sexta-feira, 29 de novembro de 2019

BOI CANARINHO



- Julinho Mendes 17/11/2002 - Via Facebook

A família Veiga é uma tradicional família da constituição caiçara; antigamente, era uma família de festeiros, foliões e, em tudo quanto era festa, religiosa ou não, estavam presentes, contribuindo com a cultura popular Ubatubana. Participavam das folias de Reis, do Divino Espírito Santo, São Gonçalo, dança da Fita, Congada, Xiba,... 

Mas era no carnaval que os Veigas davam a sua maior contribuição ao folguedo Ubatubano, era na Dança de Boi que eles levavam a alegria à criançada e ao povo da cidade. Em cada ano o Mestre Veiga construía um boizinho novo para brincar o carnaval de rua de Ubatuba.
Dito Veiga era morador do bairro do Taquaral, onde tinha lá seu pequeno pedaço de chão e sua casinha de pau-a-pique. Assim como todos os caiçaras, Dito Veiga também tinha suas criações, seus animais, seus cachorros de caça; mas o xodó de Dito era um Canário da Terra, um cabeça de fogo, que no alvorecer punha-se a cantar, de forma que era o despertador da casa, cantava antes do galo carijó. Tinha um carinho muito grande pelo passarinho. Era costume deixá-lo no beiral da casa, as vezes, em dia de sol, punha-o num galho de goiabeira próximo à casa. Um dia foi à cidade esquecendo a gaiola do canário na goiabeira. Não deu outra; ao voltar só encontrou as penas do estimado passarinho no fundo da gaiola. Um gavião tinha matado o pobre passarinho. Deu-lhe uma tristeza que não havia quem lhe tirasse aquela dor no peito.
-Deixa de ser bobo, Dito, você arruma outro! Falava a mulher.
-Igual aquele não existe, e não quero mais saber de passarinhos! Respondeu.
Soltou o curió, o trinca-ferro, o Sabiá e abriu a porta do viveiro, fazendo voar tudo quanto era passarinho, até um macuco e um casal de uru, pôs pra correr.
Devagarzinho aquela mágoa foi se desfazendo... O carnaval estava perto e tinha que preparar o seu boi para a dança. Num estalo, pensou em homenagear o estimado canarinho, e assim o fez; construiu um boi todinho amarelo, amarelo terra, chamando-o de BOI CANARINHO; na cabeça desse boi, Dito, colocou uma escultura do canarinho, feito de caxeta. A sua alegria tinha voltado e mais do que nunca estava ansioso para brincar o carnaval com o seu Boi Canarinho. Seria um arraso!
Era sábado de carnaval e o grupo já estava todo reunido com rabeca, viola, violão, cavaquinho, pandeiro, bumbo e os mais diversos versos que acompanhariam o refrão “Investe, investe meu boi, pro lado que tem mais gente”... Seguiram o caminho com toda alegria, arrastando os mais diversos foliões, levando-os para o centro da cidade, onde seria a apoteose.
No local, antigo campo de futebol do Perequê-Açú, onde também foi o camping Ubatur, pastavam algumas vaquinhas leiteiras. Ao ver aquelas vaquinhas, o grupo do Mestre Veiga, quis fazer uma brincadeira com os animais: -Vamos lá Canarinho, vamos por ordem no curral! E partiram pra cima das vacas com batucada e com aquele boi amarelo. Mal sabiam eles o que lhes esperavam. Das vacas, não ficou uma, fugindo do barulho da batucada; mas de repente, não se sabe de onde, apareceu um touro malhado, e, pela cara, o bicho estava furioso. Ao verem aquele bicho bufando e soltando fumaça pelas ventas, a turma da batucada escafederam-se; era gente subindo em pé de espinheiro, fulano trepando em bambuzal, cicrano se jogando no ciozal e o único que ficou, não sabendo o que estava acontecendo, foi Dito Veiga, que estava debaixo do boi Canarinho. Lá de dentro ele gritava: -O que foi! O que aconteceu! A onde vocês foram! Deu uma virada de 180°, e pelo buraco de visão, abaixo do pescoço do canarinho, foi que Dito viu o tamanho da encrenca que tinha arrumado. Avistou o touro bravo, que naquela altura já estava tomando impulso, batendo com uma das patas no chão e pronto para atacar o boi canarinho, que para ele seria um rival em seu harém. -E agora minha Nossa Senhora, o que eu faço? A turma lá de fora gritava: -Sai daí homem, sai daí, que o bicho vai te pegar! Não demorou e o bicho deu a sua investida. Vendo que não tinha como sair de baixo de seu boi, Dito Veiga, pôs-se a correr com o boi nas costas. Quanto mais corria mais o touro se embravecia. Deu azar, correu e deu de cara um cercado de bambu. Não teve como fugir,... foi uma pancada só por de trás do Canarinho; Dito Veiga voou com boi e tudo por cima do cercado e foi parar dentro de num galinheiro. Ficou em trapos. O canarinho tinha virado balaio, a cabeça ficou engarranchado num pé de amendoeira e o rabo ficou grudado na cerca. De certa forma, teve sorte, pois o cercado deteve o touro bravo, porque se não, tinha acontecido uma tragédia naquele sábado de carnaval.
Perderam o sábado, mas tinha o domingo, a segunda e terça feira de carnaval. Cada um pegou um pedaço do que restou do boi Canarinho e voltaram para concerta-lo. No domingo o BOI CANARINHO se apresentou, completamente deformado e fora de esquadro, mas mais engraçado ficou.---

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