segunda-feira, 21 de julho de 2014

ESPECIAL DO LIVRO " UBATUBA, ESPAÇO, MEMORIA E CULTURA " - PARTE 117




Darcy Ribeiro no livro Os Índios e a Civilização (1977), fala do descompasso entre a oferta do sistema econômico e a demanda do índio para a sua participação do processo civilizatório que chama de “engajamento compulsório”. A história moderna propõe um sistema de urbanização que exerce sobre as populações mais autóctones e isoladas como Camburi, verdadeiro fascínio. A comunidade de Genézio dos Santos, do Camburi, é uma sociedade mais folclórica, ligada ao peso da tradição e aos fatores da aldeia, mas o caiçara e o negro sabem das vantagens do progresso e dos benefícios que este pode acarretar em termos de construção: hotéis, clubes, restaurantes, lojas, etc. Por isso, sentem-se vítimas da especulação imobiliária e do alto custo de vida, principalmente na alta temporada. Em 1954, quando se iniciou em Ubatuba a corrida pelas terras, que antes desta época não representavam um valor especial, estes remanescentes da cultura ubatubense viviam tranqüilos em seu terreno de posse: pescavam e plantavam o suficiente para comer. 





Hoje, a cultura caiçara é um exemplo concreto da especulação imobiliária resultante da expansão da indústria turística de massa que tem expulsado os primeiros habitantes de suas terras, privando-os dos meios de subsistência como produtores diretos. Recuados no espaço geográfico, e rebaixados no nível social de vida, apegaram-se àquilo que restava do passado – a sua memória, que inspira o sentido de suas vidas. Na atual condição de assalariados, recusam-se a se fundir na massa anônima dos explorados.

A entrevista com Genézio dos Santos nos permitiu reiterar o problema da intervenção civilizatória em comunidades autóctones como Camburi. Sabemos das iniciativas dos governos a respeito deste lugar isolado de Ubatuba, no sentido de melhorar as condições de vida de seus habitantes e de propiciar seu contato mais direto com o resto do município, entretanto o problema persiste em função dos medos que afetam a população residente, manifestos nos relatos delirantes de um imaginário sem mediação. A religião na sua variante mais literal do Evangelho, tem penetrado no coração desta comunidade, sem conseguir a evolução necessária deste estado, ainda de animismo. Acreditamos que seja oportuno um projeto educativo amplo que promova o conhecimento e a prática de sustentabilidade no Camburi. Tal mediação simbólica por parte de uma instituição com este fim pode trazer benefícios a este canto de Ubatuba que expressa o sentir dos caiçaras negros e brancos do Camburi.

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Para se impor ao olhar, como qualquer outro objeto da cultura, a paisagem também pressupõe mediações. A exaltação dos sítios naturais está com freqüência associada a uma reivindicação moralizadora: a ordem imutável dos espaços se opõe à ordem da cidade, aos perigos da técnica e à licenciosidade dos costumes como afirma Regis Debray na sua recente obra Acreditar, Ver, Fazer (2003), para quem da demanda coletiva, existe uma outra demanda mais secreta, aquela dos códigos apriori da nossa sensibilidade. Essas chaves de leitura são tão espontâneas e flagrantes como vimos no nosso primeiro capítulo, que esquecemos o quanto estas são devedoras de escolhas históricas, motivo reiterado no segundo capítulo sobre a memória ancestral. A paisagem – assinala Debray – designa “tudo aquilo que o olhar abrange”, resta designar os princípios da visão, os quais não são visto a olho nu. A paisagem de Ubatuba não é seu patrimônio a ser conservado, imutável; nem o meio ambiente, que designa o conjunto de relações entre os  elementos físicos e humanos, produtores desse meio natural tanto quanto produtos; nem é o espaço geográfico, que faz abstrações do tipo de vida; nem o entorno, noção globalizante e científica, que joga fora a subjetividade; nem território, categoria não sensível de cartógrafos. A paisagem de Ubatuba depende de um ponto de vista, resultado da ação de uma cultura sobre um dado meio físico. “A paisagem é interna e existe apenas na nossa alma”. A paisagem não é uma coisa, mas sim um modo de relação com as coisas – uma revelação.


Continua...............A partir pag. 348 - Especial " Ubatuba , Espaço, Memória e cultura,e scrito por Jorge Otavio Fonseca e Juan Drouguett - Ed. 2005

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