Corrida de Canoas Caiçaras -Praia da Enseada em Ubatuba- Inagem
apenas ilustrativa - não faz parte do livro
O primeiro passo neste processo de
aculturação em Ubatuba, foi entender o espírito caiçara[1]. Claudia de Oliveira, que
se auto-reconhece como caiçara, nos oferece um belíssimo depoimento do que é
ser caiçara, atrelado à forma simbólica de representação do mundo.
Eu, caiçara... uma mistura de gente de toda gente!
Cheiros, formas e cores... diferentes! Ingleses, bugres, alemães, portugueses e
tantos outros que por aqui passaram; sem contar o sangue que corre nas veias,
herança tupinambá. Este povo que guerreou até o fim, lutando pela terra da qual
eram donos por direito, pois ‘eram os primeiros’ (os denominados tamoio). Da
fusão das etnias surgiram os caiçaras, moradores à beira-mar, os também
conhecidos como barriga-verde (devido ao fato de alimentar-se do peixe cozido
com a banana verde).
Nós
também somos um povo guerreiro que luta pela sobrevivência de nossa infinita e
rica cultura, que percorre os mares e ilhas, alojasse nos mangues, brinca nas
ondas do mar, caminha pela sombra do chapéu de sol, canta suas tristezas, conta
em verso suas alegrias, trilha pelas colinas, banha-se nas cachoeiras...
[1] Caiçara é a denominação dos habitantes do litoral
do Estado de São Paulo. Etimologicamente, a palavra caiçara provém de caá –
icara, o cercado de paus a pique, defesa da taba, segundo o Vocabulário Geral – tupi – guarani de
Silveira Bueno (1998:87). Provavelmente esta designação responda a um modo
particular de pesca que esses habitantes do litoral praticavam em função de
interesses alimentares.
Faço
parte de um povo sábio que traz na alma a sabedoria de ser nobre na
simplicidade. Contemplamos o sábio dos sábios, o sr do tempo, um guru tão
complexo! Mas que quando o entendemos a vida fica ‘mais...deliciosa’, ele que
nos diz em um simples olhar quando vai chover ou vai fazer sol ou mesmo que
hora é. É ele que determina a época da colheita, se ela vai vingar ou mesmo
quantas luas são necessárias para apanharmos o alimento na hora certa. Os
ventos, aquele que leva as coisas ruins e traz as boas também é dito por ele,
quando solta no ar o cheiro da vassourinha (planta da região), não tarda muito,
o vento noroeste esta por chegar, logo atrás dele vem o vento que traz a chuva;
é hora de ‘apoitá os barco’. O alimento ofertado pelo mar também tem época
certa, garoupas, paratis, sargos, infinita quantidade, mas que para ter seu
merecimento no prato, tem-se que entender muito do traiçoeiro mar, e ficar
atento de sol a sol, lua a lua... Ah! A lua, que surge com fases diferentes de
tempos em tempos, ela que determina quase tudo na vida de todo ser vivo,
imagina então de nós caiçaras, que mesmo sabendo que hoje muitos são estudados,
tantos outros moram em lugares que ainda se usa o lampião. Amores, rumores de
estórias de lobisomem, apanhar a madeira na lua minguante para que não tenha
caruncho, não pegar o pescado na lua cheia pois a fêmea esta em algum mangue
parindo novas vítimas. Enquanto isso embalamos em algum lual, no ritmo da xiba
e depois um banho de mar; ou ainda aproveitamos para pagar alguma promessa
dançando de noitinha até ao amanhecer a dança de São Gonçalo. Eu, como todos os outros caiçaras, vítimas do
mundo globalizado, estou aqui digitando estas palavras na tela de um
computador, do qual para muitos leitores soará como um achado. Puxa! Ninguém
mais ouve minha gente, acham que somos preguiçosos quando estamos quietos,
apenas a observar, esperando
o tempo certo para plantar, ou colher. Pobres daqueles que não percebem que
para tudo tem um tempo certo, pois, se ele é demais o fruto apodrece, os amores
passam... se ele é de menos o fruto é verde, o amor ainda não está pronto! A
velocidade das informações onde tudo que falamos hoje, amanhã é informação
ultrapassada! O mundo gira em uma velocidade atroz, produzindo uma nova raça
que agem como donos da verdade!! Apenas suas verdades! Uma raça confusa, que
vivem em busca do outro, fugindo de si mesmo! Para fazer paz, usam armas de
fogo! Dizem ser ecológicos por modismo, mas tiram do caiçara o direito de
plantar em seu quintal! Amor não é mais embalado pelo reflexo da lua cheia, é
sim através da projeção da mesma em uma tela computadorizada em qualquer
momento do dia ou noite que possa desejar! Em nome do progresso construíram
seus muros. E quanto maiores, ‘é-difícios’ foi ficando! Assim, só nos resta
lutarmos até o fim para preservarmos nossa raça, nossa cultura, nossa história,
uma gente que apesar de estar dia a dia sendo massacrada pela evolução do
século XXI, vítimas de demagogos, ainda assim, somos uma gente que cai-
e-çara!!!! Até o fim... contando para
todos quem somos, interferindo na história, sobrevivendo e aprendendo com o
mundo contemporâneo, mas nunca deixando de observar, a lua... o mar, estes que
muito tem a nos falar, a sabedoria, que ficou de herança, como havia mencionado
dos tupinambá. Assim vivemos com nossas tragédias, fazendo poesia, com um
sorriso no rosto e a felicidade na alma, sofrida e aprendiz. Não tomamos mais
café com caldo de cana; puxamos o picaré (rede puxada por dois homens beirando
a orla) ou consertamos (limpar) o peixe, mas nossas praias tem nomes indígenas,
como Itaguá, Itamambuca, Puruba, e tantos outros assim como nosso município
Ubatuba; já nossos nomes tem variações como Rocha, Santos, Cabral, eu mesma,
Claudia que guardo
o Gonzaga e só uso Oliveira, sobrenomes portugueses, espanhóis, tupis; raízes
tão entrelaçadas que unidas construíram um país, aqui mesmo nas terras de
Yperoig (hoje Ubatuba), Hans Staden, Padre José de Anchieta, Ciccillo
Matarazzo, ´Confederação dos Tamoio’, etc, etc, etc, quem somos? Somos filhos
da história de um país que se chama Brasil.
PRÓXIMA ATUALIZAÇÃO ( SEQUENCIA DESSE ESPECIAL) EM 12 JANEIRO DE 2014.
ATÉ LÁ
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