domingo, 16 de novembro de 2014

Comunidade Quilombola da Caçandoca



Esta comunidade fica localizada em Ubatuba, na Serra da Caçandoca ­área tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico e  Artístico - Condephat, através da Portaria n° 40, de 6/06/85, tendo  sido o seu território reconhecido e demarcado pelo ITESP com 890 hectares. Limita-se a leste com a orla marítima, a oeste e ao sul com o divisor de águas da Serra ­Caçandoca e ao norte com a Praia do Pulso. O acesso à área é feito através da BR-l0l, na altura das Praias de Maranduba e do Pulso, por uma estrada de terra com 4 quilômetros de extensão.



Historicamente, o território da comunidade foi ocupado em meados do século XIX por uma fazenda de café e um engenho de açúcar,  estabelecidos e desenvolvidos com base no trabalho escravo. Após a abolição da escravatura, surgiram vários herdeiros da terra, constituídos pelos filhos e netos, legítimos e espúrios, do antigo proprietário, os quais, juntamente com ex-escravos, tornaram-­se os legítimos possuidores da antiga fazenda.
O território ocupado pelos quilombolas é hoje identificado pelos nomes das diversas localidades que compõem a área pertencente à comunidade: Praia do Pulso; Caçandoca; Caçandoquinha; Bairro Alto; Saco da Raposa; São Lourenço; Saco do Morcego; Saco da Banana e a Praia do Simão. Nestes lugares surgiram os ­núcleos habitacionais que mantêm relações entre si e se  constituíram como base na mesma unidade etno-cultural.
Até os anos 60, existiam na área por volta de 70 famílias e uma população de 800 indivíduos, que viviam em conformidade com o modo de vida antigo da comunidade, produzindo para a subsistência, praticando a pesca, fabricando a farinha e cultivando a banana, que se tornou a principal fonte de renda da comunidade.
Uma prática agrícola comum entre os quilombolas da região era “o pousio da terra”, que consistia na abertura de clareiras na floresta e na plantação e que,            depois, era deixada em repouso para que a terra pudesse recuperar seus nutrientes. ­O mutirão, chamado entre os caçandocas de "pitirão e ajutório”, era realizado nos trabalhos da roça, na construção das casas e no fabrico das canoas. Após o término dos trabalhos, realizava-se a “função”, que consistia no oferecimento de ­ comida e bebida pelo beneficiado e que era consumida pelos colaboradores em meio a uma dança chamada "bate-pé".
Na roça dos antigos caçandocas cultiva-se a mandioca, matéria-prima da farinha, principal produto da comunidade, e outros produtos, tais como feijão, arroz e cana, produzindo-se com esta última aguardente e rapadura e, também, o milho. Dentre as frutas, a banana ocupava o primeiro lugar, seguida pela laranja. A caça e a pesca eram práticas importantes para a dieta alimentar dos quilombolas. O prato preferido pela comunidade era o azul-marinho, feito com peixe cozido e banana verde.
As habitações eram de pau-a-pique e cobertas com sapé. O tratamento da saúde era feito à base das plantas medicinais e de acordo com os conhecimentos tradicionais da comunidade.
As festas religiosas constituíam práticas culturais que unificavam a comunidade, transmitidas de uma geração para outra conforme a tradição, tais como as festas de São Benedito, Nossa Senhora do Carmo e São Gonçalo, sobressaindo-se entre estas a Festa do Divino.
A economia sustentava-se no excedente da produção para subsistência, que era comercializado nas cidades, às quais se acessava por via marítima, através de canoas a remo, nas quais também se transportavam os produtos adquiridos na cidade, tais como querosene, sal, ferramentas, pólvora, carne seca, tamancos e tecidos.
Após a construção da BR-l01, as terras da comunidade foram muito valorizadas, passando a ser objeto da cobiça dos especuladores imobiliários que se utilizaram de todos os meios para expulsar os antigos moradores de suas terras, desde ações judiciais, compras e indenizações, até violência física, não sendo incomum a prática de crimes, destruição de igrejas e o incêndio de habitações. A Imobiliária Continental, que se diz proprietária de 50% da área, "desde 1973 até 1985-1986 manteve a área bloqueada, com cercas e correntes, à passagem de automóveis, desde a entrada do Condomínio do Pulso até a Praia da Caçandoca, o que impediu o acesso de transporte para pessoas que se encontravam doentes”. (ITESP, Relatório Técnico-Científico sobre a Comunidade de Quilombo da Caçandoca - Município de Ubatuba/São Paulo, junho de 2000, p.43)
Grande parte da população deixou a comunidade, permanecendo no local apenas 19 famílias que resistiram às pressões e conquistaram o reconhecimento oficial de que as terras pertencem à comunidade. Com isto, muitas famílias têm voltado para a terra e, desde 2003, mais 15 famílias residem na área, em um grande acampamento de lona.
As condições gerais de vida da população atual são muito precárias: suas habitações são de pau-a-pique ou tábua, cobertas com telhas de amianto, não contam com energia elétrica, água tratada e saneamento e distanciam-se vários quilômetros umas das outras. Um agente da saúde faz visitações esporádicas à comunidade. As duas escolas existentes na área foram desativadas e as crianças são obrigadas a deslocarem-se para a escola existente em Maranduba. A manutenção da comunidade é feita com base na agricultura de subsistência, pesca artesanal, rendimentos provenientes de serviços domésticos e de pequenos "bicos".
Durante as férias de verão, a área é pressionada pela presença de turistas que acampam ao longo das praias de maneira extremamente precária e contribuem para degradação do meio ambiente.
O relatório técnico-científico apresentado pelo ITESP conclui que:

 1) os membros da Comunidade da Caçandoca são remanescentes da comunidade de quilombo, de acordo com as definições que embasam os critérios oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado de São Paulo;

 2) a área de 890 hectares, cuja titulação é reivindicada pela Comunidade de Quilombo da Caçandoca, corresponde à quase totalidade do território historicamente ocupado pelo grupo, devendo ser titulada em nome da Associação dos Remanescentes da Comunidade de Quilombo da Caçandoca e de outras associações que, porventura, tenham existência à época da mencionada titulação. (ITESP. Op. cit. p. 57 e 58.)
A titulação das terras ainda depende de um longo processo que envolve a discriminação das terras e posteriores ações de desapropriação.



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