“Iperoig, a mais linda virgem tamoia, implora a seu Deus o amor do
homem branco. Na orla da praia, o jovem missionário ora e medita. As
saudades da pátria distante são suavizadas pela fé ardente.
O amor da jovem índia não o perturba. Há muito que esqueceu as
tentações da carne, porém seu espírito sofre. Acostumado a amar e
amparar os seres humanos mais infelizes do que ele próprio o é,
compreende o imenso desespero da virgem que se lhe oferece e é
repudiada.
Já havia perdoado o amor louco da
selvagem donzela, que tentava afastá-lo do Senhor e da gloriosa missão
para a qual fora destinado na terra. Pousa seus olhos sonhador sobre a
cabecinha amiga e inclinada a seus pés. Olha para os braços roliços,
morenos, de linhas graciosas e puras, cruzados sobre os seios pequenos e
túrgidos. Iperoig espera...
Eis que o homem branco,
com voz suave e trêmula, diz: - ‘Minha filha. Já o sol nasceu e está
aquecendo a terra. Seus raios vivificadores estão dando vida tua pátria
selvagem, onde viste pela primeira vez sua luz’.
Ergueu-a mansamente da areia, onde estava ajoelhada, e viu-a trêmula e
palpitante. Seu espírito forte e heroico se sentiu turbado ante aquela
criança, que implorava desesperadamente amor. Vacilou por um simples
momento, e pousando o seu olhar na incomensurável amplidão do céu, orou
febril: - ‘Deus, Todo Poderoso, tende piedade! Lançai Vosso olhar
protetor sobre esta pobre ovelha arisca do rebanho. Senhor! Iluminai com
Vossa Divina Luz este pobre coração obscurecido e mergulhado no pecado!
Fazei, Senhor, com que esta criança sofredora, conheça a Luz e a
Verdade, que sois Vós, Jesus!’
Enquanto orava, de
seus olhos as lágrimas escorriam, lentamente, pelas faces pálidas e
encovadas. Ouvi-o Iperoig. E assim falou: - ‘Os guerreiros valentes da
nação tamoia não choram quando vão morrer. Tu choras porque eu te tenho
amor.’
Cai, de joelhos, o missionário: ‘Ave-Maria...’
Sua voz clara e melodiosa se casa com trinado dos
pássaros, enquanto o mar na praia o acompanha em responso de prece...
Parte a jovem tamoia alucinada de dor, ofendida no mais
profundo ser, pela recusa do seu amor. Vai pedir a vida do homem branco
a seus irmãos. – ‘Negara-lhe ele o amor que lhe ofereceu? Pois bem; ela
lhe negará a vida.’
Segue. Penetra na selva. Eis
que das folhas escuras desliza lentamente a horrenda urutu. Um bote e um
grito! Iperoig sente-se ferida. Seu olhar desvairado busca, frenético, a
‘árvore da vida’, cujas folhas poderão salvá-la. Mas, ai dela! A árvore
nasce muito longe, além, no sopé da serra. As dores atrozes dizem-lhe
que a mais linda virgem da nação está para morrer.
-
‘Não’ –grita aflita – ‘Não morrerei longe dele. Quero vê-lo mais uma
vez, antes de partir para o país das sombras’.
Reunindo todas as forças que lhe restam, já minada pelo veneno atroz,
Iperoig tenta voltar à praia. Ampara-se nos troncos, nos galhos,
arrasta-se de joelhos, implorando a Tupã para que lhe dê energia
suficiente. Torna a enxergar o mar. Seu olhar amortecido pela morte que
se aproxima, vislumbra a silhueta amada. Um derradeiro arranco, um
último esforço, o grito agônico e tudo se acaba.
Surge a lua que ilumina dois vultos na praia deserta: um monge que reza e
um corpo jovem que dorme seu último sono. Assim atravessam a noite.
Quando o sol iluminou mais uma vez as areias alvas, encontrou uma tumba e
uma cruz de lenho plantada pelo padre Anchieta. É ela que perdura até
os nossos dias: a Cruz de Iperoig”
Colaboração de Nei Caetano Ubatuba Via Facebook
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