sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

A GRUTA QUE CHORA




Marcelina, jovem graciosa e alegre, de repente pareceu aniquilar-se, alimentando-se mal, perdendo as cores sem ânimo até para as tarefas costumeiras. Remédios já os havia tomado em grande quantidade, mas nada resolvia. Dias se passaram, até que certa madrugada, ao raiar do dia, Sinhá Anália,mãe da moça, ouvindo soluços provindos do quarto da filha para lá se dirigiu, encontrando-a murmurando palavras desconexas que pareciam ser:
 
 
 
 
 
 
    – Não! Não vá… não quero… espere…
Então Marcelina, vendo a mãe ali postada, com voz entrecortada começou a falar:
– A senhora sabe a estória daquele bicho, daquele dragão que mora na Toca da Sununga, não é? Sabe que eu até tinha vontade de ver o tal dragão? Pois uma noite, não foi sonho, eu tava acordada, e vi quando ele veio sem fazer barulho, abriu a porta e entrou devagarinho aqui no meu quarto. Não demorou ele foi virando gente e ficou do jeito de um moço, mas um moço bonito que Deus me perdoe, perdi o medo. Ele se riu pra mim… Aí eu me ri pra ele e ele veio vindo, veio vindo, chegou perto de mim, passou a mão nos meus cabelos… Depois sentou-se aqui na cama… Depois… Depois ficou comigo! Oi, mãe, ele foi embora só de manhãzinha. E eu fiquei com tanta pena… Tive até vontade de chorar… E chorei, não tenho vergonha de contar, chorei mesmo! Agora, mãe, não tenho vontade de trabalhar, nem de comer, nem de conversar, nem de nada. Minha vontade é de ficar aqui no quarto, de porta fechada esperando que a noite chegue e que o bicho venha e se vire no moço bonito, pra ficar comigo até de manhãzinha.



Passava o tempo, quando certo dia bateu a porta de D. Anália, um monge velhinho, pedindo alguma coisa para comer, e esta fazendo-o entrar, agasalhou-o, deu-lhe de comer e atendendo às suas indagações, relatou-lhe toda a razão da tristeza que consternava aquela casa. O velhinho, já ouvira falar do monstro satânico que atormentava a população daquele bairro, e justamente por isso é que ali viera, por inspiração divina, a fim de libertá-la da opressão que lhe infringia o Espírito do Mal. O venerável ancião caminhou em direção á toca que abrigava o dragão da Sununga. Ali chegando, o monge ergueu os braços num largo e lento gesto do sinal da cruz, e ao murmúrio de piedosa prece, espargiu por sobre a pedra a água que levara num pequenino púcaro.
Naquele instante um trovão violento fez estremecer a terra, e o mar, rugindo em doidas convulsões, projetou-se violento contra a impassibilidade das rochas, para retroceder, abrindo-se ao meio, bem em frente à toca, dando passagem ao monstro que por ali avançou rugindo, sumindo ao longe, na profundeza das águas. Hoje, quem se postar no interior da lendária gruta, perceberá cair lá de cima, das ranhuras da pedra, uma seqüência de pequeninas gotas que se infiltram na areia branca e fina que alcatifa o chão. Dizem, alguns, que são remanescentes gotas da água benta espargida pelo monge, que ainda caem, a fim de que o dragão jamais possa voltar. Outros, porém, afirmam que são lágrimas de Marcelina, que lá voltou muitas vezes, na esperança de que o dragão, feito moço bonito, ainda voltasse, para ficar com ela.
Fonte: Narração de Washington de Oliveira (“Seu Filhinho”), extraída do  livro “Ubatuba, lendas e outras histórias”
 

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