quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Tarioba - O marisco labão

 



CAUSOS CAIÇARA de Julinho Mendes


TARIOBA - O MARISCO LAMBÃO

 Frederico Lambão, assim chamado, era um taubateano. Vivia empenado e fora de esquadro, pois tinha ele um grave problema nas articulações da coluna que o deixa assim; parecia bandeira de capela nos dias de noroeste.. Devido a esse problema, seu médico ortopedista aconselhou que o melhor remédio para tal problema era as medicinais areias monazíticas existentes em algumas das praias do Litoral Norte. 


Foi com essa indicação que Frederico Lambão passou a frequentar Ubatuba, comprou uma casinha e passou a frequentar a praia do Perequê-Açú; praia esta famosa pela medicinal areia monazítica. Todo final de semana, logo cedo, lá estava Frederico Lambão cavando buraco na praia do Perequê para se enterrar. Era mais ou menos assim: Ele cavava o buraco, deitava-se no fundo e mandava que a mulher o enterrasse, deixando somente a cabecinha de fora. Ali passava o dia todo, parecendo um paxá, comendo camarão, peixe frito e cerveja, tudo que a mulher lhe servia. 

Certo dia, mês de junho, estava ele lá com a cabecinha de fora, e, devido o frio e o vento gelado, tinha colocado uma touca vermelha na cabeça. Vinha Santinho, Iaiá e o filho Ditinho de uma noitada de folia do Divino Espírito Santo que aconteceu no bairro do Itaguá. Ditinho ainda moleque, ao ver aquela bola vermelha a solta na praia, não pensou duas vezes, tomou distância, correu e meteu um chute naquilo que parecia ser uma bola de capotão. Ouviu-se um grito medonho: -Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiii! Aquilo que parecia ser uma bola era a cabeça de Frederico Lambão. 

-Seu burro! Onde já se viu ficar enterrado na praia, só com a cabecinha de fora! Tava querendo tomar um chute mesmo! Falou Santinho e confirmou dona Iaiá. 

Depois desse episódio, o Taubateano Frederico Lambão nunca mais frequentou a praia do Perequê-açú; passou então a frequentar a praia da Barra Seca. Já se sentia melhor de sua doença e o caminhar era saudável, por isso cada vez mais ia se aproximando do canto norte da praia da Barra Seca. Foi nesse canto que um dia sentiu algo estranho a lhe incomodar. Estava ele enterrado até o pescoço, quando de repente começou a perceber que tinha algo lhe lambendo os pés, as pernas, a bunda e até o saco. Era um incomodo, mas era prazeroso, pois sentia uma leve massagem; quando as lambidas era no sovaco, sentia cócegas  e começara rir sozinho. Sua mulher já começava a desconfiar daquelas risadas escandalosas e pensava que o marido estava virando viado, e assim falava: -Que é isso meu bem, se você virar boiola, eu enterro você com cabeça e tudo! Preocupado com a ameaça da mulher, Frederico Lambão quis saber o que era aquilo que estala lhe lambendo por de baixo da areia. Foi aí a surpresa! Descobriu então que aquelas lambidas eram de uma espécie de marisco. Pegou algumas espécies e mostrou para alguns caiçaras que moravam na beira do jundú, para saber que diabo era aquilo. De pronto os caiçaras responderam: -Isso é TARIOBA, o marisco lambão! Ali onde você estava enterrado tem muito disso! Esse bicho gosta de comer carne de defunto! 

-Más eu não estou morto?! Rebateu Frederico. 

-Não tá morto, mas parece, pois você ta mais branco do que cera de vela! Gozaram os caiçaras. 

Depois de mais esse fato, seo Frederico, sumiu também da praia da Barra Seca. O motivo foi porque a caiçarada o apelidaram de Lambão, Frederico Lambão. Não se sabe para onde o taubateano foi se enterrar.

A história de que o marisco Tarioba, gosta de comer carne de defunto, era, logicamente brincadeira dos caiçaras.

O Tarioba é um molusco bivalde comestível, muito apreciado pelos caiçaras. Era chamado também de marisco lambão, pois para se enterrar, eles põem a “língua” pra fora e começa a escavar, sumindo na areia em poucos segundos. Tanto na desembocadura do rio, como no canto da Barra Seca existiam grandes Tariobas, umas chegavam a apresentar até dez centímetros de língua. Era sem dúvidas um molusco que garantia a alimentação de muitos caiçaras. Era apreciado cozido, assado, refogado com banana verde e cheiro verde, no arroz, nos recheios de pasteis, em caldeiradas,... Hoje não existe mais! O que encontramos  ainda são algumas conchas abertas, em forma de borboletas, isoladas na praia da Barra Seca. Mas isso é sinal que eles ainda vivem, talvez estejam em lugares mais profundos do subsolo. Quem sabe um dia eles voltarão a servir de alimento ao povo dessa terra.---------

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