domingo, 11 de abril de 2021

A PESCA EM UBATUBA - ESTUDO SÓCIO ECONOMICO - 1973 - 9 ª PARTE




11.   PARTICIPAÇÃO SOCIAL

                  Em Ubatuba, percebe-se uma participação relativamente fraca em atividades

comunitárias. Comparando-se com as comunidades agrícolas as que se dedicam à pesca apre-

sentam formas menos intensas de solidariedade e ajuda mútua.

                    Uma hipótese que explicaria, em parte a questão, se fundamenta no fato de

o pequeno pescador explorar um bem comum, que é o mar. Na medida em que ele passa a

conhecer os lugares de pesca melhores, técnicas mais apropriadas, torna-se cioso de seus segre-

dos e prefere explorá-los sozinho ou com a ajuda de um camarada. No fundo ele sente que na

medida em que levar mais gente para o pesqueiro, sua produção vai ser menor. Um outro fa-

tor que parece ter aumentado o individualismo parece ser a proliferação de seitas protestantes

que, agressivamente, romperam o mundo de valores religiosos mais ou menos uniforme antes

existente. 


Assim, como os protestantes não vão a festas, consideram a dança de São Gonçalo

uma "adoração de imagens", foi-se rompendo a solidariedade anteriormente existente. Sub-

jacente a todos esses fenómenos está no fundo a expansão da economia monetária e do princj

pio do lucro, como racionalizador das atividades económicas e sociais. O mutirão já não dá

mais certo, pois custa muito se comprar os mantimentos para a festa que o segue. Na medida

em que de fato, os indivíduos se afastam da lavoura a produção de mantimentos é mais cus-

tosa e a comida tem que ser comprada, onerando os custos do mutirão.

                   Por outro lado, a maioria dos proprietários impossibilitados de fornecer ali-

mentos ao fim do mutirão, davam somente cachaça durante o baile, o que contribuía         ainda

mais para desordens e brigas que afastavam as danças, e desacreditavam a atividade. É o rom-

pimento de uma estrutura marcada pela produção do auto-consumo para uma outra mais volta-

da para o mercado em que um dos processos é o declínio da autoridade tradicional.

                   De qualquer maneira, o mutirão é antes de tudo uma forma de solidarieda-

de entre indivíduos que se dedicam à lavoura. A pesca com exceção do arrastão de praia, que

praticamente já sumiu de nosso Litoral, não comporta o mutirão.

                  Mourão estuda esse processo no Litoral Sul e apesar de analisar o mutirâ'o

ou outras formas de ajuda mútua sob o prisma de controle social e de sua função de desesti-

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 mular o comportamento divergente, chega a conclusões semelhantes: "Embora os fatos ressalta-

 dos por uns informantes se passem já numa época em que a crise a que vimos aludindo cons-

 tantemente, era já uma realidade o que até certo ponto explica o ocorrido, eles demonstram

já uma certa ruptura com o sistema de valores. A passagem a pesca, enfatizou um de nossos infor-

 mantes, possibilitou uma maior individualização pois bastava encontrar dois companheiros e sair

para a pescaria, "sem dar satisfações a ninguém". Terminada a pescaria, aguardava o barco de

Santos que pagava imediatamente e com dinheiro "vivo". " O homem ficava mais dono de s i " ,

comenta "gastava o dinheiro como queria, e não dependia de ninguém".(10)

 

QUADRO 26

 

                              PARTICIPAÇÃO SOCIAL -        UBATUBA

 

                                            Baile                                Igreja

 Categoria de Pescadores

                                sim     %           não    %       sim       %     1      não    %

 

 

  1. Pescadores Industriais     17     42.5         23    57.5     23      42.5           17    57.5

 

  1.1. Tripulantes              16     45.7         19    54.3     20       57.1          15    42.9

 

  1. 2. Mestre                   1     20.0          4    80.0      3       60.0           2    40.0

 

 

  2. Pescadores Artesanais      10     20.0         40    80.0     37       74.0          13    26.0

 

 

  2. 1. Donos dos apare-

 

       lhos de pesca             5     14.7         29    85.3     25       73.5           9    26.5

 

 

  2. 2. Camaradas                5     31.2         11    68.8      12      75.0           4    25.0

 

 

 

 

  TOTAL                         27     30.0         63    70.0     60       66.7          30    33.3

 

 

 

                      Como se pode analisar pelo Quadro 26, 70% dos pescadores afirmaram que

não iam a baile normalmente, verificando-se o inverso no que diz respeito à participação e m

atividades religiosas.

                     Entretanto, a participação por sub-categorias é bastante significativa. Dos pes-

cadores industriais, 42.5% afirmaram ir a bailes frequentemente, enquanto que somente 20% ar-

tesanais o faziam. Da mesma forma, mais da metade dos pescadores industriais não vão a igreja,

enquanto que a enorme maioria dos artesanais (74.0) participavam das atividades religiosas.

                      Essas proporções podem indicar o grau mais elevado de secularização dos pes

cíjdores industriais, em maior contato com os grandes meios urbanos de Santos e Rio de Janei-

ro, ao passo que os artesanais continuam mais presos às tradições locais e aos vínculos religio-

sos (alguns protestantes proíbem a ida aos bailes).

                    Como corolário da desorganização dos valores, as festas religiosas tradicionais

estão em vias de desaparecimento nas comunidades pesqueiras do Litoral Norte. As festas de Reis, S.

Gonçalo e outras, quase não existem mais. " A Bandeira do Divino do ano passado passou aqui

só pegando dinheiro", afirmou um dos entrevistados. Desestimuladas pelas autoridades católicas

 

 

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que vêem neias ma's uma manifestação do sincretismo religioso, desprezadas pelos protestantes que a

consideram uma "festa de adoração de imagens", as manifestações culturais vão desaparecendo.

E com elas parecem desaparecer a viola, o cavaquinho e outros instrumentos caipiras que pas-

sam a ser substituídos pela música da cidade.

12.    D I F I C U L D A D E S E ASPIRAÇÕES

                  Um aspecto importante na análise do setor pesqueiro da área estudada é a

percepção que os agentes tem de sua atividade e as aspirações que brotam daí.

                 O Quadro seguinte permite visualizar o nível de aspirações dos pescadores de

Ubatuba em suas diversas categorias.

QUADRO 27

                             PERMANÊNCIA NA PESCA -          UBATUBA

                                                      Vontade de Continuar na Pesca

           Categoria de Pescadores

                                               Sim            Não         Depende        ^ Não

                                                 %             %             %

      Pescadores                               81.3           14.3           3.3           1.1

      1.   Industriais                         92.5            5.0           2.5            —

           1.1. Embarcados                     91.4            5.7           2.8            —

           1.2. Mestre de barco               100.0            —             —              —

      2.   Artesanais                          72.5          21.6            3.9           1.9

           2.1. Dono dos aparelhos

                de pesca                       77.1          22.8            —              —

           2.2. Camaradas                      62.5           18.7           12.5          6.2

                    Apesar das precárias condições da atividade pesqueira, 81.3% dos entrevista-

dos declararam querer continuar na profissão, ainda que nas sub-categorias, 91.4% dos embar-

cados tivessem este desejo, contra 72.5 dos artesanais. Essas porcentagens parecem revelar que

apesar das dificuldades da vida do mar, a quase totalidade dos pescadores industriais preten-

dem continuar na pesca, pois essa atividade significa uma melhoria sobre as condições mais

degradantes da agricultura que nem chega a lhes garantir o mínimo vital. Já entre os pes-

cadores artesanais os que desejam abandonar a profissão são em número maior. Mesmo uma

parte dos que pretendiam continuar na pesca, somente o faziam por perceber que não teriam

capacitação para outras atividades.

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QUADRO 28

 

                 ASPIRAÇÃO PROFISSIONAL EM RELAÇÃO AOS FILHOS

 

 

                                            Aspiração Profissional em Relação aos Filhos

 

              Categoria                 Quer os      Não quer os     Depende

                                                                                      Não

                                          filhos        filhos          dos

                                                                                     sabe

                                        na pesca      na pesca        filhos

 

 

 Pescadores                               13.2          30.7           29.9          13.3

 

 

 1. P. Industriais                        32.3          32.3          22.5           12.9

    1.1.   Embarcados                     34.2          26.9          23.1           15.4

 

    1.2.   Mestre de barco                20.0          60.0          20.0            —

 

 

 

 

 2. Artesanais                             4.8          44.0          29.2           21.9

 

    2.1.   Donos dos apar. de pesca        3.4          44.8          34.8           17.2

 

    2.2    Camaradas                       8.3          41.6           16.6          33.3

 

 

 

 

                   É interessante se observar que dentre todos os pescadores só 13.2%    deles

pretendem que seus filhos continuem na pesca. Nas sub-categorias percebe-se que entre os tri-

pulantes da pesca industrial essa porcentagem se eleva para 32.3%, revelando que eles encaram

com um pouco mais de otimismo a profissão. Essas opiniões mais favoráveis em relação à pes-

ca, se explicam em parte, pelo fato de terem eles saído de uma situação pior como era a la-

voura, sem muitas perspectivas no Litoral Norte.

                   Já entre os pescadores artesanais, a porcentagem dos que pretendem a profis-

são de pescador para os filhos se reduz para 4.8%, revelando a precariedade das condições des-

sa sub-categoria. De uma maneira geral, a maioria dos pescadores acha sua profissão ingrata e

muito dura. No caso do pescador artesanal existe uma esperança: vender sua "posse" na praia

por um bom dinheiro e morar na cidade. Aliás, esse fenómeno vem ocorrendo com frequência

em Ubatuba, especialmente por pescadores de algumas praias do norte do município.

                    Esse processo já é muito conhecido; os turistas adquirem os terrenos onde

os pescadores artesanais tinham suas casas e seus ranchos para apetrechos de pesca. Atraídos

por uma remuneração mais certa e por trabalho menos penoso, os pescadores abandonam a pes-

caria e vão se empregar como caseiros, como trabalhadores de construção civil, como autóno-

mos de pequenos negócios de frutas ou produtos locais, indo à pesca somente em fins de se-

mana. Os poucos que permanecem na captura são confinados para os extremos da praia, onde

vivem em condições piores que as anteriores, ou são obrigados a se transferir para longe da

praia, com enormes dificuldades para o manejo de seus apetrechos de pesca. Desta maneira, a

pesca artesanal nas praias mais próximas ao centro urbano, especialmente na Maranduba, Toni-

nlias, Enseada, Perequê-Mirim e outras mais, está reduzida à atividade de alguns velhos pescado-

res que por não poderem mais arrumar outra atividade, nela permanecem. Já em praias mais

 

 

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 QUADRO 29

                                    UBATUBA -     QUADRO COMPARATIVO ENTRE ALGUMAS PRAIAS

                         Número                                          TECNOLOG1 A                                     Renda

  Locais de Pescadores      de                                                                                           Média

                         Pescador   Pese. c/               Pese. s/             Cercos                                   Mensal

                                                  %                      %               C/Rede    %     S/Rede    %

                                     motor                  motor               Flutu.

    Praias Turísticas

    T Maranduba La-

      goinha - Sabé        17          1          6.0         16        94.0      1        13     76.4     4      23 6   150,00

    2. Lázaro               8          4         50.0          4        50.0      0         4     50.0     4      50.0   291,00

    3. Enseada              7          2         28.5          5        71.5      2         4     57.2     3      23.6   158,00

    Praias de Pesca

    1. Picinguaba          80          7           9.0        73        91.0      3        20     25.0    60      75.0   396,00

    2. AInnada             32          5          16.0        27        84.0      0        11     35.4     21     65.6   389,00

                                                            (6SR)                                        (4SR)

    3. Saco da Ribeira     43          7          16.0        30        70.0      7        18     47.0     21     35.4   407,00

OBSERVAÇÃO : Incluindo a renda dos pescadores semi-industriais e industriais.


distantes, onde o turismo ainda não chegou dada a inexistência de vias de acesso, a pesca ainda se

mantém com alguma regularidade, especialmente naquelas que como Picinguaba, em que os pesca-

dores são embarcados em traineiras. De uma maneira geral, pode se afirmar que, com exclusão da

praia do Saco da Ribeira, onde um empresário japonês, mantém uma frotilha especializada no ca-

ção das praias do norte, da sede municipal e do Portinho, na cidade, onde operam os botes e ba-

leeiras semi-industriais, a pesca artesanal é de pouco significado. O Quadro 29 permite visualizar

algumas diferenças entre as praias já urbanizadas pelas atividades turísticas e as demais, já distan-

tes em que a pesca artesanal desempenha um papel importante. Como se constata no referido Qua-

dro a renda dos pescadores das praias em que predomina o turismo é bem menor que naquelas,

ainda afastadas do centro urbano. Enquanto que nas primeiras, a renda média está por volta de 199,00,

na segunda a renda média mensal alcançada é 397,00.

                   Essa diferenciação se dá sobretudo porque nas praias mais distantes a pesca

ainda é a única atividade económica, como sucede em Picinguaba.

                   Picinguaba ocupa, sem dúvida, uma posição importante na pesca local, pois

é uma vila bem ao norte do município destituída de vias de acesso terrestres. É o melhor por-

to daquela região, pois encontra-se protegido do temido vento sul que quando sopra forte po-

de fazer naufragar embarcações ancoradas em outras praias, como Ubatumirim.

                    Em Picinguaba dos 80 pescadores cadastrados, 70% são embarcados em trai-

neiras que se- dedicam à pesca da sardinha no tempo "escuro", cerca de 21 dias de pesca por

mês. É aí que os mestres de barco vêm buscar os tripulantes, rapazes novos, vindos muitas ve-

zes da lavoura das proximidades.

                      Já no Saco da Ribeira, local próximo da cidade, a pesca é mantida por uma

família de japoneses que se especializou na captura do cação. O chefe da família é dono de

uma salga de sardinha, de 6 barcos, (algumas vezes arrendados para pessoas do locai), de uma

câmara frigorífica de 14 toneladas. Ele mesmo constrói os barcos, geralmente de 9 a 11 me-

tros. A estória desse pequeno empresário é interessante, pois ele nunca tivera pessoalmente ex-

 periência em atividades pesqueiras. Vindo do interior, onde era lavrador, vendeu sua fazenda e comprou

 o terreno do Saco da Ribeira onde começou a construção da infra-estrutura para a captura. Vendo um

 parente seu construir pequenas embarcações, aprendeu a fazer outras maiores e hoje tem um pequeno

 estaleiro em que monta mais de duas embarcações por ano.

                      Muitas vilas de pescadores de Ubatuba, especialmente as da parte norte do

 município, são quase que isoladas geograficamente, por não terem estradas. A BR-101 que está

 sendo construída provoca muita espectativa entre os pescadores.




CONTINUA.........DIA  16    DE    ABRIL DE 2021


FONTE ORIGINAL............




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