terça-feira, 28 de novembro de 2023

O peixe gigante do Tião Manquinho

 

Tião Manquinho*, que não era manco, mas como todo pescador, gostava de inventar verdades, tinha a mania de contar seus causos lá na vendinha do Seu Sodré,  à beira da praia, mesmo que as pessoas fizessem chacota de suas verdades inventadas.Ele chegava no final da tarde onde os pescadores iam beber sua caninha Ubatubana, depois de “visitar” o cerco. O causo nessa tarde foi sobre pescaria.

Seu Sodré serviu uma caninha Ubatubana para o Tião e perguntou se ele tinha pescado algum peixe e então, depois de tomar um bom gole de cachaça para limpar a garganta, falou:

– Eu tava pescando lá no meu casebre….

– Pescando na sua casa? – interrompeu seu Sodré admirado – Por acaso você tem um aquário em casa, Tião?

– Quem sou eu, seu Sodré, pra ter um aquário em casa. Eu pesco da varanda mesmo, mas é no mar. Vancê sabe que eu moro na costeira, pertinho da praia do Góes, e de lá jogo a linha no mar.

– Mas sua casa fica mais de duzentos metros do mar, como você consegue pescar dessa lonjura? – Contestou seu Sodré.

– Ara, seu Sodré, eu tenho uma vara que tirei do meu bambuzal que tem vinte de comprimento.

– Vinte metros de comprimento?

– Que metro seu moço, vinte braça  de comprimento.

Arte: Xilogravura de Arnaldo Passos

Então , como eu ia dizendo, eu estava pescando quando senti a mordida no anzol que quase me derruba da varanda. Pela puxada e tranco logo vi que era um peixe grande, podia ser um melro ou garoupa, uma tintureira, aquele cação grande que parece tubarão.

A vara envergou tanto que pensei que ia quebrar. Por cautela,  amarrei o linha que era muito forte no pé de bacupari. Pelejei com o bicho a manhã toda e já ia entrando pelo meio da tarde e nada de conseguir tirar o bicho da água. Maneco Tatana, homem forte que matou um porco com um soco, veio pra me ajudar. Puxa que puxa, briga que briga, sentimos um tranco na linha e o Maneco então falou

-“O bicho fugiu”. Era a verdade! Vimos um vulto enorme e negro nadando sob água clara do mar. Respondi ao Maneco Tatana:

-“O bicho fugiu, mas deixou alguma coisa na linha porque tá pesada”.

Aos poucos conseguimos recolher a linha e no anzol estava a nossa surpresa.  Presa na linha , veio a guelra do peixe que dividi com o Maneco.              A minha parte deu pra almoçar e jantar por cinco dias.

Terminando de comer a guelra, voltei a pescar no dia seguinte, e não é que mal tinha jogado a linha senti o peixe mordendo e foi novamente uma luta.  O bicho era grande, igual da vez passada. Amarrei a linha no pé de bacupari e gritei para o Tatana vir me ajudar. Depois de muita peleja conseguimos tirar o bicho e para a nossa surpresa, era o mesmo de antes, pois o bicho não tinha a guelra.

– Mas era muito grande seu Tião?

– Ara se era grande seu Sodré, se a metade da guelra deu pra comer cinco dias imagina o tamanho do bicho!

Bota uma saideira, que eu tenho que vortá pra “consertá”**  o peixe, que eu e o Maneco estamos consertando a três dias.

N.R.  *Tião Manquinho foi um pescador e contador de causo da praia da Enseada de Ubatyuba, nascido em 1915.

** Consertá o peixe no dialeto do caiçara , é o mesmo que preparar, limpar o peixe.


Pitagoras Bom Pastor 

FONTE  :  https://cancioneirocaicara.com.br/tiao-manquinho-era-otimo-pescador-mas-desta-exagerou-no-tamanho-do-peixe/

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