terça-feira, 25 de setembro de 2018

CAIÇARA NO PROCESSO DE ACULTURAÇÃO







        
Como já percebemos a praia de Maranduba e adjacências após a primeira ligação através das rodovias estadual, no final da década de 1950 e inicio da década de 1960, começou sua desestruturação. Principalmente pela sua beleza paradisíaca e localização estratégica, meio do caminho entre a Cidade de Caraguatatuba e a Cidade de Ubatuba. Com uma orla marítima belíssima, com rios e sertões com suas cachoeiras dentro de uma Mata Atlântica intacta e exuberante. Comunidade caiçara que integrava (ocupava) a praia de Maranduba e Sertão da Quina era uma comunidade só.

Localidade onde os olhos dos que vêem o progresso e o futuro (o turismo) de forma materialista (capitalista)
se junta ao setor da especulação imobiliária, não dando chance ao gentil caiçara. Foi cruel e devasalador, comprando, invadindo, grilando, expulsando o caiçara para várias regiões e os sertões próximos (Sertão de Maranduba, hoje Sertão da Quina), onde estão os remanescentes caiçaras, que ficaram para manter suas tradições culturais ou se tornarem parte deste mundo contemporâneo, como guias turísticos, empregados (as) domésticos, recepcionistas de pousadas, caseiros, jardineiros, marceneiros, carpinteiros, pedreiros, corretores de imóveis etc.

E o pior ainda viria com a ligação norte de Ubatuba com a construção da BR- 101, inicio dos anos da década de 1970, completando o circuito da  Rio-Santos.
Não só os Bairros de Maranduba/Sertão da Quina, mas a situação vivida pelas comunidades caiçaras nos dias de hoje, como já apontamos do turismo avassalador e da especulação imobiliária, nas últimas quatro décadas, têm transformado os sujeitos moradores dos quatros Municípios do Litoral Norte em legiões de desempregados, subempregados, favelados e até miseráveis, no dizer de Marcílio:
 Divididos psicologicamente entre um passado de fartura e um presente de desorientação, miséria e revolta, principalmente, este é nosso objetivo de pesquisa após a construção da estrada BR-101 cujo traçado aterrou cerca de 70 praias. (MARCÍLIO, 1986, P. 13).
Segundo Rovai & Frenette:
Progresso é uma palavra carregada de significados contraditórios. Alguns a entendem de um modo mais próximo de sue sentido original, compreendendo-a com um avanço. Outros, no entanto, ao ouvir essa palavra, associam-na imediatamente a uma piora generalizada da qualidade de vida. (ROVAI & FRENETTE, 2000, P. 55).
 Em depoimento o Sr. Antonio dos Santos, caiçara de 77 anos em suas reminiscências, emocionadamente nos informa que: “Antes não tinha Rio-Santos, era só mato, a gente tinha mais liberdade, de primeiro à gente saia sem esperar nada era só colocar o chapéu na cabeça e sair andando, hoje sem dinheiro você não faz nada; não embarca, não come”. O Sr. Antonio dos Santos realça o motivo da “perda da liberdade”: “Aí veio um monte de gente para construir a Rio-Santos”. Estrada assim vem gente boa, mas também vem gente ruim esse é o problema. Depoimento contido no livro: Os Caiçaras Contam (ROVAI & FRENETTE, 2000, P. 68).

  A caiçara dona Evangelina da Silva, já com seus 84 anos parece neste trecho da narrativa esclarecer de forma simples, a dor sentida com a transformação do lugar. “Somos dos antigos, aqui só sobrou eu e o preguiça agora só tem gente de fora, e isso começou com a Rio-Santos. Isso aqui não é mais nosso lugar, acabou nos não temos água (…) tem que encher a caixa para economizar, gastar pouco e ficar quieto o grosso da água vai para os hotéis e para casa dos ricos. Lembro-me do meu antigo lugar e fico quieta esse lugar já foi não é mais”. (ROVAI & FRENETTE, 2000, P. 48).

A caiçara traduz com uma simplicidade que lhe é característica, numa narrativa sem atropelos a íntima relação do caiçara e o lugar. Como salienta Ana Alessandri Carlos Fani ao afirmar que o sujeito pertence ao lugar como este a ele. “No lugar emerge a vida, posto que seja aí dá a unidade da vida social. Cada sujeito se situa num espaço concreto e real onde se reconhece..)”. (FANI, 1999, P. 29).
 No Município de Ubatuba, a cultura caiçara, com uma tradição de viver da pesca e da terra, agricultura familiar, vive hoje um processo de extinção. Como nos ensina a historiadora Marcílio:
A resistência ao invasor é histórica, pois: a existência de populações numerosas num espaço limitado para suas formas de viver e produção. Um provável desequilíbrio esboçado entre recursos e demografia importa igualmente, lembrar que os moradores do litoral norte paulista, no século XVI, conseguiram-se organizar para tentar resistir ao invasor. MARCÍLIO, 1986, P. 21.       
A historiadora refere-se à população indígena que se revoltou contra os portugueses, Confederação dos Tamoios. 
Trabalhar com a história oral e a cultura de um povo que não produziu documentos escritos nos encoraja, porque como aponta Eric Hobsbawn:
Na maior parte dos casos, o historiador da história feita pelo povo encontra apenas o que procura não que já esta a sua espera. A maioria das fontes desse tipo de história foi reconhecida como tal porque alguém fez uma pergunta e, em seguida garimpou desesperadamente á procura de uma maneira, qualquer maneira, de respondê-la. (HOBSBAW, 1990, P. 9.).
Aculturação segundo Houaiss, 2004, “significa adaptação de um individuo ou grupo a uma cultura diferente – aculturar”. No momento do depoimento o caiçara diz estar adaptado a aculturação, mas nesse mesmo momento não aceita perder sua cultura, ou modificá-la, misturar com o que vem de fora. O constante desequilíbrio entre sua cultura e a aculturação, acaba o caiçara realmente sendo consumido por essa aculturação. O caiçara vive hoje um processo de extinção, só resta então a nós, resgatarmos a cultura caiçara que ainda está na memória desses poucos remanescentes. “A maioria das pessoas conserva algumas lembranças que, quando recuperadas, liberam sentimentos poderosos.” (THOMPSON, 1992, P. 205).


Estátua em homenagem ao caiçara, triste dilema, a estátua foi erguida na rotatória do km 48 da BR 101, entrada principal da cidade de Ubatuba. Uma analogia entre o progresso e o que restou do caiçara, uma homenagem!  





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