quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O "BENZEDOR" DITO BENTO . - UM CAUSO CAIÇARA............

 

CAUSOS CAIÇARA de Julinho Mendes
O "BENZEDOR" DITO BENTO
Bem ou mal, era o que tinha, era o que tratava: benzimentos e remédios caseiros, tanto um como outro, o que ajudava ainda era a fé que se tinha.
Benzedeiras e benzedores, em cada vila de caiçara tinha que ter um desses.
Na praia da Tabatinga não era diferente, até mais que em outro lugar, pela distância dos centros das cidades, tinha que ter um. E na Tabatinga tinha um dos bons: Dito Bento, um caiçara benzedô!

De tudo ele benzia, da cabeça aos pés, dos órgãos internos e das partes externa do corpo, tanto pela frente como por detrás. Era benzimento para queda de cabelos, dordolhos, nariz entupido, dor de dente, caxumba, teta seca, caroço no umbigo, diarreia aguda, espinhela caída, espinha entalada... Hora veja quem diria, até de azia Dito Bento benzia...
Vivia ele contente fazendo seus benzimentos: empanturramento, bucho virado, unha encravada, espinho no pé... Na parte sexual, também tinha seus benzimentos: menstruação atrasada, pau mole e hemorroida, tudo isso era resolvido na mais simples ladainha.
Vinha gente de todas as partes e com as mais diversas dores. A crença e a fé nos benzimentos de Dito Bento era tão grande que o pessoal traziam-lhe até cachorro, gato, papagaio, peru, cavalo….
Tinha benzimento pra tudo, ou quase tudo. Sua fama já ultrapassava as fronteiras da cidade...
Mas um dia, Dito Bento se viu numa enrascada; bateu em sua porta um casal que veio de Catuçaba, trazia uma criança, um menininho gemendo de dor, a barriga parecia que tinha engolido uma melancia. Num momento colocaram o garoto no chão, o menino correu pra parede da casa e começou a comer o barro da taipa; em instante comeu um metro quadrado, deixando a parede da casa só no bambu trançado com a fita de imbé.
-Isso é bicha! Diagnosticou de imediato Dito Bento. E agora???
A enrascada estava aí: ataque de bicha era a única coisa que Mané Bento não sabia e não tinha benzimento. O que fazer para curar a dor do menininho e confortar a dor dos pais que de tão longe vieram?
E o menino não parava de gemer de dor, ou melhor, só parava quanto passava a comer barro.
Tinha Dito Bento a consciência de sua fama e que, diante do fato e diante daquela penosa família, não podia perder sua reputação de grande benzedô. Pensou, pensou pensou e em pensamento achou a solução: -Vou fazer um improviso e, pra quem ta gemendo de dor tanto faz como tanto fez.
Pegou o menino no colo, pediu para os pais ficarem ajoelhados pro lado do sol poente e em pensamento pregou o improvisado benzimento:
“ São Francisco, São Francisco
Sei que de bicho tu entende,
Se bicha, é bicho também,
Faça-me agora um favor
Mande a dor do Manequinho,
Doer n’outro lugar,
Faça doer no Jeribá e na barriga do Tamanduá.”
Feita a tal oração, no mesmo instante Manequinho parou de gemer e a barriga do menino começou a esvaziar (o esvaziamento foi tal qual o pato do Mateusinho), o “barro” corria pela perna de Dito Bento e o cheiro de merda do Manequinho, exalou e impregnou num raio de cem metros.
-Dos males, o menor! Pensou o benzedô.
Vendo aquele milagre, os pais de Manequinho, não sabiam como agradecer a cura do filho. Não tinham dinheiro para dar, e mesmo que tivessem não seria aceito pelo nobre benzedô, mas como forma de gratidão, Dito Bento recebeu do casal, meio metro de fumo de rolo, o que de imediato, Dito Bento pegou e começou a esfregar no nariz para contrapor a catinga de merda.
Achava ele que era frescura de Manequinho, mas viu que realmente o menino tinha se curado.
Todo surpreso com o próprio benzimento, Dito Bento agradeceu o fumo e se despediram.
A noite não tardou, e após um banho gelado nas águas da cachoeira com esfregamento de folha de arruda e coentro, Dito Bento foi dormir, ou tentar dormir, pois o sono não lhe vinha, devido aos pensamentos na tal oração de benzimento no Manequinho.
Lá pelas tantas da madruga, já num sono mais profundo, acordou assustado com uns gemidos que vinham do quintal, levantou ressabiado, até pensando que fosse novamente o casal trazendo o garotinho cagão, mas quando abriu a porta, se arrepiou todo e começou a tremer, quando se deparou com um enorme Tamanduá, bicho que até conhecia, mas aquele gemia e se retorcia tal qual o Manequinho, e não bastasse o Tamanduá, gemia e se retorcia também o velho pé de coco Jeribá, que ficava a poucos metros da porta, no quintal…
Correu pra diante do oratório e ali, ajoelhado, rezou e se desculpou à São Francisco, pelo grave pecado que tinha cometido, recomendando ao Santo o paradeiro da dor do menininho. Foi castigo! E para que, tanto o Tamanduá quanto o pé de coco Jeribá, parassem de gemer, fez promessa à São Francisco que soltaria todos os seus passarinhos de gaiola e ainda quebraria a velha espingarda punheteira de carregar pela boca. E assim fez.
O fato é que, depois disso Dito Bento não mais quis fazer seus “benzimentos” a quem quer que fosse, continuou apenas nas recomendações dos chás de ervas medicinas.-----------

Nenhum comentário: