As
ciências através da dialética da vida real, podem planejar só a partir de um
sistema de abstração, a linguagem. As manifestações da vida cotidiana de uma
cultura como a caiçara oferecem aos estudiosos da linguagem um campo fértil
para a decifração dos códigos refratados de cada manifestação ou atitude que se
reveste de dois lados: o trabalho e a existência, a objetividade e a
subjetividade, a mudança e a permanência. A totalidade de toda essa
“solidariedade” está presente de maneira evidente nessas relações do cotidiano
caiçara, movido pela grandeza do mar e pela altura da serra que separa Ubatuba
do resto do mundo e que exacerba o imaginário cultural contendo-o nesses limites.
O caiçara sabe da existência de outro mundo: “de lá fora”, das grandes
metrópoles como Rio e São Paulo ou de seus pequenos vizinhos. Informado daquilo
que acontece por meio da televisão, das conquistas da tecnologia e da violência
destrutiva do terrorismo, mesmo na tentativa de se adaptar a essas
formas evasivas que o turismo de massa tem
propiciado, ele permanece fiel a sua vida. Nesse espaço fechado entre a serra e
o mar, o caiçara sente-se protegido, pois “Ubatuba é o melhor lugar para se
viver”.
O exame atento da realidade caiçara nos levou à
praia do Camburi para entrevistar a um ícone desta cultura, Genézio dos Santos
de 73 anos cuja sabedoria e vivência são sinônimos dos descendentes de
quilombolas. Nascido e criado no Camburi, homem de muitas vidas, sobreviveu a
um naufrágio com seus 17 anos durante um dia inteiro, sendo levado pela
correnteza contra a costeira, superou a nove internações e uma pneumonia. Mas
nada disso impede do homem que tem sede e fome da sua bandeira brasileira, de
palestrar a todos os que o procuram para relatar tudo que os seus olhos já
viram...
Procurado por grupos de historiadores, turistas,
escritores e repórter de lugares diversos, senhor Genézio é reconhecido no
exterior. Já esteve até no senado em Brasília, acompanhado pelo senhor Inglês
de 65 anos - também caiçara, morador do bairro- através do Projeto Martim
Pescador. Descendente do mestre Basílio,
quilombola, senhor Genézio diz ter nascido em berço de ouro, pois a fartura que
a mãe terra oferecia na hora da colheita, era a maior riqueza que um homem
poderia almejar. Plantava-se banana, batata doce, mandioca doce, inhame,
taiova, milho, cana, que era usado tanto para consumo próprio quanto na
alimentação dos animais domésticos como, porcos e galinhas.
O homem naquela época – explica o entrevistado -
pescava seis meses, semeava e cultivava outros seis. A liberdade do homem era o
trabalho, até onde o suor e a força braçal suportavam. Ele diz que o progresso
é bom, mais tem um preço, pois o rio antes navegável onde servia de agasalho
para os peixes, hoje com a Rodovia Rio Santos, virou um mangue pobre e
assoreado. A natureza que tudo dava, hoje somente pode ser olhada e apreciada.
Movido pela fé, ele acredita que há de chegar o dia em que os governantes hão
de olhar para o Camburi, ponto final do estado de São Paulo, onde a luz
elétrica, a estrada e tantas outras reivindicações são os maiores objetivos da
comunidade. Acredita que com esta estrutura
possa organizar melhor a vinda de turistas, que hoje usam a praia para
acampar ao invés dos campings - na baixa estação- não pagando nada por isso. Ele e
os outros moradores gostariam de uma orientação de quem tem o conhecimento de
outras fontes de renda, porque com setenta e três anos não se tem mais a força
de antes, e só de fé não consegue seu alimento, pois tudo que aprendeu durante
toda sua vida foi naquela praia e que hoje só lhe serve para contar histórias.
Senhor Genézio, fundou em 1967 o cemitério de Camburi, antes os corpos eram
levados para o Ubatumirim. Ele fala que naquela época caixão era coisa
raríssima, todos eram enterrados em redes a sete palmos da terra. Seus olhos
também testemunharam e o fazem, os aparecimentos de diversos OVNIS - objetos
voadores não identificados na região. Pai de sete filhos de criação, ele deixa
uma mensagem aos jovens: “Que escutem o conselho e a obediência e sinceridade
de todos os familiares, para que cresçam com a mensagem do bom caminho
conseguindo na vida adulta o conforto da vida material e principalmente da vida
espiritual ao lado de Deus quando perderem o fogo da vida aqui na face da
terra”.
CONTINUA...........
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