São Gonçalo
Arnaldo Chieus
Para os caiçaras de Ubatuba, além do aspecto devocional do sincretismo religioso associado ao casamento, São Gonçalo é também uma dança de magia que afasta os perigos de naufrágio.6
“Já louvei a São Gonçalo,
esse santo me valeu,
contra todos os perigos,
ele já me protegeu.”
A dança implica, necessariamente, no cumprimento de uma promessa pelo devoto do santo. Esta se realiza no interior da casa do patrocinador da dança que a ela convida seus amigos, vizinhos e violeiros para sua realização. Eventualmente, e nos lugares mais afastados, a dança pode ser realizada no interior de uma capela onde a vigilância dos párocos é frouxa.
O caráter religioso da promessa implica respeito não sendo, neste momento, tolerados namoros ou risos. Dança-la pressupõe o recebimento de uma graça e, por isso mesmo, todos querem participar de “uma volta”: reumáticos, encarangados... E as solteironas para conseguirem casamento.
Antes da execução da dança propriamente dita, os devotos fazem a armação do altar, o qual geralmente é preparado sobre uma pequena mesa, devidamente coberta com uma toalha branca bem alvejada em cujo centro são colocadas as imagens de São Gonçalo e de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, com duas velas em cada extremidade do altar. Excepcionalmente pode também conter duas imagens de São Gonçalo, a do padre português e a do violeiro sendo essa última uma exceção funcional em toda a iconografia católica. O serviço religioso é preparado por sangonçalistas devotos, geralmente o capelão da localidade, que dá inicio ao ofício com o terço e a salve-rainha. Findo o ofício religioso cuja duração é de aproximadamente meia hora, dá-se início aos preparatórios preliminares da dança, com uma preleção do mestre marcador a propósito da religiosidade da função propriamente dita. Conforme anotações de Francisco Pereira da Silva, este é o momento em que o marcador faz compenetrada preleção a propósito da religiosidade da função. Trata-se de “uma dança de respeito. Dançada com pouco caso, São Gonçalo não aceita”. 7
Sob o comando de um mestre marcador que organiza os casais defronte ao altar, em fila dupla, homens de um lado e mulheres do outro, tendo à frente os violeiros voltados para o altar sendo o mestre à direita e o ajudante, à esquerda.
Como assinala Maria Isaura Pereira de Queiroz, a dança sempre foi executada como um voto religioso, em cumprimento de promessas. As pessoas prometem uma ou mais rodas de São Gonçalo em troca e uma graça que almejam; são ‘promessas de vivos’. As promessas podem ser variadas, de uma ou mais rodas, dançadas num só dia ou em vários dias, com dançadeiras determinadas ou quaisquer dançadeiras.
Também é encarada como uma espécie de dança curativa por encerrar tais princípios. Tanto no litoral, (em Ubatuba), como no serra-acima, (em Tatuí), encontramos esta afirmação: “os velhos reumáticos ficarão são do reumatismo, se dançarem a dança com fé e respeito”.8
“São Gonçalo foi pro céu
mas deixo bem decratado
quem dança a dança dele
há de fica curado”.
Em Ubatuba, a Dança de São Gonçalo é considerada uma dança de magia, pois se acredita que afasta os perigos a que estariam sujeitos os incautos bem como afugenta os perigos de naufrágio das embarcações.
“Já louvei a São Gonçalo,
esse santo me valeu
contra todos os perigos ele
já me protegeu.”
Como assinala Kilza Setti, “em Ubatuba os violeiros andam quase sempre em parceria; geralmente o versista e o seu segunda ou cantador; muitas vezes, fazem-se acompanhar de grupos com cavaquinho, rabeca, pandeiro, caixa e ferrinhos, dependendo do gênero da cantoria. Esta quadra da dança de São Gonçalo, registrada no bairro da Estufa, em março de 1979, mostra a interferência do sagrado para reforçar e estimular o apoio recíproco na música instrumental”:
“São Gonçalo me falou
Que eu tocasse com carinho
Falô pro violeiro,
Ajudai o cavaquinho” (Ubatuba nos cantos das praias – paginas 154/155).
Os versos da dança de São Gonçalo entre os caiçaras de Ubatuba, SP, sofrem variações, à mercê dos estímulos externos da maneira como o grupo social de portadores desta tradição da religiosidade folclórica reage em face desses estímulos.
Os que seguem abaixo é parte da variação dos versos da dança de São Gonçalo e foram coletados entre caiçaras do bairro do Perequê-Mirin, de Ubatuba, SP. Têm início com uma profecia e segue-se as louvações, em forma de repentes. No final de cada dança um dos pares volta-se para o altar onde se encontra a imagem do santo e para ali dirige mesuras. As mesuras são feitas com repentes: o casal posta-se defronte do altar e o violeiro tem a obrigação de louvar a ambos.
PROFECIA:
São Gonçalo de almirante
a sua viola na mão
ele é um violeiro
protetor dos folião
Meu frade São Gonçalo
seu chapéu tem aba e copa
disse missa no Brasil
fosse padre na Europa
Ele tirou a sua dança
pela sua grande ventura
pra livrar uma prostituta
da rua da amargura.
Quem tiver sua promessa
Antes de morrer é bom pagar
Quando deste mundo for
A alma não irá penar.
LOUVAÇÕES EM REPENTES
Vou louvar o mestre da dança (bis)
passeando no salão (bis)
e junto com a sua mestra (bis)
ensinando o batalhão (bis)
O meu frade São Gonçalo (bis)
Ta na frente do salão (bis)
Ensinando o meu mestre (bis)
Acompanhando o batalhão (bis)
O meu são Gonçalinho
Ele é tão bonitinho
Ele come o seu pão
Ele bebe o seu vinho.
Ora viva o São Gonçalo...
LOUVAÇÃO DO MESTRE:
Louva o mestre, louva o mestre (Bis)
Fazendo sua mesura (bis)
E na gente do altar (bis)
Onde ta a virgem pura (bis)
O meu são Gonçalinho
Ele é tão bonitinho
Ele come o seu pão
Ele bebe o seu vinho
Ele deita, ele dorme,
Ele é tão bonitinho.
Ora viva São Gonçalo...
A Dança de São Gonçalo possui uma intrínseca função de solidariedade e integração dos indivíduos de pequenos grupos sociais, abolindo as divisões e os distanciamentos dos membros do grupo. Assim como outras práticas religiosas que ainda permanecem no seio de comunidades pontuais, a Dança de São Gonçalo tem por função principal a manutenção da estrutura e da organização sociais tradicionais, não só fomentando a coesão e solidariedade internas, como também reafirmando a vigência dos valores que tornam possíveis a existência da própria comunidade.
São Gonçalo de Amarante é festejado no dia 10 de janeiro com danças e promessas, juntando-se dinheiro para distribuir entre os violeiros que comandam a louvação do santo dirigindo a fila dupla de fiéis em seu ritmado passo de dança.
A esse respeito Rossini Tavares de Lima no seu livro “Folclore das Festas Cíclicas” menciona uma lenda de fundo católico, recolhida em 1960 na região de Ubatuba. Na literatura folclórica a palavra “lenda” indica a estória da vida dos santos e de homens ou mulheres consagrados em diversas religiões. No geral, as nossas lendas são quase todas de fundo católico.
A lenda, contada por Juvenal Antonio dos Santos, diz que “São Gonçalo morava em um lugar onde havia muitas moças desiludidas, que se perdiam sem mais aquela. Ele tinha bastante idade e não sabia o que fazer para entreter as moças, impedindo-as de cair na perdição. Resolveu, então, comprar uma viola e sair à procura das moças. E quando elas se preparavam para ir se “adverti”, São Gonçalo, com jeito, convidava-as para cantar e dançar e afastava de suas cabeças todos os maus pensamentos. Isso, o santo fez durante muito tempo até que morreu. Só com a sua morte é que as moças perceberam que ele era santo. Foram buscar um retrato velho dele, colocaram perto uma bandeira e puseram-se a dançar e a cantar suas modas. E assim deixaram de andar por aí e se fizeram devotas de São Gonçalo.”
Numa conversa informal que mantivemos em 1986 com Catarina de Oliveira Prado lembro-me do seguinte relato: “...era uma coisa que nem o São Gonçalo, era uma coisa linda, bem tirado, bem feito, bem cantado. E havia as mesuras depois que se dançava de fila em fila. Quando chegava a hora da mesura, do beijamento do santo. Era de dois em dois, do par, fazendo mesuras, até terminar.” “ O pessoal cantava com garra, com vontade de divertir, entende?... Era uma fila de homem outra de mulher. Aquilo bem passado, bem trançado, quantos que eu não dancei... Violão, cavaquinho, tinha o pandeiro, violino, uma parte de cana verde. Ah, vamos dançá a cana verde, toca aí uma cana verde e o resto é xiba...”
Trecho da matéria São Gonçalo.
Veja a matéria completa acessando o link abaixo
FONTE...........http://doclek.blogspot.com.br
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