A tragédia esquecida da Ilha Anchieta (1926)



O ano era 1926.
Os navios que cruzavam o Atlântico traziam não apenas malas pesadas de roupas e utensílios, mas também sonhos. Sonhos de liberdade, de paz e de uma vida nova, distante das guerras e da fome que devastavam o Leste Europeu. Assim chegaram ao Brasil cerca de dois mil imigrantes búlgaros e gagaúzos, exaustos e esperançosos, fugindo da sombra da Revolução Russa.


Recebidos inicialmente em São Paulo, logo perceberam que a cidade não tinha estrutura para abrigar tantos recém-chegados. A solução encontrada pelo governo foi transferi-los para a Ilha Anchieta, em Ubatuba, um pedaço de terra isolado no litoral paulista, selvagem e sem quase nenhuma infraestrutura. Para os imigrantes, porém, a ilha parecia uma promessa: terra fértil, natureza abundante, espaço para recomeçar.
Mas a abundância escondia armadilhas.
Sem conhecer a flora tropical, e movidos pela fome, os imigrantes colheram raízes que acreditaram ser alimento seguro: a mandioca. Entre eles, ninguém sabia que havia dois tipos — a doce, própria para o consumo imediato, e a mandioca brava, carregada de veneno invisível.
Naquele dia fatídico, famílias inteiras se reuniram ao redor de panelas improvisadas, celebrando a possibilidade de finalmente matar a fome. Comeram juntos, crianças correndo ao redor dos adultos, acreditando que a vida começava a sorrir.
Horas depois, a ilha mergulhou no silêncio do horror.
Corpos tombavam um a um. Crianças choravam e depois cessavam o choro. O ar se encheu de lamentos em línguas estrangeiras, súplicas ao céu, gritos de desespero. O que era esperança transformou-se em luto coletivo. Mais de cento e cinquenta vidas foram ceifadas pela mandioca brava encontrada na ilha.
Não havia caixões, nem padres suficientes, nem cerimônias adequadas. Com o coração em pedaços, os sobreviventes cavaram a terra da ilha e ali ergueram um cemitério improvisado, onde repousaram seus mortos. Simples cruzes de madeira marcavam as sepulturas, muitas sem nome, apenas testemunhas mudas da dor.
Até hoje, esse pequeno cemitério resiste ao tempo, escondido entre a mata da Ilha Anchieta. É um memorial silencioso de uma tragédia quase esquecida, onde ainda ecoa a história de homens, mulheres e principalmente crianças que vieram buscar vida e encontraram a morte em uma terra que mal começavam a conhecer.

GUINHO CAIÇARA SANTOS
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