quinta-feira, 16 de abril de 2015

O BISPO ERA MEU AVÔ.




As casas eram de pau a pique, chão batido, portas e janelas de tábua de bicuíba, ripas de jiçara e coberta com sapé. Dormiam-se em camas de pau duro, a chamada tarimba, forradas com esteiras de taboa e travesseiro enchidos com flor de Marcelinha, luz só de lampião, o banheiro era atrás da touceira de bananeira. Banho era de água de poço, no rio ou cachoeira. A comida sim, esta era de dar gosto. Café da manhã era mandioca ou batata doce cozida; nos meses de maio, junho e julho comia-se ova de tainha seca com farinha torrada e café adoçado com caldo de cana. No almoço: Azul marino, pirão de peixe seco salgado com banana madura e, outras vezes era, ensopado de paca com batata, macuco assado, tatu no feijão... E por aí a fora crescia, com toda força e saúde a caiçarada. Às vezes a verminose e o lombrigueiro atacava a criançada, mas nada como um chá de hortelã, erva de santa Maria, limão bravo, para lhe dar um novo ânimo. Bicho de pé e frieira era o que mais tinha, mas era gostoso coçar os vãos dos dedos dos pés na fita de taboa que se soltava da cama. A maleita era ruim: de repente gemia de frio, de repente suava de calor, tinha que correr atrás das garrafadas de seo Juquinha ou dos medicamentos de seo Filhinho o único médico da cidade, para remediar... 








Mamãe contava esses fatos e papai confirmava, acrescentado algo.
-Um dia, continuou ela, seu tio Pitágoras pegou maleita... seo Filhinho não estava na cidade... seu avô também não, tinha ido para a cidade de Santos a trabalho e voltava dentro de três a quatro dias. Mamãe estava sós com nós quatro. O menino estava muito ruim, remédio caseiro não lhe adiantava... Nesse dia a cidade se preparava para receber uma ilustre e importante figura religiosa: O Bispo diocesano de Santos. Mamãe então falou: - Vamos lá meus filhos ver a festa de chegada do Bispo, quem sabe ele tem algum remédio prá curar a maleita.
O Bispo vinha pelo mar, de barco... A recepção estava formada: era o Prefeito com seus vereadores, todos os membros da igreja católica, personagens ilustres da cidade e, pode se dizer que, toda a população de Ubatuba esperava pelo Bispo, numa grandiosa recepção. A chegada estava marcada para as 12:00 horas; já eram 13:00 horas e nada. Cansados de esperar, mas ansiosos, não arredavam os pés da praia do Cruzeiro, quando já 14:00 horas surgiu no horizonte o tão esperado barco... aí a euforia foi grande. Na proa do barco, firme e imponente, vestido, que de longe parecia mais um termo preto do que uma batina vinha lá o grandioso Bispo... Foguetes e rojões ecoavam pelo ar, a furiosa pôs-se a tocar, os fiéis tremulavam suas brancas bandeirolas, o prefeito todo pomposo, deu uma alinhada em seu terno, endireitou a coluna e direcionou-se para a recepção...
Há menos de 50 metros da praia o barco apoitou... O povo pôs-se a admirar o tal Bispo, e, logo começou o bafafá e uns comentavam: -É o Bispo ou é Santos Dumont? Que Bispo esquisito é este que anda de paletó e gravata? Que Bispo é esse que anda com chapéu de palha? Que mala é aquela que o Bispo carrega? As admirações e as interrogações enchiam o clima festeiro do local. O foguetório comia solto, a banda não parava de tocar, as beatas cantavam a Ave Maria... e logo ficaram conhecendo quem era o Bispo. Mamãe reconhecendo de longe a figuraça, passou de carreira na frente do prefeito e de todas as autoridades, gritando: -Lindolfo, Lindolfo!? O Pitágoras está muito mau, tá com maleita! – Calma Malvina, calma! Retorquiu seu avô.
O Bispo era seu avô LINDOLFO que veio de Santos, conseguindo antecipado uma carona com um de seus amigos pescador.
Aí o comentário e a comédia foram grandes. Que decepção do povo e que vergonha das autoridades!
-Eu não merecia tal recepção, mas agradeço as vivas!!! Agradeceu seu avô às autoridades.
O padre passou à frente do prefeito e todo constrangido perguntou: -Seo Lindolfo cadê o Bispo? – Sua benção, padre!?
-Deus te abençoe meu filho! 
-Olha seu padre, não estou sabendo de Bispo algum, vocês estão esperando algum Bispo é?
Seu avô Lindolfo adorou a recepção e morria de rir. 
O Bispo chegou Três dias depois, se desculpando pelo atraso e rindo também do fato anteriormente acontecido.
Mamãe nos conta este caso até hoje, e sempre que conta: Eu, Marcio, Hélio e meu pai, nos acabamos em gargalhadas. 



Julinho Mendes, em Julho/99.

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