Darcy Ribeiro no livro Os Índios e a Civilização (1977), fala do descompasso entre a
oferta do sistema econômico e a demanda do índio para a sua participação do
processo civilizatório que chama de “engajamento compulsório”. A história
moderna propõe um sistema de urbanização que exerce sobre as populações mais
autóctones e isoladas como Camburi, verdadeiro fascínio. A comunidade de
Genézio dos Santos, do Camburi, é uma sociedade mais folclórica, ligada ao peso
da tradição e aos fatores da aldeia, mas o caiçara e o negro sabem das
vantagens do progresso e dos benefícios que este pode acarretar em termos de
construção: hotéis, clubes, restaurantes, lojas, etc. Por isso, sentem-se
vítimas da especulação imobiliária e do alto custo de vida, principalmente na
alta temporada. Em 1954, quando se iniciou em Ubatuba a corrida pelas terras,
que antes desta época não representavam um valor especial, estes remanescentes
da cultura ubatubense viviam tranqüilos em seu terreno de posse: pescavam e
plantavam o suficiente para comer.
Hoje, a cultura caiçara é um exemplo
concreto da especulação imobiliária resultante da expansão da indústria
turística de massa que tem expulsado os primeiros habitantes de suas terras,
privando-os dos meios de subsistência como produtores diretos. Recuados no
espaço geográfico, e rebaixados no nível social de vida, apegaram-se àquilo que
restava do passado – a sua memória, que inspira o sentido de suas vidas. Na
atual condição de assalariados, recusam-se a se fundir na massa anônima dos
explorados.
A entrevista com Genézio dos Santos nos permitiu
reiterar o problema da intervenção civilizatória em comunidades autóctones como
Camburi. Sabemos das iniciativas dos governos a respeito deste lugar isolado de
Ubatuba, no sentido de melhorar as condições de vida de seus habitantes e de
propiciar seu contato mais direto com o resto do município, entretanto o problema persiste em função
dos medos que afetam a população residente, manifestos nos relatos delirantes
de um imaginário sem mediação. A religião na sua variante mais literal do
Evangelho, tem penetrado no coração desta comunidade, sem conseguir a evolução
necessária deste estado, ainda de animismo. Acreditamos que seja oportuno um
projeto educativo amplo que promova o conhecimento e a prática de
sustentabilidade no Camburi. Tal mediação simbólica por parte de uma
instituição com este fim pode trazer benefícios a este canto de Ubatuba que
expressa o sentir dos caiçaras negros e brancos do Camburi.
* * *
Para se impor ao olhar, como qualquer outro
objeto da cultura, a paisagem também pressupõe mediações. A exaltação dos
sítios naturais está com freqüência associada a uma reivindicação moralizadora:
a ordem imutável dos espaços se opõe à ordem da cidade, aos perigos da técnica
e à licenciosidade dos costumes como afirma Regis Debray na sua recente obra Acreditar, Ver, Fazer (2003), para quem
da demanda coletiva, existe uma outra demanda mais secreta, aquela dos códigos apriori
da nossa
sensibilidade. Essas chaves de leitura são tão espontâneas e flagrantes como
vimos no nosso primeiro capítulo, que esquecemos o quanto estas são devedoras
de escolhas históricas, motivo reiterado no segundo capítulo sobre a memória
ancestral. A paisagem – assinala Debray – designa “tudo aquilo que o olhar
abrange”, resta designar os princípios da visão, os quais não são visto a olho
nu. A paisagem de Ubatuba não é seu patrimônio a ser conservado, imutável; nem
o meio ambiente, que designa o conjunto de relações entre os elementos físicos e humanos, produtores desse meio
natural tanto quanto produtos; nem é o espaço geográfico, que faz abstrações do
tipo de vida; nem o entorno, noção globalizante e científica, que joga fora a
subjetividade; nem território, categoria não sensível de cartógrafos. A
paisagem de Ubatuba depende de um ponto de vista, resultado da ação de uma
cultura sobre um dado meio físico. “A paisagem é interna e existe apenas na
nossa alma”. A paisagem não é uma coisa, mas sim um modo de relação com as
coisas – uma revelação.
Continua...............A partir pag. 348 - Especial " Ubatuba , Espaço, Memória e cultura,e scrito por Jorge Otavio Fonseca e Juan Drouguett - Ed. 2005
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