terça-feira, 1 de abril de 2014

ESPECIAL do livro Ubatuba, espaço, memória e cultura " - Parte 114





As ciências através da dialética da vida real, podem planejar só a partir de um sistema de abstração, a linguagem. As manifestações da vida cotidiana de uma cultura como a caiçara oferecem aos estudiosos da linguagem um campo fértil para a decifração dos códigos refratados de cada manifestação ou atitude que se reveste de dois lados: o trabalho e a existência, a objetividade e a subjetividade, a mudança e a permanência. A totalidade de toda essa “solidariedade” está presente de maneira evidente nessas relações do cotidiano caiçara, movido pela grandeza do mar e pela altura da serra que separa Ubatuba do resto do mundo e que exacerba o imaginário cultural contendo-o nesses limites. O caiçara sabe da existência de outro mundo: “de lá fora”, das grandes metrópoles como Rio e São Paulo ou de seus pequenos vizinhos. Informado daquilo que acontece por meio da televisão, das conquistas da tecnologia e da violência destrutiva do terrorismo, mesmo na tentativa de se adaptar a essas



 



formas evasivas que o turismo de massa tem propiciado, ele permanece fiel a sua vida. Nesse espaço fechado entre a serra e o mar, o caiçara sente-se protegido, pois “Ubatuba é o melhor lugar para se viver”.

O exame atento da realidade caiçara nos levou à praia do Camburi para entrevistar a um ícone desta cultura, Genézio dos Santos de 73 anos cuja sabedoria e vivência são sinônimos dos descendentes de quilombolas. Nascido e criado no Camburi, homem de muitas vidas, sobreviveu a um naufrágio com seus 17 anos durante um dia inteiro, sendo levado pela correnteza contra a costeira, superou a nove internações e uma pneumonia. Mas nada disso impede do homem que tem sede e fome da sua bandeira brasileira, de palestrar a todos os que o procuram para relatar tudo que os seus olhos já viram...

Procurado por grupos de historiadores, turistas, escritores e repórter de lugares diversos, senhor Genézio é reconhecido no exterior. Já esteve até no senado em Brasília, acompanhado pelo senhor Inglês de 65 anos - também caiçara, morador do bairro- através do Projeto Martim Pescador.  Descendente do mestre Basílio, quilombola, senhor Genézio diz ter nascido em berço de ouro, pois a fartura que a mãe terra oferecia na hora da colheita, era a maior riqueza que um homem poderia almejar. Plantava-se banana, batata doce, mandioca doce, inhame, taiova, milho, cana, que era usado tanto para consumo próprio quanto na alimentação dos animais domésticos como, porcos e galinhas.

O homem naquela época – explica o entrevistado - pescava seis meses, semeava e cultivava outros seis. A liberdade do homem era o trabalho, até onde o suor e a força braçal suportavam. Ele diz que o  progresso é bom, mais tem um preço, pois o rio antes navegável onde servia de agasalho para os peixes, hoje com a Rodovia Rio Santos, virou um mangue pobre e assoreado. A natureza que tudo dava, hoje somente pode ser olhada e apreciada. Movido pela fé, ele acredita que há de chegar o dia em que os governantes hão de olhar para o Camburi, ponto final do estado de São Paulo, onde a luz elétrica, a estrada e tantas outras reivindicações são os maiores objetivos da comunidade. Acredita que com esta estrutura possa organizar melhor a vinda de turistas, que hoje usam a praia para acampar ao invés dos campings - na baixa estação- não pagando nada por isso. Ele e os outros moradores gostariam de uma orientação de quem tem o conhecimento de outras fontes de renda, porque com setenta e três anos não se tem mais a força de antes, e só de fé não consegue seu alimento, pois tudo que aprendeu durante toda sua vida foi naquela praia e que hoje só lhe serve para contar histórias. Senhor Genézio, fundou em 1967 o cemitério de Camburi, antes os corpos eram levados para o Ubatumirim. Ele fala que naquela época caixão era coisa raríssima, todos eram enterrados em redes a sete palmos da terra. Seus olhos também testemunharam e o fazem, os aparecimentos de diversos OVNIS - objetos voadores não identificados na região. Pai de sete filhos de criação, ele deixa uma mensagem aos jovens: “Que escutem o conselho e a obediência e sinceridade de todos os familiares, para que cresçam com a mensagem do bom caminho conseguindo na vida adulta o conforto da vida material e principalmente da vida espiritual ao lado de Deus quando perderem o fogo da vida aqui na face da terra”.



CONTINUA........... 

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