domingo, 26 de setembro de 2021

ZÉ MAPIÁ E O TIRO DO CANHÃO.....Causo caiçara

 

CAUSOS CAIÇARA de Julinho Mendes
ZÉ MAPIÁ E O TIRO DO CANHÃO
O fato aconteceu nos áureos tempos em que o porto da Prainha era o mais importante da cidade, a rua Baltazar Fortes se chamava rua do Cuá, a rua prof. Thomaz Galhardo se chamava José Adornos, o campo de aviação era na praia do Cruzeiro, o casarão era bar e bilhar Budapeste e etecetera e tal.

Tudo corria com tranquilidade até que no fatídico ano de 1932, por divergências políticas entre São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, houve a grande revolução, deixando em polvorosa, todo o Estado. Em Ubatuba não foi diferente e mais preocupante ainda por ser a cidade divisora com o estado do Rio de Janeiro. Foi mesmo um furdunço só, fazendo com que o povo deixasse suas casas na cidade e fossem se refugiar nos bairros mais retirados. Tinha gente que até dormia no mato. O prefeito daquela época, o então “Capitão” Deolindo de Oliveira Santos que, para maior segurança dos munícipes, tomou uma grande decisão: resolveu colocar num ponto estratégico da cidade um canhão; um não, dois, esses que hoje ficam ao relento e ao tempo, frente ao Casarão da Fundart.
O ponto escolhido, dentro do pensamento tático militar do “capitão”, foi ali na boca da barra, perto, onde hoje é Farol. Canhão instalado, era preciso que fosse inaugurado e principalmente para que fosse reconhecido, não só a força da nossa artilharia terrestre, mas principalmente a tão nobre ideia do prefeito para resguardar seu povo.
O “capitão” mesmo, nem bombinha de São João, gostava de soltar e, para testar o poder de fogo do nosso canhão, teve que contratar dois grandes e únicos especialistas que existiam na região: Zé Mapiá (cabo de fogo) e Lindolfo Ignácio (voz de fogo).
– Chamem o Zé Mapiá e o Lindolfo! Ordenou o “Capitão”
Zé Mapiá era ferreiro, cabo de fogo, desses que detonam pedras com dinamite, mas que falava fino e de voz baixa, dessa forma, tinha que ter um auxiliar de voz grossa e alta, esse seria seu amigo Lindolfo, que quando jovem foi “voz de fogo”; aquele que dá alarde na detonação de pedras em uma pedreira; sua voz se ouvia num raio de 1 Km.
Zé Mapiá, todo prosa, com a tarefa que só ele sabia fazer, foi logo botando em prática o seu trabalho. Foi na venda, que era do próprio capitão prefeito, comprou cinco pacotes de pólvora preta, um metro de estopim, um punhado de pedra mole (barro tabatinga) e lá foi carregar o canhão, à vista de todo o povo, que curioso, queria ver o grande feito. Colocou o estopim pelo orifício de “popa” e pela boca do canhão, colocou a pólvora, bagaço de cana com pedra mole, e com uma mão de pilão socou durante uns cinco minutos, depois colocou a bola de chumbo, mais um punhado de bagaço de cana com barro tabatinga, socou de novo e fechou a boca do canhão. Estava orgulhoso e disse de peito aberto: - Pronto Capitão podemos dar o tiro.
Na verdade, o chamado “Capitão”, nunca viu de perto uma academia militar, mas assim o chamavam: Capitão Deolindo. Dito Perez, o braço direito do capitão, dando aquela puxadinha, gritou: -Está carregado o canhão, podem vir os cariocas que para eles o chumbo vai ser grosso!
Foi uma festa só e logicamente não faltou o pavão abrir o rabo: discursa prefeito, vereadores, padre reza e abençoa o canhão, banda de música tocando, coral da ALA, e demais autoridades; na verdade a cidade parou para apreciar o grande evento. Zé Mapiá, também queria ver o resultado de seu trabalho. Pegou uma caixa de fósforos e, antes de acender o estopim, pediu para seu auxiliar de tiro, Lindolfo Ignácio Pereira, dar o alertar e prevenir do estouro todo povaréu; e assim fez Lindolfo: -Preeeeeeeeeeeega Foooooooogo! E o estopim foi aceso. O povo todo ficou uns três minutos sem respirar, e o tiro saiu... FUUUUUUUÁ. Só fumaça e, depois de mais ou menos dez segundos, a bala saiu correndo pelo cano e caiu a meio metro de distância. Zé Mapiá, decepcionado e vendo que a coisa ia feder para ele, já jogou a culpa na pólvora que comprara na venda do prefeito. Dizia que a pólvora estava embolorada. O Capitão Deolindo, mais vermelho que uma abóbora madura, pedia explicações... Entre o povo, a farra foi grande. João Brás, um grande arqueiro de botoque, gritou no meio da multidão: - Capitã é com isso que quereis enfrentar os cariocas? Tem mais valia o meu bodoque!
A comédia foi grande, tinha nego se mijando todo de tanto rir...
Como de fato, o bodoque do João Brás não era pra ninguém botar defeito, matava jacú na embaubeira, matava porco do mato e até anta, João Brás, matava com seu bodoque.
A revolução passou e nada de grave aconteceu aos ubatubanos. O canhão hoje fica em exposição na frente do antigo Casarão da Fundart. Se a turma dos noias não os roubarem para trocar com “pedra”, com toda certeza os canhões estarão prontos para atuarem a qualquer momento.
Mais ou menos assim, me contou o saudoso amigo João Barreto.

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