terça-feira, 31 de dezembro de 2013

VELHO RITA (II)

VELHO RITA (II)


Os foliões do Divino sempre tinham acolhida na casa do Velho Rita (Arquivo Kilza Setti)

Lembrar do Velho Rita é lembrar dos contadores de causos, das praias do Itaguá, do Acaraú, do Tenório; da turma do Janguinho e Santana, da dona Celeste e de tanta gente boa. Essa gente antiga de Ubatuba! Esses velhos caiçaras!
           Lembrar do saudoso Sebastião Rita é lembrar das suas histórias, de um tempo onde éramos mais despreocupados com tudo. Quase tudo se justificava por uma boa prosa. Só o tempo era o senhor: “Se chover eu faço isso; se fizer sol eu faço aquilo”.
Quantas vezes eu encontrei o Velho Rita na beira do rio ou no banquinho, quase sempre com o compadre Miguel Firme, olhando as crianças jogando bola no campo do Itaguá! E o tempo passava repleto de palavras, de causos e histórias.
Num dia desses, juntamente com o Zizo, recordamos alguns desses causos; revivemos o espírito do Sebastião Rita. Em situação assim, diria a saudosa dona Josefa: “Vocês não vão na corrida do Bastião Rita. Não fiquem na fiúza dele”.

O Zizo citou o tio Filadelfo como outro grande admirador das prosas do Velho Rita. Disse que, ao vir da cidade de São Paulo para visitar os parentes, o primeiro lugar a ser visitado era a casa do contador de causos, que ficava na margem do Rio Acaraú. Depois, além de reproduzir as histórias, ficava comentando a esperteza e o talento do velho caiçara. Que bom! Assim nós aumentamos o nosso repertório e vamos dando a conhecer mais coisas desse homem apelidado de Velho Rita.
Depois que eu contei da tela mosquiteira: 

“É coisa boa esse tal de 'mosquiteiro'. Só que lá em casa só funcionou por alguns dias. É que os pernilongos descobriram como entrar. Aprenderam a fazer furo nele: eles vão no fogão, que está apagado, mas tem brasa viva ainda, esquentam o bico e voltam para a tela. Na hora, com a extremidade ainda quente, não tem mosquiteiro que resista. Assim eles fazem a festa em mim e na velha”.

Em cima dessa, tascou o Zizo:
- Titio Filadelfo, ao encontrar o  Sebastião Rita perto do campo de futebol, admirando a pelada da rapaziada, foi logo perguntando de como estava passando, sobre a família etc.

“A família tá bem. Tá tudo muito bem, graças a Nosso Senhor Jesus Cristo. Só eu é que levei um susto, quase pifei de vez. Foi assim: eu estava vindo da praia, de puxar rede com o Aládio e o compadre Florindo. Trazia um quinhão de embetara. 
Cortando o caminho pelo campo, onde a molecada brincava de pega-pega, de repente eu senti um agulhada no peito, bem no coração. Senti que o coração parou. Aí eu parei, fiquei durinho em pé. Só pude gritar para a criançada: me ajudem aqui, me empurrem porque o coração parou. Os meninos largaram tudo e correram pra me acudir. Foram me empurrando, empurrando, empurrando...De repente o coração voltou a bater. Então eu comecei a andar por conta própria. Agradeci muito. Aquelas crianças foram a minha salvação. Eles só continuavam perguntando: Tá tudo bem, seu Tião? Tá tudo bem?
Mas olha! Quase que fui! Se não fosse os meninos fazerem eu pegar no tranco, a essa hora já tinha sete palmos de terra por cima deste corpo velho”.

Gostou? É só para entender melhor a antropologia caiçara.

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