
Durante o evento, o Fórum de Comunidades Tradicionais realizará o lançamento da Campanha Territórios Vivos: Cultura, Tradição e Resistência, que celebra e fortalece as culturas tradicionais indígena, caiçara e quilombola de Ubatuba!

Confira a programação

8h – Café da manhã colaborativo
8h30 – Início da Travessia de 10km – Prova Feminina
9h – Vivência em Terra: Maricultura
10h – Início da Travessia de 10km – Prova Masculina
10h30 – Vivência da Terra: Consertar Peixe e Pirão
11h30 – Vivência de confecção do Remo e da Canoa Caiçara
13h – Almoço com Samba Caiçara
14h30 – Cortejo Marítimo
15h – Lançamento da Campanha Territórios Vivos Homenagens e Premiação
17h – Baile de Fandango Caiçara
19h – Samba do Quilombo do Campinho

📸 : Prefeitura de Ubatuba
FONTE - MATÉRIA RADIO COSTA AZUL FM UBATUBA SP

LIRA EMBALA MANHÃ DE DOMINGO NA PRAÇA

 

🎶🎼Quem gosta de música já tem programação gratuita para aproveitar neste domingo em Ubatuba. A Banda Lira irá se apresentar, às 10h30, na Praça Anchieta (em frente ao Sobradão do Porto), com seu repertório de músicas instrumentais, do clássico a canções populares conhecidas de todo o público.
📢A iniciativa faz parte do projeto Música na Praça, desenvolvido pela Associação Lira Padre Anchieta, que promove apresentações gratuitas nos espaços públicos da cidade com objetivo de proporcionar um momento de cultura e lazer para moradores e turistas.

EQUIPE DE FUTEBOL DE ILHA BELA REALIZA AMISTOSO CONTRA O UBATUBA FOOTBALL CLUB - ANO 1923

 

O amistoso mais antigo do futebol de Ubatuba que existe registro ,em 15 de Março de 1923 .Visita de um time de Ilha Bela . 1) Futebol

Colaboração de

Janos Karoly Szenczi

CLUB ATLETICO ITAGUA - VICE CAMPEÃO UBATUBENSE DE FUTEBOL - ANO 1964

 



domingo, 21 de abril de 2024

CAMINHO DA RUINDADE

 

Vô Estevan e o mano Guinho - Arquivo JRS

    Meu avô Estevan contava histórias. Nunca me esquecerei das tardes, apreciando o mar, eu e mais pessoas se postando ao lado dele para escutar as empolgantes narrativas. Criado pela casa dos outros devido a morte precoce dos pais, não sei dizer como ele aprendeu tanta coisa, tinha na memória tantas narrativas fantasiosas, de causos e fatos. Desconfio que eu herdei um pouco desse espírito dele. 

   Dos fatos históricos, sobretudo do território da Caçandoca, onde nasceu o querido vovô, mais tarde, escutando os moradores mais antigos, eu pude confirmar muitas passagens das narrativas dele. Histórias de negros eu escutei muitas. Hoje, relendo um documento de 1834, falarei a respeito do tráfico negreiro em Ubatuba, nas terras da Caçandoca e adjacências. Creio que ajudará muita gente a conhecer um pouco mais da nossa história, rever posicionamentos ideológicos, além de pretender fomentar o turismo cultural nesse município litorâneo. O ponto de partida é o Caminho da Ruindade, como os mais velhos a chamavam. Ela ainda faz a ligação entre o litoral e a Serra Acima! Originalmente ele partia do Saco das Bananas, atravessava o Sertão da Quina e chegava na Vargem Grande, no município vizinho de Natividade da Serra.  Era por esse caminho que se fazia a condução dos negros escravizados para a venda no "planalto" (Vale do Paraíba, Sul de Minas etc.), escapando das autoridades, principalmente a fiscalizadora e cobradora de taxas. (Lembremos que, em Ubatuba, a Casa de Barreira ficava onde atualmente está a estátua do Pescador, na rotatória de acesso à rodovia Oswaldo Cruz). Pelo mesmo caminho, na serra íngreme, passavam produtos e pessoas. Foi por ele que muitos caipiras vieram se juntar aos caiçaras, se miscigenaram e expandiram nossas raízes culturais, se enriqueceram mutuamente nos diversos bairros (Corcovado, Sertão da Quina, Maranduba...). Mas vamos ao documento. Trata-se do Conselho de Governo, uma espécie de Congresso Nacional da época, se dirigindo à Câmara Municipal:

Por mui circunstanciadas informações e documentos autênticos, a omissão do Juiz de Paz e Suplente dessa Vila no cumprimento de seus deveres e execução da Lei, sobre a introdução de escravos africanos que se tem realizado por diversos pontos do Distrito dessa Vila, no entretanto, que o dito Juiz asseverava ao Governo que nenhum indício havia de semelhante crime, aliás de notoriedade pública, e tanto que dois dos referidos escravos, evadindo-se do lugar em que se achavam retidos, foram apresentar-se a bordo da Escuna FLUMINENSE, que cruzava na costa por ordem do mesmo Governo e fizeram conhecer ao comandante que na Enseada do Bananal [Saco das Bananas] existia grande número deles (...). E sendo, portanto, ambos [Juiz e Suplente] na forma da Lei solidariamente responsáveis, o referido Conselho os suspendeu no exercício do cargo de Juiz de Paz para responderem em Juízo competente por uma tão criminosa omissão no cumprimento de seus deveres e observância da Lei.

    Portanto, Ubatuba foi sim um ponto dessa vergonhosa criação que é a escravização humana, dos africanos. Muitas das autoridades constituídas fizeram o que puderam para continuação dessa vergonhosa página da nossa História. Nos dias atuais vemos uma tendência reacionária muito forte na política brasileira atuando para retirar as conquistas trabalhistas, negar os direitos humanos, exterminar os povos originários, perseguir as minorias sociais etc. Tudo isto não é uma versão atual do Caminho da Ruindade?

Em tempo: o Caminho da Ruindade hoje é a Trilha do Campo que liga o Sertão da Quina à Vargem Grande. É de difícil acesso, mas continua lá. Tudo lindo por lá! 

Largo da Igreja dos Pretos

 

  Paisagem  Arte    de  Maria Eugenia

Eu estava de passagem, indo na direção da praia. Pretendia contemplar o mar e seguir ir até o Mercado de Peixes para comprar camarão e rever velhos conhecidos. Ouvi um alarido, fui me aproximando. Tambores falavam alto, pessoas dançavam vestidas em suas roupagens variadas, alegres. Sacerdotes estavam no meio daquilo tudo, muito simples, com pessoas bem animadas. Coisa bela! Era uma celebração confirmando a participação de crenças em união, sincretismo religioso num ato que recordava determinado aspecto da história do município de Ubatuba. Alguém próximo comentava a importância de tudo aquilo:  

"É para marcar, não deixar apagar a memória de que aqui os negros escravizados tiveram uma igreja católica quando não podiam frequentar o mesmo templo que os senhores brancos. Aqui, nesta praça era a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Ela foi demolida há muito tempo, tendo algumas de suas partes aproveitadas para a conclusão da Igreja Matriz, o local sagrado dos homens brancos logo ali. Esta celebração puxada pelo grupo de maracatu e pastoral católica é para reavivar, resgatar a história deste lugar”. 

    Achei o máximo. Passava da hora de não deixar apagada um importante fato da nossa história. A municipalidade bem que poderia formar uma junta de pesquisadores, escavar, deixar um espaço protegido para que as pessoas apreciassem possíveis vestígios que estão debaixo da estátua da Nossa Senhora da Paz de Iperoig, produzir um marco histórico, fazer constar no calendário cultural etc. É isso mesmo! Estou me referindo à praça que se localiza na zona central da cidade de Ubatuba, próxima do mar, do casarão da Fundart e da igreja matriz; local que já recebeu a denominação de Praça do Rosário, Praça Marechal Deodoro, Praça da Bandeira e, finalmente, Praça de Nossa Senhora da Paz de Iperoig.  Vamos fazer uma análise do discurso? Religião e politica estão de mãos dadas. Predominava, possivelmente, apenas a denominação de largo da igreja dos pretos. Depois da destruição do templo, a religião católica determinou a homenagem à prática devocional do rosário. Vencida a monarquia, os republicanos a batizaram com o nome do marechal. Em seguida, na onda do civismo, se voltaram ao símbolo da Pátria (tão vilipendiada nos dias atuais por aqueles que são a favor da entrega de nossas riquezas aos grupos estrangeiros, mas se dizem patriotas, destroem a capital federal, cultuam o sionismo, são contra a democracia, espalham mentiras para alienar mais gente etc.). Por fim, os senhores da terra outorgam a Nossa Senhora como interventora na submissão e destruição da etnia Tupinambá, sob a classificação de paz. Paz para quem? Certamente não é para os povos originários, nem para os descendentes dos africanos que foram tornados escravos. É isto: será que não está na hora de voltar a ser o Largo da Igreja dos Pretos?