sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

AS PRAIAS DE FORA

 

As praias de Fora

Já foi livre sem permissão
hoje não pode passá lá
no caminho da servidão
té pescá vai precaveá
novo dono, proibição
e o caiçara, arrelá!

Inventei essa trovinha de pé quebrado nesta chuvosa tarde de domingo lembrando de um dos trechos mais bucólicos de Ubatuba. São cinco praias, chamadas "de fora", entre as Praias da Enseada e Estoninhas, caminho "de" (notem na trova o trocadilho com "da") servidão para quem vinha nos antigamente dos bairros do sul cumprir seus compromissos na cidade. Passava gente da Fortaleza, do Corcovado, do Lázaro, da Folha Seca, do Bonete, do Ingá, até das longínquas Maranduba, Araribá, ou da serra da Caçandoca. Ali nos Godói viviam famílias tradicionais, ali plantavam, pescavam, partiam para cultivar e depois trabalhar no presídio da Ilha Tapira, e os do sul que passavam por ali sempre tinham o prazer de uma prosa, de um café coado no melado, com farinha e peixe seco. O progresso veio, fizeram pontes e a estrada pendurada nos fios dos morros do Lázaro e do Pião, mas muitos não abandonaram a trilha antiga, só para sentir o encanto e visitar as cumadres e cumpadres de tantos anos de amizade. Até que o tempo foi passando e a nova estrada trouxe outra visão, outros intere$$es e fecharam a trilha. Não podia mais passar. Sobrou a lembrança e a história de uma gente simples, que não sabia como lutar, não entendia e não se sentia confortável com esse tal de pogresso. Mas ninguém vence a natureza, a beleza do caminho, das praias, ficará lá para sempre. Ou não, talvez fique só até quando o desenvolvimento olhar para a Ponta do Espia com olhos enganadores e cobiçosos, "olhos de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada", meu caro miscigenado Machado, tal qual os caiçaras que por aqui ainda sobrevivem.

Texto de Nei Caetano Ubatuba 

via   facebook

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