Japoneses na Ilha Anchieta: entre suspeitas, grades e memória

 

Japoneses na Ilha Anchieta: entre suspeitas, grades e memória
Quando a bandeira virou sentença
Entre 1946 e 1948, um episódio pouco lembrado da história da imigração japonesa no Brasil se desenrolou em Ubatuba, no litoral norte paulista. Cerca de 172 imigrantes japoneses foram presos no presídio de segurança máxima da Ilha Anchieta, acusados de envolvimento com a Shindo Renmei — a "Liga do Caminho dos Súditos" — ou simplesmente por se recusarem a negar sua ligação com o Japão, em um período marcado pela paranoia e pela repressão política do pós-guerra.

Do campo às celas
A comunidade japonesa, que chegara ao Brasil a partir de 1908 para trabalhar nas lavouras de café, já estava espalhada pelo interior de São Paulo quando o fim da Segunda Guerra Mundial trouxe uma onda de perseguições. O governo brasileiro, alinhado aos Aliados, via com desconfiança os imigrantes de países do Eixo — Alemanha, Itália e Japão. No caso japonês, a situação foi ainda mais delicada: enquanto parte da colônia aceitava a derrota do país natal, outros se recusavam a acreditar na rendição, alimentando disputas internas e desconfiança externa.
Foi nesse contexto que muitos acabaram transferidos para a Ilha Anchieta. O presídio, isolado do continente, já abrigava criminosos considerados perigosos. Ali, japoneses inocentes e militantes da Shindo Renmei dividiam o mesmo espaço, em condições duras.
Vozes do passado
Depoimentos reunidos pela Comissão da Verdade décadas depois revelam a arbitrariedade das prisões:
> “A grande maioria dessas pessoas eram inocentes, sendo mandados para lá, por exemplo, por se recusarem a pisar a bandeira japonesa.” — Relato registrado em 2015.
Um dos prisioneiros, Tokuichi Hidaka, admitiu envolvimento em assassinatos políticos ligados à Shindo Renmei, mas também deixou testemunhos sobre o cotidiano marcado por repressão, medo e isolamento na ilha.
O peso da imprensa
Jornais da época também registraram a presença maciça de japoneses no cárcere. Em 12 de julho de 1947, o Diário da Noite estampava:
> “Dos 370 detentos, 155 são japoneses que aqui se encontram por ordem do ministro da Justiça, ocupando três dos oito pavilhões
A cifra reforça o impacto que a perseguição teve sobre a comunidade nipo-brasileira.

Da dor à memória
Décadas mais tarde, a história voltou à tona. Em 2015, a Prefeitura de Ubatuba e a Comissão da Verdade idealizaram a construção de um monumento em homenagem aos presos políticos japoneses. Em 2017, durante a comemoração do "Dia do Imigrante Japonês", o último sobrevivente daquele período, Takeushi Hidaka, compareceu à Ilha Anchieta aos 94 anos, emocionando familiares e visitantes. Já em 2022, foram inaugurados o Jardim das Orquídeas “Fumio Ueda” e a Bica “Tokuichi Hidaka”, símbolos da ressignificação da memória.

GUINHO CAIÇARA
via facebook

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