Rozendo Sampaio Garcia
Assistente de Tupy-Guarany da Faculdade de Phil. Sc. e Letras da Universidade de S. Paulo.
QUANDO procediamos á coordenação de dados para nòssa monographia sobre "Os toponymos tupys na Costa Brasilica", deparamos, entre outros, o vocabulo acima que, pela diversidade de interpretação que suggere, nos conduziu a cons~ilta acurada ás fontes mais autorisadas que nos permittissem chegarmm a uma conclusão definitiva sobre o assumpto. Theodoro Sampaio, o notavel cultor da lingua, re centemeute fallecido, e a quem devemos o magistral "O Tupy na Geographia Nacional", apresenta trez interpretaçòes diversas do &@mo, plenamente jnstificaveis, se attendermos a nota prefacianle da edição de sua obra-mestra segundo a qual procurou sempre dar aos toponymos as differentes interpretações cabiveis.
Na expressão do conceituado tupynologo. Ubatubn póde admittir os
seguintes radicaes: Ybá, fructo, Uybá, flecha, canna brava, ou, Ybá, canoa,
corrompidos em Lrbá que se contrahiu com o snffixo tuba, corrupção de tyba.
sitio, ou snffixo designativo de collecçáo. Assim LTbatuba poderia significar
tanto "sitio das fructas, fructal ou pomar", como "sitio das
canoas". RoZEXDo S.%MP:\IO GARCIA Diante da multiplieidade de nccepções
todas ellas coherentes com as transformações soffridas pela lingua indigena na
sua adaptarão á geographia brasilica. tentamos distinguir qual a que melhor se
applicaria ao toponymo paulista. E cremos ter attingido a nossa determinante
final. No decurso de nossas investigações tivemos a rara opportunidade de
consultar o precioso manuscripto copiado em Piratini~iga, em 1621, pelo
missionario anonymo que o reuniu ao "Nome das partes do corpo hnmano pela
lingua d~ Brasil" de Pero de Castilho. Esta obra que pertenceu á
bibliotheca de Felix Pacheco está hoje confiada ao insigne mestre, Plinio
Ayrosa, que dentro em breve publicará obra critica, valiosa e indispensavel a
todos os que se dedicam aos estudos tupysguaranys. Neste valioso codice
piratiningano que revela a linguagem iudigena do primeiro seculo da colonizaqão
colhemos os étymos Uùbâ applicado á "cana de frecha, tomada corno esta na
mata com a folha" e Ilúba "sè ella" que impressionam vivamente
pela mais prosima filjação com o radical principal do toponymo littoraneo. JA
Anchieta registrára Uúba, frecha, e, Uúba anhãi, no pé da frecha. ambas as
expressões insertas em sua "Arte de Grammatica da lingua mais usada na
costa do Brasil", composta em Piratininga, entre os Guayaná, e publicada
em 15%. Xa obra do Pe. Luiz Figueira, escripta no Maranhão, editada em 1621.
provavelmente, occorre ainda o mesmo elemento, uniformemente gravado, revelando
uma identidade linguistica real entre dois povos separados por uma immensa faixa
de terra, mas de origem commum. Pequena alteração phonica soffre o étymo no
guarany registrado por Montoya no segundo quartel do seculo XVII, no Territorio
das Missões; ja então apparece o termo sob a forma contracta caracteristica da
região sulina Uy ('), "frecha", bem como, "Uyba",
"canas
bravas", consignados por Baptista Caetano e outros
alitores modernos. Do confronto entre o étymo tupy tal como foi gra- \.:ido em
Piratiiiinga por Anchieta c pelo missionarjo anonymo autor do Ms. a que nos
referimos, e o ébmo guarany registrado por Montoya, ao sul do Brasil, resulta
evidente a .debatida questão da differença de graphia do y, oscillante entre o
Y grego e o U francez e que cada autor procurou, tanto quanto possivel,
approximar de sua lingua mater. Resta-nos examinar o terceiro aspecto da
questão, aquelle em que Ubá assume a funcçáo de "canoa", tal como a
encontramos vehiculadn por quasi todos os diccionarios portuguezes, como o de
Candido de Figueiredo, e, especialmente, no "Vocabiilario da lingua geral
portuguez-nheéngatu e nheêugatu-portuguez' de Stradelli. com a accepção particular
de "canoa cavada nuin só pao, sem falcas - Yua (L&&''. E' facil
verificar-se na composicão deste vocabulo o étymo Yua (Yba, no tupg da costa),
arvore, contrahido com o suffixo a que indica o proveniente de.. ., ou, a cansa
feita de.. ., d'onde Yuá (Ybá), o que provem da arvore, seja, a canoa, quando
excavada no tronco da arvore. Assfm verificamos que Lka phde snbsistir como
canoa mas para indicar especialmente arliiella que tem como materia prinia de
sua composição, a arvore. Com este mesmo aspecto parcial encontramos, ao norte
e a oeste do Amazonas, embarcaçóes ligeiras em que intervem não mais a arvore
propriamente em siia fabricação, mas a casca, c~iidadosamente retirada, liada
por cipris e bem alcatroada com resinas vegetaes. Recebem então a denominação
particular de pirogas, provindo a expressão do abanheênga onde
"pirog" significa "pelle tirada" ou "descascada".
Como designativo da embarcação em geral, independente da ideia do material de
sua composição, quer no tupy, como no guarany ou no nheêngatú, encontramos
Ygara em que reconhecemos facilmente o radical yg, a'agua, agglutinado a gara,
senhor, dono, dominador, que na composição perdeu o g do thema original. Temos
então para a canoa uma accepcáo mais ampla, mais accorde com a sua finalidade,
que revela no tupg calumniado ama força de expressão que não se mostra inferior
&s linguas chamadas cultas e classicas. Como vocabulo autonomo recebe Ygara
os affixos necessarios para traduzir ampliação ou reducção da ideia inicial,
como Ygarassú, litteralmente, canoa grande, nome com que designavam 9s navios
portuguezes. Jurtaposlo a outros vocabulos encontramol-o no 31s. citado sob as
formas: Jbirâigara. almadia ou canoa de páo (tarnbem Jgarefê, a canoa
verdadeira),, Jgpeigara, a canoa de casca, Piripiri Jgnra, a canoa de junco,
ou, aggliitinado, tal como Jgaru1:c;ha ou Jgarupatibn, porto ou
desembarcadouro. Em face da breve exposição grammatical que esboçimos, julgamos
ser possivel acceitarmos Dbatuba na área geographica paulista como "sitio
das flechas, flechal", por assignalar com maiores probabilidades de
exactidão o local d'onde o aborigene se suppria do canniço abundante para a
fabricação de suas emplumadas flechas. Outras razi5es nos induzem a acceitarmos
esta significacão unilateral. Sendo a canoa elemento da cultura material de
todos os povos do littoral do Brasil. seria razoavel encontrarmos o toponymo
multiplicado em differentes pontos da costa. o que, parece, não se verifica. Ao
que consta o vocabulo deve ter-se restringido á cidade paulista e a um engenho
do municipio de Goganna, em Pernambuco. citado por Mario Mel10 em
"Toponymia Pernambucana", Em synthese,, riso repellimos as demais
interpretacões do vocabulo, menos caracteristicas na designacão do
"habitat" indigena por contrariarem o espirito de precisão com que o
incola baptisava os accidentes geographicos; mas achamol-as insubsistiveis na
expressão do nome + velha cidade praiana. A quem quer que se proponha a
investigacão deste genero será dado verificar a frequencia com que a toponymia
reflecte aspectos de nossa flora exhuberante ou da fauria riquissima que sSo os
mais preciosos docilmentos que possuimos dn cultura desse povo que nos legou
muito de seu vocabulario barbaro a cujo fascinio ainda estamos presos. Quatro
seculos de contacto dissolvente não conseguiram apagar os vestigios do seu
imperio e são a garantia de sua estabilidade atravéz dos tempos futuros qual um
diamante crystallino reflectindo em suas scintillaçóes toda a sua pureza
antiga.
S. Paulo, Outubro de 1937.
REVISTA' DO INSTITUTO HISTORICO CEOCRAPHICO DE 810 PAULO FUNDADO
EM I.- DE NOVEMBRO DE 1894 Director : PAULO DUARTE
FONTE.................. http://ihgsp.org.br/wp-content/uploads/2018/03/Vol-33.pdf
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