Julinho Mendes – Ubatuba, 22/02/18
-A farinha pode ser do mesmo saco, mas o saco não é da mesma farinha! Foi o que filosofou, inesperadamente, no auge de seus 88 anos, com toda sua experiência de vida e de conhecimentos: Isaias Mendes, meu pai. Eu sempre ouvi ele dizer que: “Farinha boa é aquela que fica no garfo” ou “Farinha que vara o garfo, não presta”. Isso, logicamente que para o gosto apurado do papai.
Não sei se existe um nome próprio para tal conhecimento, como por exemplo, o enófilo é para o apreciador de vinhos e suas peculiaridades, então vou dizer que papai é um grande “farinófilo” apreciador de farinha e suas peculiaridades. Quando ele fala que a farinha é boa, ele fala da qualidade da mandioca, do tempo de maturação dela, se o ralador (roda que rala a mandioca) é grosso ou fino, se a quantidade de amido foi extraído corretamente, se foi forneado no fogo e no tempo certo, enfim, esse conhecimento não é pra qualquer um. Quando ele diz que o saco não é da mesma farinha, é porque cada um tem um jeito diferente de processar a farinha. Para o leigo, tudo é farinha do mesmo saco, porque não sabe distinguir a farinha grossa da fina, a branca da amarela, a crua da torrada, a polvilhada da arenosa, a que fica no garfo e a que cai, enfim, isso é mais uma particularidade da cultura caiçara, do costume e tradição de um povo.
As farinhas do Ubatumirim, por exemplo, encontradas na feira de sábado, são de primeiríssima qualidade, mas dentre elas tem a de preferência de papai. Tem ali no meio um “arte-farinhador” que tem a excelência na fabricação do artigo e ao gosto de Isaias Mendes. Não convém aqui citar quem! Papai come um saco (um kilo) de farinha por semana, seja do jeito que for, o que não pode é a falta dela; é no feijão, no pirão, tafulhada no café, misturada no abacate, no mexido de ovo, e até no macarrão. Acredita? Pois então! De vez em quando, quando ele vê que a farinha teve aumento de preço, ele lembra e canta a marchinha do saudoso Dito Raé: “Eu vou fazer farinha de banana, porque de mandioca é artigo pra bacana. Se a farinha não tiver muita saída, eu nunca mais farei farinha na minha vida”. Viva Dito Raé e suas marchinhas!
Tenho uma canoa que de vez em quando, eu e papai, vamos ao largo das Toninhas ou da Enseada pescar e, nessas pescarias papai nunca deixou de levar um saco de farinha, pensando no tubarão, do causo contado pelo nosso mestre João Barreto Mesquita; foi assim: “...Transportavam sacas de farinha e outras mercadorias em sua canoa, foi quando num momento sua mulher ouviu um barulho estranho no mar parecendo cortar a água. Quando ela olhou pra trás, a surpresa: era um enorme anequim, um dos tubarões mais terríveis do nosso mar. O suspense foi total. O medo tomou conta do casal. O bicho vinha a toda velocidade em direção à canoa não demorando muito em abocanhá-los com canoa e tudo.
-E agora Argemiro, o que vamos fazer? -perguntou a mulher.
-Deite-se no fundo da canoa, fique quieta senão esse bicho vai nos comer!
Foi um sufoco danado. O tubarão afundava. Quando o Sr. Argemiro começava a remar fazendo barulho na água, lá vinha o tubarão de novo querendo devorar o casal. E esta agonia demorou por muito tempo. Dona Chica desesperada não sabia o que fazer. Pensava na sua casa, nos seus filhos,... e o anequim não dava trégua. Até que dona Chica teve uma divina ideia e disse ao marido:
-Argemiro, meu nego. O remédio é começar a jogar farinha na água. Quem sabe este monstro coma, se distraia e nos deixe em paz.
E assim foi feito. A ideia deu certo. Quando dona Chica jogava farinha na água, o bicho começava a comer dando um tempo para que seu Argemiro remasse um pouco e se distanciasse. Mas por pouco tempo, pois a farinha que ela jogava era pouca. Não demorando muito, já estava o bicho atormentado de novo querendo mais farinha, e o saco ia se esvaziando. Foi um saco, depois outro, três sacas de farinha de sessenta quilos e se não bastasse, o bicho ainda comeu dois cachos de bananas nanica, uma banda de paca, oito macucos defumado, quatro dúzias de mexericas e cinco dúzias de ovos de pata. A canoa voltou vazia, mas o importante foi que se salvaram.”
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