Júlio César Mendes MEMÓRIAS... DO CANHÃO
Isso tudo aconteceu nos áureos tempos em que o porto da Prainha era o mais importante da cidade, a rua Baltazar Fortes se chamava rua do Cuá, a rua prof. Thomaz Galhardo se chamava José Adornos, o campo de aviação era na praia do Cruzeiro, o casarão era bar e bilhar Budapeste e etecetera e tal.
Tudo corria com tranquilidade até que no fatídico ano de 1932, por divergências políticas entre São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, houve a grande revolução, deixando em polvorosa, todo o Estado. Em Ubatuba não foi diferente e mais preocupante ainda, por ser a cidade, divisora com o estado do Rio de Janeiro. Foi mesmo um furdunço só, fazendo com que o povo deixasse suas casas na cidade e fossem se refugiar nos bairros mais retirados. Tinha gente que até no mato dormia. O prefeito daquela época, o então “Capitão” Deolindo de Oliveira Santos, para maior segurança dos seus munícipes tomou uma grande decisão: resolveu colocar num ponto estratégico da cidade um canhão; um não, dois, esses que hoje ficam ao relento e ao tempo, frente ao Casarão da Fundart.
E o ponto escolhido foi ali na boca da barra, perto do Farol. Canhão instalado era preciso que fosse inaugurado e principalmente para que fosse reconhecida a tão nobre idéia do prefeito. Para isso então, o canhão tinha que ser testado e a única pessoa apta a esse serviço era o Zé Mapiá. –Chamem o Zé Mapiá! Ordenou o “Capitão”
Zé Mapiá era ferreiro, cabo de fogo, desses que detonam pedras com dinamite.
Zé Mapiá, todo prosa, com a tarefa que só ele sabia fazer, foi logo botando em prática o seu trabalho. Foi na venda, que era do próprio prefeito, comprou uns cinco pacotes de pólvora preta, um pedaço de estopim, um punhado de pedra mole, barro tabatinga e lá foi carregar o canhão, à vista de todo o povo, que curioso, queria ver o grande feito. Pela boca do canhão, colocou a pólvora, bagaço de cana com pedra mole, a bola do canhão, mais um punhado de bagaço de cana junto com barro tabatinga, socou bem socado e fechou a boca do canhão. Estava orgulhoso e disse de peito aberto, todo orgulhoso: - Pronto Capitão podemos dar o tiro. Na verdade, o chamado “Capitão”, nunca viu de perto uma academia militar, mas assim o chamavam: Capitão Deolindo. Dito Perez, o braço direito do capitão, dando aquela puxadinha, gritou: - Está carregado o canhão, podem vir os cariocas que para eles o chumbo vai ser grosso!
Foi uma festa só: discurso do capitão, abenção do padre, banda de música tocando, as autoridades todas presentes,... A cidade parou para apreciar o grande evento. Zé Mapiá, todo orgulhoso, também queria ver o resultado de seu trabalho. Pegou uma caixa de fósforos e, antes de acender o estopim, pediu para seu Lindolfo alertar o povaréu: -Preeeeeeeeeeega Foooooooogo! Gritou Lindolfo. E o estopim foi aceso. O povo todo ficou uns três minutos sem respirar, e o tiro saiu... FUUUUUUUÁ. Só fumaça, e a bala saiu correndo pelo cano e caiu a meio metro de distância. Zé Mapiá, decepcionado e vendo que a coisa ia feder para ele, já jogou a culpa na pólvora que comprara na venda do prefeito. Dizia que não era possível acontecer aquilo. O Capitão Deolindo, mais vermelho que uma abóbora madura, pedia explicações... Entre o povo, a farra foi grande. João Brás gritou no meio da multidão: - Capitã é com isso que quereis enfrentar os cariocas? Tem mais valia o meu bodoque. A comédia foi grande. Como de fato, o bodoque do João Brás não era pra ninguém botar defeito, matava jacú na embaubeira, matava porco do mato e até anta, o bodoque do João Brás, matava.
A revolução passou e nada de grave aconteceu aos ubatubanos. O canhão hoje fica em exposição na frente do prédio da Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba, mas a qualquer momento poderá entrar em ação, aliando-se ao Donald Trump para atacar o maluco do norte coreano Kim Jong-um.
Texto de Julinho Mendes