O trabalho multidisciplinar da
arqueologia permite determinar o posicionamento espacial e temporal dos
indígenas em questão. O
litoral de Rio de Janeiro tem sido a área mais explorada pela arqueologia no
que se refere às tribos indígenas da época do “contato”[1].
A base documental sobre o povoamento no litoral de São Paulo, dá sustentação
importante ao trabalho arqueológico sobre a cultura Tupinambá.
A presença indígena em Ubatuba foi comprovada pela
arqueóloga Sandra N. Amenomori, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP no
seu trabalho "Os Processos de Ocupação dos Grupos Pescadores-Coletores
Pré-Históricos nas Ilhas do Litoral Norte de São Paulo". Em pesquisa de
campo, realizada em 2002, encontrou fragmentos de cerâmica corrugada e ungulada
por ela identificada como pertencente à tradição tupi-guarani, nas praias:
Prainha, ou do Engenho, de Dentro, das Palmas e do Leste, o que demonstra a necessidade de estudos histórico-arqueológicos mais
profundos sobre a presença humana no período pré-colonial[2]
Os primórdios de Ubatuba remontam-se
a 2000 anos atrás, período de maior mobilização das migrações humanas de grupos
de caçadores advindos da América do Norte. Estes teriam penetrado por algumas rotas
no território brasileiro, atingindo sítios arqueológicos hoje reconhecidos
como: “Toca da Esperança” no noroeste do Estado da Bahia, sitio “Alice Böer” no
interior de São Paulo até o litoral no Estado de Rio de Janeiro, na bacia de
Itaboraí. Pesquisas arqueológicas localizam as primeiras formas de vida das
comunidades indígenas no período denominado Pleistoceno Médio (Beltrão et al.,
1972, 1987 e 1988). Após alcançar o Holoceno, grupos de pescadores e coletores
aparecem na costa onde deixaram vestígios nos chamados “sambaquis”.
A expansão européia após o
“descobrimento”, entre o século XV e XVI, encontrou em terras brasileiras um
predomínio na faixa atlântica da cultura Tupi, cuja identidade social era dada
pela língua adotada pela maioria das populações nativas de então. Pesquisas
lingüísticas datam de 5.000 anos de idade, palavras ou vocábulos desta raiz
comum. A expansão Tupinambá em direção à costa chegou à região de Rio de
Janeiro proveniente de Rondônia e Amapá. Segundo a professora Maria Beltrão, um
dos motivos deste deslocamento está relacionado com as mudanças climáticas,
isto é, a busca de um lugar propício para a sobrevivência seria o que
impulsionou essas viagens e a posterior instalação estratégica das tribos em
aldeias, acampamentos e peabirus
[3] (Neme e Beltrão, 1993:134).
A aldeia central Tupinambá situada na
orla marítima e nos morros permitia, a essas comunidades ,uma visão privilegiada em relação ao horizonte, dado importante
para entrever a preocupação defensiva desses grupos para com seu habitat, no
qual exerciam diferentes funções como a caça, a pesca, o plantio, a coleta, as
guerras e as viagens.
Cronistas descrevem aldeias Tupinambá
em forma circular, protegidas por cercas. As casas eram retangulares e de
proporções consideráveis em torno de um pátio central quadrangular, nesse lugar
os Tupinambá vivam religiosamente
congregados. Cabe aqui salientar que para esta tribo não havia distinção entre
o social e o religioso como costumam apontar certos antropólogos na apreensão
que fazem do espaço cultural hoje em dia. Para os Tupinambá toda atividade era mítica
e sagrada.Talvez a tendência de classificar se deva à banalização que hoje se
faz deste tipo de apreensão do mundo tão
distante da vida mais contemporânea o que não resta méritos à cosmo-visão Tupinambá inserida
no contexto da criação em estado mais puro.
Maria Beltrão – arqueóloga – pesquisa
e descreve as formas de habitar do grupo Tupinambá, deixando de manifesto os
eixos da adaptação, da instabilidade e da previsão que estes faziam quando se
apropriavam do território no curso das águas. O uso do espaço estava
diretamente ligado com a atividade econômica de natureza silvícola como
mencionamos anteriormente: caça, pesca e coleta. Para a coleta de moluscos, por
exemplo, os Tupinambá se fixavam temporariamente em acampamentos montados
próximos ao mar e junto aos rios em
pequenas elevações circundadas pelo mangue.
Os arqueólogos têm ainda grandes
dificuldades de encontrar vestígios da cultura Tupinambá, pois a matéria prima
de suas manufaturas expressivas em termos da ciência, é de pouca durabilidade;
apenas artefatos líticos como machados de pedras, ossos, conchíferos e
cerâmicos dão conta desses cultuadores da serra e do mar.
A organização social Tupinambá,
segundo o entendimento de Florestan Fernandes no seu livro Organização social dos Tupinambás (1963), baseava-se nos recursos
naturais, seu aproveitamento social e da ordenação das relações humanas
resultantes. O sistema de parentesco constituía, segundo este autor, a
estrutura social básica do sistema Tupinambá, subordinado segundo a nossa
hipótese ao sistema religioso tribal. Pensamos que este último fator
determinava per se o comportamento coletivo que se expressava principalmente no
cerimonial ritualístico.
O projeto arqueológico de Dorath
Pinto Uchoa, publicado na Revista Igarati, nº 1 de 1993, fala especificamente
do processo histórico do município de Ubatuba, a partir da evidência de
vestígios integrados às estruturas topográficas, de documentação histórica e
geo-ambiental do povoamento e da organização espacial da região. O processo de aculturação
que se desenvolveu na época do chamado “contato” entre a cultura indígena –
Tupinambá – Tamoia – e a cultura européia faz parte de um patrimônio
arqueológico pouco conhecido.
Por volta do ano 75 da era cristã –
afirma a arqueóloga – Ubatuba já era povoada por grupos constituídos por varias
famílias cujo ofício principal consistia na pesca e na coleta de moluscos para
a complementação da dieta alimentar com a caça de pequeno e médio porte, tudo isto incrementado com o apanhado de frutas,
sementes e raízes, o que justifica a forma peculiar com que alguns
historiadores denominam aos Tupinambá de “silvícolas”.
Os Tupinambá que neste espaço
recebiam o nome de Tamoio, percorriam praias, costões rochosos, manguezais e
lagoas para a obtenção de peixes, moluscos, crustáceos, cágados, botos,
pequenos mamíferos terrestres, aves e produtos da mata para garantir a sua
sobrevivência. Na preparação dos alimentos realizavam fogueiras, armavam moquéns,
assavam e tostavam a carne sobre as brasas. Para a pesca, usavam o arco, a
flecha e outras modalidades, pois dominavam a técnica de confeccionar e polir
machados de pedra. Fabricavam instrumentos de osso, um exemplo disto eram as
pontas de lança e os adornos com que enfeitavam colares e pulseiras,
confeccionados com dentes de cação e mamíferos, também as vértebras dos peixes
e as conchas tinham esta mesma finalidade.
Os rituais de enterramento dos mortos
era uma prática interessante, os cadáveres tinham os membros inferiores
fletidos em decúbito lateral e eram colocados em covas rasas, sendo rodeados
por grandes seixos que às vezes
recobriam o próprio corpo. Provavelmente – explica a pesquisadora –acendiam
fogueiras tão próximas do cadáver que acabavam carbonizando-o parcialmente, sem
intenção.
Dorath Uchôa tem-se dedicado a fazer
um inventário do material coletado no município de Ubatuba no decorrer dos
últimos anos, servindo ao projeto arqueológico da USP no sitio do Tenório que
foi ocupado por um único grupo. O sitio apresentava sinais de abandono por
curtos períodos, observáveis na presença de bolsões, isto é, concentração de
restos alimentares.
A presença de grupos ceramistas em
Ubatuba está marcada pelo sitio do Itaguá, localizado no bairro do mesmo nome,
próximo do aeroporto e definido pela ocupação Tupinambá, que remonta ao período
de contato com os primeiros colonizadores europeus. Dorath confirma a passagem
deste grupo também pela Ilha Anchieta na qual existem vestígios da mesma
índole.
O projeto arqueológico oferecido pela
USP ao município de Ubatuba, iniciou-se com as escavações no sitio do Mar
Virado, sob a coordenação desta professora que tivemos a oportunidade de
conhecer nesta Ilha a convite da Prefeitura. A maior parte do acervo arqueológico
do qual estamos falando, encontra-se no Museu de Arte Indígena da Universidade
de São Paulo, na cidade Universitária.
[1] O termo contato é usado na
apropriação que a arqueologia faz a respeito do encontro entre ambas civilizações:
a indígena e a européia na época do “descobrimento” e da “conquista”. Estas
últimas palavras são postas entre aspas propositalmente para evidenciar a
imprecisão dos conceitos, uma vez que estes momentos são datados e que apesar de serem oficiais, fogem da
realidade constatada a posteriori.
[2] Estes estudos constam no
relatório de pesquisa de Dalmo
Dippold Vilar e Filomena Pugliese Fonseca:
Levantamento histórico e arqueológico – diagnóstico, Julho de 2004.
[3] Os peabirus são caminhos indígenas conhecidos,
literalmente, o termo significa caminho a se percorrer.
Doo livro " Ubatuba, espaço, memória e cultura".............
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