terça-feira, 20 de junho de 2023

Hans Staden: o alemão que o Brasil quase comeu

 


imagem: Domínio Publico
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Que me perdoem o trocadilho antropofágico, mas ler os relatos das viagens de Hans Staden no Brasil é, no mínimo, delicioso.

Depois de encarar naufrágios em Santa Catarina e Itanhaém (SP), em 1550, esse viajante alemão foi feito refém pelos Tupinambá, indígenas brasileiros conhecidos pelos rituais em que os capturados eram comidos.

O perrengue canibal aconteceu na região de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, um ano antes de Hans Staden ter tentado ir para a Índia. Mas sua sina era mesmo escrever sua história em terras brasileiras.


Sua passagem pelo Brasil incluiria também Cabo de Santo Agostinho e Olinda, ambos municípios em Pernambuco, e um ataque a um navio francês na Paraíba.

A bordo de uma frota espanhola que pretendia ocupar novas terras no Rio da Prata, o alemão de Homberg viajou por seis meses em um mar “grande e muito extenso” e visitou destinos bem conhecidos do brasileiro.

Hans Staden passou por Superagui, no Paraná, e pela ilha de Santa Catarina, “onde o grande navio afundou” e a tripulação ficou perdida, antes de seguir em uma pequena embarcação até São Vicente, na atual Região Metropolitana da Baixada Santista.

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Superagui, no Paraná (foto: Eduardo Vessoni)

“Ficamos dois anos na selva e sobrepujamos muitos perigos. Passamos muita fome, tivemos de comer lagartos e ratos de campo”, lembra Hans Staden, em seus escritos.

Em seu “Duas viagens ao Brasil”, publicado no Brasil pela L&PM, o alemão descreveu em detalhes locais como Ubatuba, Alcatrazes, arquipélago próximo a São Sebastião, e a Ilha de Santo Amaro, onde fica o atual Guarujá.

Após outro naufrágio próximo à aldeia portuguesa de Itanhaém, no litoral paulista, Hans Staden recebeu abrigo e um trabalho no forte de Bertioga, construção erguida pelos portugueses, aliados dos Tupiniquins, contra investidas dos inimigos Tupinambá que vinham do norte.

Porém, ao sair em busca de alimento, o estrangeiro foi cercado pelos “selvagens”, que lhe atiraram flechas, deram golpes de lança e o deixaram nu.


“Lá vem a nossa comida pulando”

Nos noves meses seguintes, Hans Staden seria ameaçado de ser comido, quase que diariamente.

“Mordiam-se nos braços para fazer-me entender de forma ameaçadora que iriam me comer”, descreve o alemão que, apesar de ter dito que era amigo dos franceses, aliados dos Tupinambá, foi confundido com um inimigo português.

Mas as ameaças não paravam por aí.

crédito: L&PM/Divulgação

Os indígenas entoaram canções para mostrar suas intenções de devorar o estrangeiro, arrancaram seus cabelos e sobrancelhas, e dançaram ao seu redor, sob efeito de cauim, bebida alcoólica feita de milho usada nos rituais antropofágicos.

E toda vez que o alemão questionava se não seria logo devorado, alguém dizia: “Ainda não”.

Na aldeia vizinha do chefe Cunhambebe, Hans Staden, cujas pernas foram amarradas, teve que entrar aos pulos sob os gritos de “lá vem a nossa comida pulando”.

crédito: L&PM/Divulgação

Nos meses seguintes, Tupiniquins, portugueses e franceses até tentaram resgatar o prisioneiro, sem sucesso, mas o excesso de fé dos Tupinambá e as mentiras criadas pelo alemão lhe davam sobrevida e adiavam o seu fim.

Problemas como chuvas devastadoras e a morte de índios por doenças trazidas pelos europeus eram atribuídos à ira do deus católico pelo sequestro do estrangeiro. Presenteado ao chefe de outra aldeia, Hans Staden foi resgatado por um navio francês sem nenhuma resistência dos “selvagens”.


O livro de Hans Staden

Essa e outras histórias de Hans Staden no Brasil estão no delicioso “Duas viagens ao Brasil” (L&PM Editores), considerado os primeiros registros sobre o Brasil e best seller desde que foi publicado na Europa, em 1557.

Assim como lembra Eduardo Bueno, jornalista que assina a introdução do livro na edição brasileira, Hans Staden inspirou a arte modernista de Oswald de Andrade, em seu ‘Movimento Antropofágico’, o quadro ‘Abaporu’ de Tarsila do Amaral, e Cândido Portinari, na série “Portinari Devora Hans Staden”, com 26 desenhos feitos com nanquim bico de pena.

Série “Portinari Devora Hans Staden”, de Cândido Portinari (crédito: Portal Portinari/Reprodução)

O alemão é considerado também um grande contribuidor para a divulgação das primeiras imagens do Brasil, que no livro “Duas viagens ao Brasil” aparecem em forma de xilogravuras.

E se tudo isso, ainda parecer exagerado, o próprio alemão recomenda:

“Se houver um jovem homem para quem minha descrição e essas testemunhas não bastarem, então que empreenda ele mesmo com a ajuda de Deus esta viagem e as suas dúvidas se desvanecerão. Amém”.





FONTE..................
https://viagemempauta.com.br/2023/06/19/hans-staden-o-alemao-que-o-brasil-quase-comeu/

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