segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O dia que a minha tia Petiá desapareceu numa tempestade na Enseada

 

Crônicas Caiçaras

Autor: Joban Antunes

Era uma noite escura e tempestuosa na praia da Enseada em Ubatuba, por volta do inicio dos anos 60 . Explosão de raios rasgavam o céu numa dança como se fosse um balé de luz.  Eu gostava de ver essas miríades de luz e não tinha medo delas . Mas minha mãe, assim como minha tia ficavam atemorizadas com as tempestades e acreditando em crendices antigas, não nos deixavam aproximar-nos das janelas que eram fechadas e só víamos a luminosidade dos raios caindo.


 Os espelhos eram cobertos com panos.  As velas acendidas aos santos e ficávamos ajoelhados na esteira de taboa a rezar para Santa Bárbara, santa que acalmava tempestades , como dizem os antigos, exatamente como o velho ditado “só lembra de Santa Bárbara quando ronca trovoada”. Nessa noite tenebrosa estávamos na casa de minha tia Petronilha, que por ter  seu nome diferente e difícil de pronunciar pelos caiçaras, era conhecida pelo apelido de  Petiá.  A  casa era construída sobre um barranco alto cercada por dois rios que na época de chuva ficavam extremamente caudalosos. Estavam todos, menos eu, apavorados com o barulho dos trovões e o reflexo dos raios. Fervorosamente rezavam  ajoelhados na esteira.

A tempestade amainou, não havia mais trovões nem raios, apenas uma chuva fina. Fomos todos jantar um pirão de peixe com arroz. Após a janta minha prima que era a mais velha perguntou pela minha tia Petiá,  pois ela não estava na mesa da janta.  Procurada pela casa toda não foi encontrada. Bateu o desespero.  Onde estaria ela? Pensou-se até que ela havia  caído no rio e morrido. Meu pai e o meu tio chegaram do trabalho e ficando ciente do ocorrido, foram ao rio procurá-la, mas voltaram sem ter encontrado nada. O choro se estampava no rosto de todos. Muitas hipóteses surgiram em volta do desaparecimento, e a mais relevante era que, se ela não estava dentro de casa, só podia ser que, minha tia enlouquecida pelo medo, tivesse saído para o quintal e escorregado no barranco caindo no rio. Não havia mais o que fazer. O melhor era que todos fossem dormir e no dia seguinte, se realmente ela tivesse morrido afogada no rio, o corpo seria encontrado nas  buscas que se fizesse. 

 
Casa da Tia Petiá
Fomos dormir. Mas por falta de camas, os  “piazinhos”  dormiam em esteiras de taboas.  Minha prima, que era maior,  acomodava as crianças.  Foi quando ela sentiu a falta de uma das esteiras e saiu a sua procura.  Procura aqui, procura acolá, até que ela achou a esteira enrolada atrás da porta do quarto. E quando desenrolou, para seu espanto e para a alegria de todos, lá estava minha tia Petronilha, aliás Petiá,  adormecida traquilamente  com os ouvidos tampados com algodão.


FONTE...https://www.cancionerocaicara.com.br/


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