11. PARTICIPAÇÃO
SOCIAL
Em
Ubatuba, percebe-se uma participação relativamente fraca em atividades
comunitárias. Comparando-se com as comunidades agrícolas as
que se dedicam à pesca apre-
sentam formas menos intensas de solidariedade e ajuda mútua.
Uma hipótese que explicaria, em parte a
questão, se fundamenta no fato de
o pequeno pescador explorar um bem comum, que é o mar. Na
medida em que ele passa a
conhecer os lugares de pesca melhores, técnicas mais
apropriadas, torna-se cioso de seus segre-
dos e prefere explorá-los sozinho ou com a ajuda de um
camarada. No fundo ele sente que na
medida em que levar mais gente para o pesqueiro, sua
produção vai ser menor. Um outro fa-
tor que parece ter aumentado o individualismo parece ser a
proliferação de seitas protestantes
que, agressivamente, romperam o mundo de valores religiosos
mais ou menos uniforme antes
existente.
Assim, como os protestantes não vão a festas,
consideram a dança de São Gonçalo
uma "adoração de imagens", foi-se rompendo a
solidariedade anteriormente existente. Sub-
jacente a todos esses fenómenos está no fundo a expansão da
economia monetária e do princj
pio do lucro, como racionalizador das atividades económicas
e sociais. O mutirão já não dá
mais certo, pois custa muito se comprar os mantimentos para
a festa que o segue. Na medida
em que de fato, os indivíduos se afastam da lavoura a
produção de mantimentos é mais cus-
tosa e a comida tem que ser comprada, onerando os custos do
mutirão.
Por
outro lado, a maioria dos proprietários impossibilitados de fornecer ali-
mentos ao fim do mutirão, davam somente cachaça durante o
baile, o que contribuía ainda
mais para desordens e brigas que afastavam as danças, e
desacreditavam a atividade. É o rom-
pimento de uma estrutura marcada pela produção do
auto-consumo para uma outra mais volta-
da para o mercado em que um dos processos é o declínio da
autoridade tradicional.
De
qualquer maneira, o mutirão é antes de tudo uma forma de solidarieda-
de entre indivíduos que se dedicam à lavoura. A pesca com
exceção do arrastão de praia, que
praticamente já sumiu de nosso Litoral, não comporta o
mutirão.
Mourão estuda esse processo no Litoral Sul e apesar de analisar o
mutirâ'o
ou outras formas de ajuda mútua sob o prisma de controle
social e de sua função de desesti-
50
mular o comportamento
divergente, chega a conclusões semelhantes: "Embora os fatos ressalta-
dos por uns
informantes se passem já numa época em que a crise a que vimos aludindo cons-
tantemente, era já
uma realidade o que até certo ponto explica o ocorrido, eles demonstram
já uma certa ruptura com o sistema de valores. A passagem a
pesca, enfatizou um de nossos infor-
mantes, possibilitou
uma maior individualização pois bastava encontrar dois companheiros e sair
para a pescaria, "sem dar satisfações a ninguém".
Terminada a pescaria, aguardava o barco de
Santos que pagava imediatamente e com dinheiro
"vivo". " O homem ficava mais dono de s i " ,
comenta "gastava o dinheiro como queria, e não dependia
de ninguém".(10)
QUADRO 26
PARTICIPAÇÃO SOCIAL -
UBATUBA
Baile Igreja
Categoria de
Pescadores
sim %
não % sim
% 1 não
%
1. Pescadores
Industriais 17 42.5 23
57.5 23 42.5 17
57.5
1.1.
Tripulantes 16 45.7 19
54.3 20 57.1 15
42.9
1. 2. Mestre 1 20.0 4
80.0 3 60.0 2
40.0
2. Pescadores
Artesanais 10 20.0 40
80.0 37 74.0 13
26.0
2. 1. Donos dos
apare-
lhos de
pesca 5 14.7 29
85.3 25 73.5 9
26.5
2. 2. Camaradas 5
31.2 11 68.8
12 75.0 4
25.0
TOTAL 27 30.0 63
70.0 60 66.7 30
33.3
Como se pode analisar pelo Quadro 26, 70% dos pescadores afirmaram que
não iam a baile normalmente, verificando-se o inverso no que
diz respeito à participação e m
atividades religiosas.
Entretanto, a participação por sub-categorias é bastante significativa.
Dos pes-
cadores industriais, 42.5% afirmaram ir a bailes
frequentemente, enquanto que somente 20% ar-
tesanais o faziam. Da mesma forma, mais da metade dos
pescadores industriais não vão a igreja,
enquanto que a enorme maioria dos artesanais (74.0)
participavam das atividades religiosas.
Essas proporções podem indicar o grau mais elevado de secularização dos
pes
cíjdores industriais, em maior contato com os grandes meios
urbanos de Santos e Rio de Janei-
ro, ao passo que os artesanais continuam mais presos às
tradições locais e aos vínculos religio-
sos (alguns protestantes proíbem a ida aos bailes).
Como corolário da desorganização dos valores, as festas religiosas
tradicionais
estão em vias de desaparecimento nas comunidades pesqueiras
do Litoral Norte. As festas de Reis, S.
Gonçalo e outras, quase não existem mais. " A Bandeira
do Divino do ano passado passou aqui
só pegando dinheiro", afirmou um dos entrevistados.
Desestimuladas pelas autoridades católicas
51
que vêem neias ma's uma manifestação do sincretismo
religioso, desprezadas pelos protestantes que a
consideram uma "festa de adoração de imagens", as
manifestações culturais vão desaparecendo.
E com elas parecem desaparecer a viola, o cavaquinho e
outros instrumentos caipiras que pas-
sam a ser substituídos pela música da cidade.
12. D I F I C U L D
A D E S E ASPIRAÇÕES
Um
aspecto importante na análise do setor pesqueiro da área estudada é a
percepção que os agentes tem de sua atividade e as
aspirações que brotam daí.
O
Quadro seguinte permite visualizar o nível de aspirações dos pescadores de
Ubatuba em suas diversas categorias.
QUADRO 27
PERMANÊNCIA NA PESCA -
UBATUBA
Vontade
de Continuar na Pesca
Categoria
de Pescadores
Sim Não Depende ^ Não
% % %
Pescadores 81.3 14.3 3.3 1.1
1. Industriais 92.5 5.0 2.5 —
1.1.
Embarcados 91.4 5.7 2.8 —
1.2. Mestre
de barco 100.0 — — —
2. Artesanais 72.5 21.6 3.9 1.9
2.1. Dono
dos aparelhos
de
pesca 77.1 22.8 — —
2.2.
Camaradas 62.5 18.7 12.5 6.2
Apesar das precárias condições da atividade pesqueira, 81.3% dos
entrevista-
dos declararam querer continuar na profissão, ainda que nas
sub-categorias, 91.4% dos embar-
cados tivessem este desejo, contra 72.5 dos artesanais.
Essas porcentagens parecem revelar que
apesar das dificuldades da vida do mar, a quase totalidade
dos pescadores industriais preten-
dem continuar na pesca, pois essa atividade significa uma
melhoria sobre as condições mais
degradantes da agricultura que nem chega a lhes garantir o
mínimo vital. Já entre os pes-
cadores artesanais os que desejam abandonar a profissão são
em número maior. Mesmo uma
parte dos que pretendiam continuar na pesca, somente o
faziam por perceber que não teriam
capacitação para outras atividades.
52
QUADRO 28
ASPIRAÇÃO PROFISSIONAL EM RELAÇÃO AOS FILHOS
Aspiração Profissional em Relação aos Filhos
Categoria Quer
os Não quer os Depende
Não
filhos filhos dos
sabe
na
pesca na pesca filhos
Pescadores 13.2 30.7 29.9 13.3
1. P.
Industriais
32.3 32.3 22.5 12.9
1.1. Embarcados 34.2 26.9 23.1 15.4
1.2. Mestre de barco 20.0 60.0 20.0 —
2. Artesanais 4.8 44.0 29.2 21.9
2.1. Donos dos apar. de pesca 3.4 44.8 34.8 17.2
2.2 Camaradas 8.3 41.6 16.6 33.3
É
interessante se observar que dentre todos os pescadores só 13.2% deles
pretendem que seus filhos continuem na pesca. Nas
sub-categorias percebe-se que entre os tri-
pulantes da pesca industrial essa porcentagem se eleva para
32.3%, revelando que eles encaram
com um pouco mais de otimismo a profissão. Essas opiniões
mais favoráveis em relação à pes-
ca, se explicam em parte, pelo fato de terem eles saído de
uma situação pior como era a la-
voura, sem muitas perspectivas no Litoral Norte.
Já
entre os pescadores artesanais, a porcentagem dos que pretendem a profis-
são de pescador para os filhos se reduz para 4.8%, revelando
a precariedade das condições des-
sa sub-categoria. De uma maneira geral, a maioria dos
pescadores acha sua profissão ingrata e
muito dura. No caso do pescador artesanal existe uma
esperança: vender sua "posse" na praia
por um bom dinheiro e morar na cidade. Aliás, esse fenómeno
vem ocorrendo com frequência
em Ubatuba, especialmente por pescadores de algumas praias
do norte do município.
Esse processo já é muito conhecido; os turistas adquirem os terrenos
onde
os pescadores artesanais tinham suas casas e seus ranchos
para apetrechos de pesca. Atraídos
por uma remuneração mais certa e por trabalho menos penoso,
os pescadores abandonam a pes-
caria e vão se empregar como caseiros, como trabalhadores de
construção civil, como autóno-
mos de pequenos negócios de frutas ou produtos locais, indo à
pesca somente em fins de se-
mana. Os poucos que permanecem na captura são confinados
para os extremos da praia, onde
vivem em condições piores que as anteriores, ou são
obrigados a se transferir para longe da
praia, com enormes dificuldades para o manejo de seus
apetrechos de pesca. Desta maneira, a
pesca artesanal nas praias mais próximas ao centro urbano,
especialmente na Maranduba, Toni-
nlias, Enseada, Perequê-Mirim e outras mais, está reduzida à
atividade de alguns velhos pescado-
res que por não poderem mais arrumar outra atividade, nela
permanecem. Já em praias mais
53
QUADRO 29
UBATUBA
- QUADRO COMPARATIVO ENTRE ALGUMAS
PRAIAS
Número
TECNOLOG1 A Renda
Locais de
Pescadores de
Média
Pescador Pese. c/ Pese. s/ Cercos Mensal
% % C/Rede %
S/Rede %
motor motor Flutu.
Praias Turísticas
T Maranduba La-
goinha -
Sabé 17 1 6.0 16 94.0 1
13 76.4 4
23 6 150,00
2. Lázaro 8 4 50.0 4 50.0 0
4 50.0 4
50.0 291,00
3. Enseada 7 2 28.5 5 71.5 2
4 57.2 3
23.6 158,00
Praias de Pesca
1. Picinguaba 80 7 9.0 73 91.0 3
20 25.0 60
75.0 396,00
2. AInnada 32 5 16.0 27 84.0 0
11 35.4 21
65.6 389,00
(6SR) (4SR)
3. Saco da
Ribeira 43 7 16.0 30 70.0 7
18 47.0 21
35.4 407,00
OBSERVAÇÃO : Incluindo a renda dos pescadores
semi-industriais e industriais.
distantes, onde o turismo ainda não chegou dada a
inexistência de vias de acesso, a pesca ainda se
mantém com alguma regularidade, especialmente naquelas que
como Picinguaba, em que os pesca-
dores são embarcados em traineiras. De uma maneira geral,
pode se afirmar que, com exclusão da
praia do Saco da Ribeira, onde um empresário japonês, mantém
uma frotilha especializada no ca-
ção das praias do norte, da sede municipal e do Portinho, na
cidade, onde operam os botes e ba-
leeiras semi-industriais, a pesca artesanal é de pouco
significado. O Quadro 29 permite visualizar
algumas diferenças entre as praias já urbanizadas pelas
atividades turísticas e as demais, já distan-
tes em que a pesca artesanal desempenha um papel importante.
Como se constata no referido Qua-
dro a renda dos pescadores das praias em que predomina o
turismo é bem menor que naquelas,
ainda afastadas do centro urbano. Enquanto que nas
primeiras, a renda média está por volta de 199,00,
na segunda a renda média mensal alcançada é 397,00.
Essa diferenciação se dá sobretudo porque nas praias mais distantes a
pesca
ainda é a única atividade económica, como sucede em
Picinguaba.
Picinguaba ocupa, sem dúvida, uma posição importante na pesca local,
pois
é uma vila bem ao norte do município destituída de vias de
acesso terrestres. É o melhor por-
to daquela região, pois encontra-se protegido do temido
vento sul que quando sopra forte po-
de fazer naufragar embarcações ancoradas em outras praias,
como Ubatumirim.
Em
Picinguaba dos 80 pescadores cadastrados, 70% são embarcados em trai-
neiras que se- dedicam à pesca da sardinha no tempo
"escuro", cerca de 21 dias de pesca por
mês. É aí que os mestres de barco vêm buscar os tripulantes,
rapazes novos, vindos muitas ve-
zes da lavoura das proximidades.
Já no Saco da Ribeira, local próximo da cidade, a pesca é mantida por
uma
família de japoneses que se especializou na captura do
cação. O chefe da família é dono de
uma salga de sardinha, de 6 barcos, (algumas vezes
arrendados para pessoas do locai), de uma
câmara frigorífica de 14 toneladas. Ele mesmo constrói os
barcos, geralmente de 9 a 11 me-
tros. A estória desse pequeno empresário é interessante,
pois ele nunca tivera pessoalmente ex-
periência em
atividades pesqueiras. Vindo do interior, onde era lavrador, vendeu sua fazenda
e comprou
o terreno do Saco da
Ribeira onde começou a construção da infra-estrutura para a captura. Vendo um
parente seu construir
pequenas embarcações, aprendeu a fazer outras maiores e hoje tem um pequeno
estaleiro em que monta
mais de duas embarcações por ano.
Muitas vilas de pescadores de Ubatuba, especialmente as da parte norte
do
município, são quase
que isoladas geograficamente, por não terem estradas. A BR-101 que está
sendo construída
provoca muita espectativa entre os pescadores.
CONTINUA.........DIA 16 DE ABRIL DE 2021
FONTE ORIGINAL............
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