quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O FEITIÇO DO VIOLINO....Causo Caiçara de Julinho mendes

 

CAUSOS CAIÇARAS de Julinho Mendes
O FEITIÇO do VIOLINO
Das filhas de Daniel Profeta das Graças com Florência Maria das Graças, Malvina era a mais bonita; uma morena com olhos de jabuticaba, cabelos encaracolados e corpinho de violão; realmente uma menina que punha cuidados aos pais.
Estavam na adolescência: Malvina, Maria, Ana, Jandira e Filomena; com uma diferença de idade de um ano e meio a dois anos uma das outras. Malvina era a mais vaidosa e a que, em conversas com as irmãs, era daquela que pensava em seu futuro; sonhava em casar-se com um homem de postura, educado, um doutor, enfim, um homem que lhe desse conforto e que num futuro pudesse dar estudos aos filhos. Eram esses seus pensamentos, seus sonhos...

Maria, com seus dezessete anos casou-se com um caiçara pescador e muito trabalhador. Filomena, um ano depois, casou-se com um homem de estudo e de certas posses. Todas se casaram, e Malvina ficava pra titia; muitos eram seus pretendentes, mas nenhum fazia seu tipo e nem era dos seus sonhos...
A festa de Santa Rita, na casa de dona Maria, no bairro da Enseada, era festa que durava uns três dias. Lá se reunião diversos seguimentos das famílias caiçaras, não havia preconceito e nem descriminação. A animação era por conta dos diversos violeiros, rabequeiros, flautistas e sanfoneiros que existiam em Ubatuba.
Malvina ia às festas somente acompanhada dos pais... Chegaram na casa da festeira, o baile já acontecia. Do lado de dentro do salão o bailão comia solto na batida do pandeiro, no rufar da zabumba, nos acordes do violão e nos pontuados da viola... Malvina notou algo diferente na música, parecia o som de uma rabeca, mas só, que mais afinado, melodioso e perfeitamente tocado, parecendo o canto de um sabiá laranjeira...
Não era uma rabeca e sim um violino, que entre os demais instrumentos se destacava pela afinação, tocado por jovem mancebo, um rapaz alto, magro, de olhos esverdeados, com um par de orelhas que se destacava na cabeça e um nariz parecendo bico de tucano.
Malvina entrou no salão, chamada de certa forma pelo som do violino... Era o violino do jovem Lindolfo, filho do violeiro Pitágoras. Mais uma vez Malvina sentiu algo diferente. Ao ver o jovem violinista seu coração palpitou, sentiu uma coisa que nunca havia sentido antes, seus olhos radiaram, seus ouvidos não mais percebia o som da música, não sentia os trancos dos dançarinos, estava completamente hipnotizada, enfeitiçada.
Do outro lado a mesma coisa acontecia com o jovem violinista ao avistar a linda morena de olhos de jabuticaba; este em vez de acompanhar a valsa, mudou o ritmo para tango. Tomou uma baquetada do zabumbeiro para voltar ao ritmo da valsa. Voltou à valsa mas não tardou a tocar bolero. Novamente outra baquetada entrou-lhe no pé do ouvido... Seria amor a primeira vista ou ao primeiro ouvido? Diria que foi amor a primeira vista, enfeitiçado pelo som do violino. Um amor que fez de Malvina esquecer seus sonhos de riquezas. Um amor que fez de Lindolfo esquecer seus planos como músico da orquestra sinfônica da capital.
Caíra Malvina numa armadilha do destino, seu futuro seria feliz, mas não confortável como desejava; pois a fama de homem folião que o encantador violinista trazia, desaconselhavam o casamento com Lindolfo... Não adiantaram os alertas das amigas e a desaprovação dos pais; a paixão foi maior do que a razão. Em curto tempo Malvina e Lindolfo namoraram e se casaram, constituíram uma família e foram felizes até que a morte os separaram.
Lindolfo tinha dois únicos defeitos, um era de ser folião; tocava na folia de Reis, do Divino Espírito Santo, nas festas de São Gonçalo, nos bailes carnavalescos, nas serestas e serenatas ocasionais, enfim, sempre estava enfiado em festas musicadas, onde saía de casa com seu violino e não tinha dia e nem hora para voltar. Nisso, era Malvina quem sustentava a casa, cuidando das crianças, lavando, passando, cozinhando e costurando para fora, num difícil e árduo trabalho que em pouco tempo deixo-a envelhecida. Vovó sofria com esse vício de vovô Lindolfo, mas nunca saíra de sua boca uma pequena reclamação qualquer; nem para seus pais, nem para suas irmãs. Vovó Malvina amava de verdade vovô e a recíproca de Lindolfo era a mesma... A cidade era pequena e onde quer que vovô andava, vovó ficava sabendo. Era esse o seu consolo e, como conforto ela sabia que Lindolfo não tinha olhos para mulher nenhuma; a sua paixão era realmente a viola, o violão, o bandolim, o cavaquinho, o baixo e o inseparável violino; instrumentos de cordas, que mesmo sendo analfabeto, tinha um domínio e uma facilidade para tocá-los que punha inveja a qualquer músico estudado que vinha da capital, enfim, tinha um dom nato, que muitos diziam ser divino.
Confeiteiro de primeira, vovô Lindolfo era um dos padeiros da cidade, que aliás, os seus pães e bolos eram os preferidos da cidade; isto é, quando fazia pães! Com suas andanças acompanhando as folias, eram raros os dias que tinham os deliciosos pãezinhos de Lindolfo. Com isso, o trabalho de vovô era raro e consequentemente o dinheiro era escasso.
Uma convicção que fascinava vovô era que ficaria rico de uma hora para outra, apostando no jogo do bicho. Aí que, literalmente, o bicho pegava: Apostava no touro dava veado, jogava no veado dava macaco... Seguiu o burro durante oito meses, no dia em que apostou na cobra, deu o burro. –Ôh bicho traiçoeiro; mas o burro sou eu! Exclamou vovô, puto da vida. Aí a vaca foi pro brejo!!! Já tinha vendido tudo quanto era presente que ganharam no casamento: panela de pressão, talheres de prata, baixelas de porcelana, etc. Mas a zebra maior, foi quando sonhou com uma cabra que lhe tinha comido o violino. Aí não teve jeito, seria aquele dia, o dia da grande sorte. Ficaria rico, apostaria tudo que tivesse. Mas cadê o dinheiro? Sabia que vovó guardava uma joia; um colar com um belo crucifixo de ouro, presente que Malvina ganhara de sua mãe e que fizera promessa de deixar para a filha Alcina, a única filha do casal; escondia a sete chaves. Vasculhou e encontrou; pegou a joia e vendeu pro velho Ponciano, do armazém Alvorada. Apostou metade do dinheirão na cabra, e para não errar, a outra metade dividiu no cachorro e no carneiro, bichos que antecede e sucede a cabra. Não tinha erro, dessa vez estaria rico!!! Seis horas da tarde lá tava o lerdo com o pé do ouvido colado no rádio, esperando a extração da Loteria Federal... Vovó Malvina, que não podia nem respirar, só ficava observando a aflição de Lindolfo... Anunciava o radialista: Atenção, atenção 3º prêmio: poooorco. Atenção, atenção 2º prêmio: gaaaaaalo. Atenção, atenção, é agora o ganhador de mil réis: 1º prêmio: vaaaaaaaaaca. VACAGALOPORCO, foi o que deu no 1º, 2º e 3º prêmio. - PQP! Gritou vovô, metendo um murro do rádio…
Foi-se a esperança de Lindolfo. A vaca foi pro brejo e sabia que dia menos dia a cobra ia fumar; pois sabia que Malvina não lhe perdoaria a venda do colar. Não demorou e o pau comeu; Malvina dando por falta do colar, transformou-se em cobra, leão, tigre, e em tudo quanto era bicho bravo e fez aquela brigalhada com vovô, que saiu que nem cachorro magro com o rabo entre as pernas, e ainda por cima, vovó pregou o violino de vovô contra o pé de jaca, que partiu em dez pedaços.
Dormiu na casa do irmão Rodolfo, durante um mês e trabalhou feito louco para comprar de volta o colar de ouro, mas não teve jeito, Ponciano não vendia, nem com reza brava o colar de ouro.
Apesar dos pesares, o que vale é o amor e a felicidade. Viveram felizes e se amaram muito, criaram seus quatro filhos: Benedito (BIP), Pitágoras, Alcina e Daniel(sabiá); e só se separaram porque era chegado a hora, Deus queria Malvina nas costuras lá no céu, e mais tarde desejou também um violinista.
“A vida é engraçada e o destino mais ainda... o futuro só a Deus pertence, por isso, viva-se um belo e gostoso amor correspondido! –Preeeeeeeeeeeeeega fogo, não deixa a vaca deitar!!!! ----------------

Júlio Cesar Mendes via Facebook

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