CAUSOS CAIÇARA de Julinho Mendes
O LATIM DE Pe. MALAQUIAS
Tio José era um caiçara católico, mas daqueles “malemá” que, por motivo de trabalho dizia não ter muito tempo para a religião. Ele pescava, trabalhava na roça, plantava bananeira, arrancava mandioca... No domingo, único dia de folga, ele tinha que defender a misturinha da semana, indo caçar nas matas das redondezas; sua espingarda era do tipo punheteira de carregar pela boca, que exigia um saco de chumbo, pólvora e espoletas.
Tia Joana, sua mulher, essa sim muito católica, que quando jovem era filha de Maria, depois passou a ser da irmandade do coração de Jesus, beata que dividia o dia em casa e na igreja para rezar e pedir a Deus proteção e saúde a toda parentalha.
- José, você precisa ir na igreja rezar, ouvir as pregações, os conselhos e as perguntas do padre Malaquias.
- Mas Joana, a missa é rezada em LATIM e fica difícil entender e responder as perguntas.
- Não importa, você tem que ir e entrar no pensamento do padre, porque o padre, mesmo em latim, não fala bobagem.
- Joana, continue indo você rezar, reze por mim e responda as perguntas do padre Malaquias.
- Nada disso José, no próximo domingo você vai ter que ir à igreja, se não eu mijo dentro e enferrujo o cano de sua espingarda!
Aí não teve jeito, Tio José sabia da acidez do mijo da mulher e se não obedecesse, com certeza perderia sua preciosa espingarda.
Domingo bem cedo, tio José veste sua calça arranca toco, camisa de baeta, chapéu cobrindo a careca e estreia seu tamanco feito de pau de tarumã. Tia Joana olha aquela extravagância na vestimenta de José e questiona:
- José, tamanco não é pra quem tem o pé rachado, melhor você calçar o seu 48; você vai ver, vão caçoar de você!
Tio José gostava de fumar em cachimbo, preparou o fumo ”amansa-onça” e se aprumou todo, rumando para a igreja. Tia Joana vendo aquilo questionou: -Você não vai fumar na igreja, vai?
- Vou na entrada e na saída! Responde tio José à mulher....
Tio José dá a última baforada e entra na igreja, fez o sinal da cruz, acendeu 34 velas próximo ao pé da imagem de Santo Antônio, foi ao confessionário e depois sentou-se bem na primeira fila… Toca a sineta, o padre entra e começa a missa. Padre Malaquias abre a boca e começa a soltar o seu LATIM, numa desgraceira de ladainha que ninguém entendia nada... Latim pra cá, latim pra lá... Foi tanto latim, tanto latim que, com o calor que fazia dentro da igreja, em pensamentos, tio José remeteu-se a um delicioso banho no riacho. De repente o padre apontando o dedão para tio José e o interroga: - Seo José, DONE NUS DOMINES ?
Não tendo com fugir da pergunta, tio José responde: -Nú não, eu estava de cueca!
Veio a segunda pergunta do padre Malaquias: -CUMIDIUM FISIUM CUM MALIBISCO?
Tio José responde: - Aí o Sr. acertou; eu tinha comido feijão com marisco sim!
O padre ficou cabreiro e deu para perceber a mudança em seu semblante. Novo latim soltou o padre: -QUIMBELISIS NUS SEUM CUCUS?
Tio José, agora de cara fechada faz um pensamento: -Ah se a minha espingarda estivesse aqui, metia-lhe um chumbo grosso na cara! Pensou mas não falou e educadamente respondeu ao padre: -Olha lá seu padre! Deus é testemunho, vê se não me ofende, se não quem vai latir aqui sou eu!
Os fiéis abaixavam a cabeça para não dar a perceber que estavam rindo, mas tinha gente se mijando todo por baixo do banco.
O padre sente o clima, muda de fala e dá andamento na missa. Vem novas perguntas, só que agora, num português meio mole, cheio de prolongamento nas vogais:
-Irmããããããos, quais são os três artigos de fééééé?
Tio José, agora entendendo e sabendo responder a pergunta do padre, foi o primeiro a levantar e responder: -Padre, desse assunto eu entendo; os três artigos de fé são: o Chumbo, a pólvora e a espoleta!
Os fiéis, com o riso preso na boca, se retorciam para não soltar, mas mesmo assim o padre pede silêncio e diz que aquela hora, era hora da consagração, se ajoelha, fecha os olhos e todos fizeram o mesmo... Nisso o padre cai em cochilo e dorme por uns vinte minutos. Vendo que o padre tinha dormindo, tio José, cansado de esperar e com a goela seca de vontade de fumar, não consultou, picou o fumo, acendeu o cachimbo e ali mesmo e deu a primeira baforada, além é claro da tradicional cuspidinha no chão, que caiu na batina do padre.... A igreja ficou azulada de fumaça; foi então que um certo cidadão, lá do fundo da igreja, gritou, até para acordar o padre: -Preeeeeeeeeeeeeeeeeeeega Foooooooooogo!!! (adivinhem quem? Exatamente, próprio!)
O padre acordou sufocado com a fumaça, tirou a batina e começou apagar tudo quanto era vela acesa. Foi um sufoco danado dentro da igreja. Tinha coroinha dentro da sacristia, sacristão sacudindo o badalo do sino na torre da igreja. As beatas correram todas pro lado do padre, tirando seus véus e os lenços da cabeça, tentando escondê-lo, porque na sufocação da fumaça, o padre ficou só de ceroula... foi um Deus nos acuda.
No outro dia lá estava o padre escrevendo uma carta para o Bispo, pedindo que a partir daquele dia, as missas não mais fossem rezadas em LATIM. Do Padre para o Bispo, do Bispo para o Cardeal e do Cardeal para o Papa, até que o mesmo, pela razão do acontecido decretou o pedido de padre Malaquias. Fim das missas rezadas em LATIM, em Ubatuba e, a partir daí, tio José passou a frequentar mais as missas de domingo.-----------------------------
(Mais um causinho em parceria com o saudoso latim-linguístico POETIUM DUM PÉ RACHADIUM - João de Souza).
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