CAUSOS CAIÇARA de Julinho Mendes
Hora do almoço, família reunida. No centro da mesa a guaiazada fumegava; a panela estava cheio de guaiás que eu tinha pego na costeira do cais do porto. Como sempre, em toda guaiazada que se preste, não faltou a discussão e perguntas: “Porque é necessário assobiar para se pegar o guaiá?”. Mamãe contava uma história, papai que é caiçara de Caraguatatuba contava outra, eu contava a história que ouvira do meu amigo Eduardo Souza, “O Canto de Sedução das Sereias”, enfim nada nos convencia. Vovô Lindolfo que até então estava quieto só observando a conversa falou: - Foi EU quem descobri, que para pegar guaiás na costeira tem que assobiar ! E irei contar a verdadeira história. Surpresos com a declaração, passamos a ouvi-lo: “-Eramos seresteiros e, sempre que podíamos fazíamos nossas serestas.
Era eu no violino, meu irmão Rodolfo no violão, Bidico no bandolim, Mané barbeiro no violão de sete cordas, Zé barbeiro na flauta, e compadre Leopoldo Losada no pandeiro. Numa noite, o clarão da lua cheia nos convidou para uma seresta, convidados também pelo ZÉ CAPÃO que nos esperava com café de cana, mandioca cozida e muita ova de tainha assada no braseiro. O local era debaixo de uma árvore que existia na Campina (hoje praça 13 de maio, onde hoje é a Biblioteca Municipal); aquele lugar era um grande pasto, onde o velho Cipriano, o Janguinho, o Filletinho e outros tropeiros, até de Catuçaba, deixavam descansar seus cavalos e bois.
Tocávamos boleros, valsas, tangos, chorinhos, sambas e tudo que tinha direito. Mal começávamos a tocar, que devagarzinho, além dos convidados e dos penetras, podiam estar onde estivessem que aos poucos iam se acomodando rente à cerca de arame, os bois e cavalos de nossos compatriotas. Aqueles animais gostavam das melodias de nosso instrumental, pois davam-lhes descanso, sossego e tranquilidade ...
Nunca fui de pescaria e nem tinha intimidade com o mar, mas a convite do compadre Zé Capão aceitei fazer-lhe companhia para pegar guaiás. A noite de seresta foi uma beleza e no outro dia, logo cedo, já estávamos na costeira do caís. Só tinha um pau de isca, e lógico que era do compadre Zé Capão, que tinha toda experiência e vivência com as coisas do mar. Começou a caçada…. enfia o pau pra cá, enfia o pau pra lá, e nada de se tirar um guaiazinho se quer. Dizia ele que a maré estava muito cheia. A maré vazou e depois encheu, e nada de guaiá. Eu já estava de saco cheio, em ver o Zé enfiar o pau pra cá, pra lá, acolá, e nada; então pedi o pau de isca ao Zé, para que eu fizesse a tentativa. Zé que já estava nervoso falou: -Te dou o balaio, mas não te dou o pau de isca, eu tenho que pegar um guaiá, se não me chamo Zé Capão!
Fazer o que? Peguei o balaio vazio e pensei comigo: -Se uma vaca, um cavalo e até burro que é bicho teimoso, vem na melodia de uma seresta, porque que um guaiazinho não viria na melodia do meu assobio? Modéstia parte, sempre fui um grande assobiador, herança esta que deixei a meus filhos BIP e PITÁGORAS. Então, antes de começar a assobiar, dei uma acordada na guaiazada: PREEEEEEEEEEEEGA FOOOOGO!!! Aí sim, aí comecei a assobiar... Não deu outra, a melodia de “La Comparsita” ecoou pela costeira a dentro que a guaiazada já acordada com o berro, desentocou tudo; aí foi uma festa; em dois minutos enchi o balaio; a guaiazada chegou até brigar para entrar no balaio. Compadre Zé Capão, não acreditava no que estava vendo e mandava que eu assobiasse mais... Vim assobiando até a barra da lagoa, quando olhamos para trás vimos a guaiazada enfileirada nos seguindo; aí tive que parar de assobiar, porque se não a guaiazada iria invadir a cidade.”
–Estão vendo só, meus netos, pescador de guaiá que não sabe assobiar, fica só pondo e tirando o pau de isca, e nada de guaiá!
Encerrado o seu discurso, pedimos para vovô Lindolfo assobiar a melodia do tango “La Comparsita”, para nos lembrar, e assim o fez. Não demorou e a panela de guaiá cozido que fumegava em cima da mesa começou a se mexer... eram os guaiás que mesmo cozidos começaram a dançar tango dentro da panela.---------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário