Os primeiros moradores de Ubatuba, antes uma aldeia, eram os índios
Tupinambás que, de acordo com Marcílio (1986, p.21), “eram de forte complexão física
e saúde, e tinham suas formas de organização, de produção e de sociedade, antes do
contato com os brancos”. Ainda, segundo Marcílio (1986, p.21), “esses moradores, à
época da abordagem do europeu, formavam uma ‘pequena aldeia de choças’, no local
aproximado do atual município, em outras espalhadas pelo seu território”. Sua
sociedade era voltada para o campo e era uma coletividade calcada na família.
Os primeiros caiçaras, assim como nos dias atuais, embora em uma quantidade
menor, eram exímios pescadores, não apenas usavam flechas, mas também
desenvolveram técnicas melhores de grande pescaria. Como se pode observar em
Marcílio (1986, p.21), “...utilizavam pequenas redes feitas de cipó tucum e, em mutirão,
recolhiam grande porção de peixes”.
A vida dos primeiros caiçaras de Ubatuba era baseada na organização,
coletividade e harmonia, tanto entre seus componentes como na natureza, à qual,
respeitavam muito. Essa harmonia se desestruturou quando apareceram os primeiros
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colonizadores e, com eles, as missões. Para Ubatuba, vieram os padres jesuítas Manoel
da Nóbrega e José de Anchieta cuja missão era dominar os índios para transformá-los
em cristãos e colonos de Portugal.
Entre a “paz” estabelecida por Nóbrega e Anchieta (1563) e a fundação da Vila
da Exaltação de Santa Cruz, (1637), novas situações surgiram,
novos habitantes aí se fixaram: por isso mesmo, os testemunhos
desses períodos são raros. O jesuíta não volta mais às terras onde os
índios não o acolheram mansamente. De resto, nenhuma outra ordem
religiosa aventura-se a fundar qualquer instituição em Ubatuba. Com o
extermínio e o terrorismo usado largamente, conseguiu o colonizador
acabar com o índio, mas como conseguiu a mão-de-obra necessária
para a agricultura que queria implantar? Pouco a pouco se monta uma
operação muito mais delicada que consiste em retirar o índio como
dono da terra, como plantador de roçado para si e sua tribo, e
reintroduzi-lo de volta à mesma terra, já agora como plantador de
cana, não mais como livre, mas como escravo (MARCÍLIO, 1986,
p.22-23).
Alguns sobreviventes dos primeiros Tupinambás conseguiram refugiar-se na
densa Mata Atlântica, na Serra do Mar, onde sobreviveram livres, porém pobres e
amedrontados, pois a perseguição a eles continuou por muito tempo.
A segunda parte da organização do espaço, da posse, uso e transmissão da terra,
da vida e da morte do novo morador que lá se estruturava, começou quando foi fundada
a vila, em meados do século XVII.
O morador daquela época, segundo Marcílio (1986, p.29), “apesar de seus
grandes esforços, não conseguiu sair do estado da roça rústica de subsistência em quase
toda a sua história”.
Ubatuba viveu, por um período extenso, fora do círculo de ‘economia-mundo’.
O caiçara de Ubatuba, roceiro prioritariamente, mas eventualmente pescador, é o povo
novo do município. Em entrevista, Sr. Nestor, de 81 anos, morador da praia da
Picinguaba, ex-lavrador, ex-posseiro de terras do sertão e da praia, terras essas todas
griladas e expropriadas, relata que
na roça havia muita fartura. O que a gente plantava era gasto da
família. Mas o que sobrava a gente trazia no ombro, do sertão, por
picada. Havia muita, muita fartura (MARCÍLIO,1986, p.30).
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A comunicação com o mundo exterior, com a economia global, era feita ‘por
fora’, pelo mar, pelas pequenas canoas de pesca ‘miorzinhas’, as ‘canoas de voga’; e os
caiçaras faziam uso de uma tradição composta na tradição do índio e dos primeiros
povos europeus, cujo exemplo é o calendário agrícola, mas, de tempo em tempo, como
ainda acontece, o equilíbrio local era interrompido, pois o sistema dominante interferia
na produção do caiçara.
De acordo com Marcílio (1986, p.49),
as terras cultiváveis de Ubatuba, descontínuas e limitadas, só em
períodos muito curtos de sua história ofereciam efetiva atração aos
colonizadores. Isso aconteceu quando parcelas de seu espaço foram
usadas para lavouras comerciais, integrando-as temporariamente a
“economia-mundo”. Mas o período foi curto, restringindo-se grosso
modo, das últimas décadas do século XVIII até cerca de 1850. Na
quase totalidade de sua existência, porém, a vila tirou seus recursos
fundamentais das pequenas roças de subsistência encravados nas
clareiras abertos na mata, mas bem próximas às praias e completandoos,
intermitentemente com a pesca e coleta de frutos, ou caça nas
florestas.
Naquelas condições, Ubatuba foi sobrevivendo. A calma e a paz pareciam
conviver na pacata comunidade, nos alvores do século XIX. Naquela calma aparente,
contudo, latejaram zonas de conflitos, pontos de violência, pois um grupo de franceses
que lá se instalara, a partir do ano de 1819, começou a disputar as terras com os antigos
moradores, querendo expulsá-los. Assim, “se repete o processo de invasão de terras e de
expulsão, pela violência, dos antigos moradores da comunidade” (MARCÍLIO, 1986
p.85).
Os velhos moradores de Ubatuba, sempre que suas terras tiveram algum tipo de
atração para grupos poderosos de fora, sofreram prejuízos irrecorríveis e definitivos.
Trecho do Trabalho Escolar.....
AUTOBIOGRAFIAS DE UBATUBANOS E DE
UBATUBENSES E O SILENCIAMENTO DA CULTURA
CAIÇARA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DOS TEXTOS
DE ALUNOS DA EJA
TAUBATÉ-SP
2008
De Luciana Aparecida Mesquita
Fonte...........http://livros01.livrosgratis.com.br/cp074195.pdf
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