Sempre ao entardecer, depois da pescaria e das vendas dos
peixes, depois da lavagem nas canoas, dos entralhos e remendos nas
redes, depois da varrida em volta do velho ranchinho, enfim, depois de
cumprirem o cotidiano e a lida do dia-a-dia, Fifo e Alfredo Vieira,
sentavam aos pés dos abricoteiros e punham conversa fora: contavam
casos, relembravam acontecimentos, planejavam pescarias e, de todos os
sentimentos, eles falavam sobre o futuro. O que seria o futuro?
Das coisas materiais o que eles tinham de mais precioso era o velho
ranchinho, pois foi ali que eles cresceram, sustentaram suas famílias,
educaram seus filhos...O velho ranchinho abrigava suas canoas, seus
remos, seus balaios, suas redes, seus anzóis...foi o velho ranchinho que
garantiu suas subsistências, suas dignidades.
-Não tem jeito, compadre! Um dia vamos perder nosso ranchinho! Falou Fifo.
-Ééééé compadre! Deveriam fazer uma homenagem a ele coloca o nome da praça!
-Ééééé compadre, se eu fosse doutor ou fosse um político, talvez a praça teria o seu nome!
-Ëéééé compadre! Ta lá o exemplo. Homenagearam Santos Dumont! Lá
no Perequê a avenida tem o nome do governador Abreu Sodré, tem rua com
nome de Pandareco e Marechar Pisca o disco...
-Nào é Pisca o disco compadre; é Marechal Pilsudski e não é Pandareco e sim Paderewsky.
-É esse mesmo compadre! Em vez de a rua ter o nome desse tar de
Piscodisco, que nunca ninguém viu, deveria ter o nome do saudoso
Benedito Hilário, grande fazedor de balaio e o maior pescador de garoupa
de Ubatuba; ele era dono daquela terra toda lá!
-Ééééé compadre! Não esquente a cabeça com isso e pode ter
certeza que quando nós morrer, vão quebrar nosso ranchinho, vão cortar
nosso abricoteiro e até os guaroçás terão que se mandar daqui, e pode
ter certeza que nunca lembrarão de nós.
-Ééééé compadre! Você disse bem! Só depois que nós morrer, por
que enquanto eu for vivo, ninguém encosta no meu ranchinho, e se vão
lembrar de nós ou não, não faz mal!
A conversa continuou por muito tempo entre os dois compadres;
foram dias, mesese anos... a conversa voava pelas nuvens, canoava além
do horizonte do mar diante de seus olhos, vagava pelos tempos e se
deparava com a incerteza do futuro. O que seria deles? O que seria de
seus velhos ranchinhos? O que fariam naquele local?
O tempo passa e a velhice chega... Chegam também a morte e a
matéria do homem vira pó. Nunca jamais devemos esquecer desses homens,
mesmo que não tenham sido doutores, políticos ou militares e sim por que
foram homens que fizeram parte da história do povo caiçara, ajudaram e
desenvolver a cidade e deixaram raízes; estão aí seus filhos, seus
netos, seu povo; o povo caiçara.
Pois é amigo Fifo, amigo Alfredo Vieira! Vocês imaginavam que
ali no lugar dos seus velhos ranchinhos construiriam uma pista de skate,
uma ciclovia, uma obra de lazer e descontração???
–Vocês imaginavam isso? Talvez não! Mas acredito que vocês
gostaram e que estão felizes por saberem que no local do velho
ranchinho, crianças irão se divertirem e passarão o tempo em atividades
físicas, praticarão esportes, e muitos deles, com certeza estarão fora
do mundo das drogas e dos vícios.
Amigo Fifo, amigo Alfredo Vieira; tenho certeza que aonde quer
que vocês estejam, vocês estão contentes e mais contentes ainda, vocês
ficariam se a pista de skate, recebesse o nome de vocês. Quem sabe os
doutores políticos homenageiem os caiçaras doutores dos mares, colocando
um singelo monumento dizendo;
RANCHO DOS SKATES “JOÃO SERPA E ALFREDO VIEIRA”.
Texto de Julinho Mendes
http://perptua.blogspot.com.br/2011_06_01_archive.html
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