terça-feira, 6 de janeiro de 2015

IDALINA GRAÇA RECEBE MONTEIRO LOBATO





LOBATO E SUA ANFITRIÃ CAIÇARA 
LOBATO E IDALINA: DE COZINHEIRA A VIAJANTE SIDERAL 

Não sabemos ao certo o número de visitas que Monteiro Lobato fez a Ubatuba, porém é certo que a primeira que fez a Idalina Graça foi devidamente registrada pela anfitriã caiçara no livro “Terra Tamoia”. 
Neste livro há um trecho que corre assim: 
“Albino me esperava impaciente nessa tarde que, para mim, deslizara suave e bela, como belas e suaves são todas as tardes de Iperoig. Havia chegado, de Caraguatatuba, u,a casal em lua-de-mel, e ele não sabia como acomodá-lo. Imediatamente, providenciei tudo para que os hóspedes se sentissem à vontade. 
No dia seguinte, amanheceu chovendo, e, como não era possível ir à praia em busca do pescado fresco, fui ao frigorífico, nesse tempo funcionando onde atualmente está o DER. Da ponte avistei o Dr. Felix Guizard, proprietário do sobraão de Baltazar Fortes, para à porta principal e em animada palestra com um senhor decentemente trajado, que olhava com viva curiosidade todos os que dali se aproximavam. Acostumada a ver poucos turistas na cidade, fiz um demorado exame do forasteiro. Achei-o bem simpático. Comprei o pescado e, ao sair, notei que ele me acompanhava com o olhar. – Deve ser por causa das vestes masculinas que uso, pensei, para logo depois, absorvida pelo trabalho, esquecê-lo completamente. 




Por este tempo estavam construindo a ponte principal que liga a cidade à praia do Perequê-Açú. 
– “Com certeza é um dos engenheiros” – pensei. À tarde refugiei-me no quintal para escrever algumas das impressões do dia anterior, quando de minha excursão ao Tenório. Ali foi encontrar-me Albino, que viera do correio com a correspondência, perguntando-me surpreso: 
- Idalina! Quem é aquela senhora que está sentada na sala? 
- Não sei! Tia Rita não disse nada! 
- A velha não está aí. Foi à venda. Vamos ver querida? 
- Vamos. 
Simpática e elegantemente trajada, a senhora ergueu-se sorrindo ao avistar-nos: 
- Bati palmas, ninguém atendeu; fiquei, então, absorvida neste álbum de visitas de Ubatuba, esquecendo de perguntar ao senhor, quando entrou se era dono do Hotel. 
- Eu bem vi que estava distraída e fui perguntar a minha mulher que a senhora era. Ela. Porém, ignorava sua presença aqui. Quero pedir-lhe desculpas. Estamos prontos para servi-la no que estiver ao nosso alcance. 
Voltando o luminoso olhar para mim, a visitante explicou: 
- É simples: caso não seja impertinência minha, gostaria de saber se a senhora poderá conceder hoje à noite, alguns minutos ao meu marido. Ele veio a Ubatuba conhecer a cidade e a “Solitária de Iperoig”. Se não me engano, estou em sua presença, não é verdade? 
A um gesto meu afirmativo, ela continuou: 
- O principal motivo de minha visita é dizer que o meu marido se chama José Bento Monteiro Lobato; é escritor e tem interesse em conhecê-la pessoalmente. 
Foi assim que fiquei conhecendo a esposa daquele que, desse dia em diante, seria um dos meus maiores amigos. Ele, o grande escritor, estava a minha procura. Hospedado no Hotel Felipe, nosso único e competente rival no ramo de hotelaria na época, queria visitar-me e conhecer-me. 
E foi nessa noite chuvosa, precisamente quando o relógio da Matriz batia oito horas da noite, que o velho salão do Ubatuba Hotel teve a honra de receber o insigne escritor. Com alegria, ele conduziu a conversa habilmente para o terreno que me interessava, e contou-me porque viera a Ubatuba. Disse-me ter lido na Folha da Manhã uma crônica de Willy Aurely, na qual me apresentava ao público como escritora, revelando ainda a minha humilde, mas honrosa, profissão. Willy contara ter eu apenas o primeiro ano do curso primário, caracterizando-me como escritora iletrada; chamara-me a “Solitária de Iperoig”. Lobato, curioso, viera conhecer Ubatuba e a amiga de Willy Aurely. 
Ao terminar a explicação sobre sua presença em nossa cidade, perguntou, entre sério e divertido: 
- Você não quer me dizer, Idalina, com que temo e onde você vai buscar o material necessário a seu escritos? 
_ Bem. Eu tenho meus dias de folga, e o restante encontro-o na fantasia dos meus sonhos de verdade. _ Ou de mentira... agregou. 
_ De ambos. Mas, para ser franca, Dr. Lobato, eu escrevo mais sobre os sonhos que tenho enquanto durmo, do que a respeito daqueles que tenho quando estou acordada. 
Soltou uma gostosa gargalhada. 
_ Eu sentia que você era assim! Não me quer contar um de seus sonhos? 
Não há um capítulo específico a respeito do assunto. 
 Idalina discorre a respeito da visita Lobato com esmero de detalhes, numa prosa absolutamente clara como era a sua fala pessoal e o seu olhar alegre e penetrante no trato com as pessoas. Porém, como o livro é uma espécie de viagem sideral pelo seu mundo pessoal, mundo em verdadeira ebulição, Lobato, como tantos outros personagens vivos de carne e osso, percorrem as páginas em verdadeiro furacão de recordações desta caiçara agitada, alegre e audaz, sempre correndo, sempre trabalhando, sempre cozinhando. 
A amizade com Lobato foi talvez a mais feliz das recordações de Idalina. 
A despedida vale a pena ser recordada: 
“No dia seguinte, o Dr. Lobato veio despedir-se. Trazia na mão um dos seus livros: Contos Leves. Antes de oferecê-lo, disse:
_ Você me contou a história do sonho, e eu vou contar porque trouxe este livro. Ao fazer a mala, mexi em minhas coisas, e Purezinha, curiosa como toda a mulher, perguntou: Para que vi levar esse livro? 
_E qual foi a resposta, dona Purezinha? Perguntei eu voltando a cabeça para a esposa do grande escritor. 
Ela sorriu. _ A resposta foi que ele ia trazê-lo para ver se a escritora iletrada de Willy Aureli merecia o presente. 
Timidamente, perguntei: - E o senhor acha que eu o mereço? 
_ Ora! Que pergunta, Idalina! Se achasse que não merecia, eu não lhe oferecia. Mas, leia a dedicatória. Eu li então: 
“Dona Idalina já subiu a escada sem degraus; já está avistando o campo de rosas. Breve será eleita pelos deuses para compor a obra que lhe vai imortalizar o nome. É com maior entusiasmo que Monteiro Lobato presta a sua homenagem a “Solitária de Iperoig”, uma das mais belas personagens que ainda encontrou na vida.” Ubatuba, 17-8-1941. 
 Essa manhã chuvosa em Ubatuba, no dia 18 de agosto de 1941, ficou para sempre gravada o meu coração agradecido ao homem bom que me estendeu a mão, oferecendo-me amizade através dos anos que ainda viveu. 





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